Reportagem da Folha de S.Paulo desmistifica concepção de que Estado brasileiro é “inchado”
Em reportagem publicada esta semana, a Folha de S.Paulo apresenta uma série de dados que refutam a ideia – bastante difundida – de que há um excesso de servidores públicos na máquina estatal brasileira, gerando um suposto “inchaço”. Quem estuda o serviço público afirma que é preciso revisar o concurso público, reformular as carreiras existentes, adaptar o efetivo às mudanças no mercado de trabalho e aprimorar a avaliação de desempenho; “no entanto, refuta a ideia de que haja excesso de gente na máquina pública”, escreve a jornalista Alexa Salomão logo na abertura de seu texto.
Entre os indicadores que rechaçam tal concepção, está um comparativo internacional realizado pelo instituto República.org: enquanto, no Brasil, 12,45% dos trabalhadores estão alocados no setor público, em países como Dinamarca e Suécia – famosos por instituírem o Estado de Bem-Estar Social europeu – a porcentagem fica próxima dos 30% (30,22% e 29,28%, respectivamente). Porém, mais relevante para desmistificar a concepção de “Estado inchado” no Brasil, está a comparação, por exemplo, com os Estados Unidos – referência global de valorização da iniciativa privada: os norte-americanos têm 13,55% da força de trabalho no setor público. Mesmo o Chile, país muito citado como exemplo por reformistas liberais por ter reduzido o peso do Estado, os servidores públicos representam 13,10% da força de trabalho. Na média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), os funcionários públicos são 23,48% do total de trabalhadores – número bastante superior à taxa brasileira.
Contudo, para além das comparações internacionais, deve-se atentar para a especificidade do serviço público brasileiro. O SUS, por exemplo, é referência mundial de universalização do atendimento de saúde. Programas de distribuição de renda e de combate à pobreza, coordenados pelo Estado, também são frequentemente apontados como modelo para outros países. “O Brasil é ambicioso em suas políticas de universalização de saúde e educação, o que demanda mais gente. Ainda assim está no nível intermediário na comparação internacional”, frisa o pesquisador Félix Lopez, um dos coordenadores do Atlas do Estado Brasileiro, plataforma do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que reúne dados sobre servidores públicos.
Com uma série de ações e responsabilidades, o retrato real da máquina pública brasileira é, em verdade, oposto ao de um “Estado inchado”: em cidades menores, é difícil suprir a necessidade de mão de obra, faltando servidores públicos. “Quanto mais qualificado o servidor precisa ser, mais difícil fica. Mas o problema engrossa no médico”, constata Paulo Ziulkoski, presidente CNM (Confederação Nacional dos Municípios). Para corroborar sua visão, pesquisas apontam que um terço das cidades tem dificuldade para preencher vagas de médicos, incluindo grandes centros urbanos. Entre as dificuldades para atrair mão de obra para o setor público estão baixos salários, exigência de carga horária de 40 horas, escassez de recursos e deficiências na infraestrutura.
Também na contramão da perspectiva da máquina pública “inchada”, o volume de servidores na esfera federal tem encolhido, com exceção dos professores universitários, categoria que cresceu: o número de estatutários em 2023 é inferior ao de 1989, informa Pedro Masson, coordenador-geral de Ciência de Dados da Diretoria de Altos Estudos da Enap (Escola Nacional de Administração Pública): “São quase 100 mil servidores a menos entre os concursados. O ‘mais Brasil e menos Brasília’ já aconteceu na força de trabalho do serviço público, e a imagem de órgãos federais abarrotados de gente fazendo nada é uma caricatura”, afirma.