A carreira de EPPGG pode ser afetada pela PEC 32?
A PEC 32/20, da Reforma Administrativa, apresentada pelo governo sob o mote de “Nova Administração Pública”, enfatiza que as alterações propostas à Constituição Federal não vão afetar os atuais servidores. Porém, passados dez meses, desde que a PEC chegou à Câmara dos Deputados, as análises levam a crer que ela pode, sim, impactar atuais servidores, incluindo EPPGGs.
O Brasil possui mais de 11 milhões de servidores públicos, vinculados aos três níveis de governo e aos diferentes poderes. O que faz com que as análises de impactos generalistas confundam e até desmobilizem as carreiras frente ao que a Reforma pode acarretar. Assim, é preciso se deter com mais cuidado os efeitos que a PEC pode trazer.
Em entrevista com Pedro Pontual, presidente da ANESP, trazemos alguns pontos que apresentam sua visão sobre a PEC 32 e o que vem sendo levado para audiências públicas e reuniões com entidades e parlamentares.
Servidores divididos
Um primeiro ponto crucial é a divisão, proposta no desenho da PEC 32 apresentado pelo governo, em dois grupos, regidos por regimes distintos: os atuais e os futuros servidores. Essa divisão é ruim porque os atuais servidores ficam em um regime que não terá continuidade, já que não acolherá novos servidores e diminuirá com o passar do tempo. Esse regime institucionaliza, assim, o grupo dos “antigos servidores”, que, no contexto atual, ficaria com uma conotação de “indesejável”. De outro lado, há o grupo dos novos, que serão contratados no novo desenho proposto pelo governo.
Assim, o grupo dos “antigos” passa a ter menor relevância para o Governo. Quando se necessitar, por exemplo, pedir licença capacitação - uma ação positiva para o Estado - é esperado que sejam priorizados os pedidos de novos servidores. É sabido que recursos são sempre limitados para este tipo de atividade, assim ficará mais plausível destiná-los aos que ingressaram mais recentemente no serviço público.
Da mesma forma, em um movimento ou pleito para corrigir o salário pela inflação, o governo poderá escolher e priorizar destinar correções apenas a um dos grupos, que estarão já em pé de desigualdade.
Os atuais servidores, que passarão ao grupo dos “antigos” tornam-se o “patinho feio”. Essa é a regra de todos os casos em que carreiras se tornaram em extinção. Cria-se um limbo e elas acabam preteridas. Fica fácil - e mais barato - calcular, por exemplo, um reajuste só para um grupo novo, menor.
Vinculação da estabilidade aos cargos típicos de Estado
Esse é um dos temas mais polêmicos e com a pior explicação disponível pela PEC 32. Muitas carreiras têm interpretado que ser típicas de Estado é uma espécie de proteção para que tudo continue como está hoje. Isso não é verdade. Não é essa a proposta da Reforma Administrativa. As únicas garantias estendidas para a carreira típica de Estado é a da estabilidade e a impossibilidade de se terceirizar aqueles trabalhos ou atividades.
A proposta de vincular a estabilidade somente aos cargos que exerçam atividade típicas de Estado faz com que se tenha uma discussão descasada do funcionamento do Estado. Não se compreende, por exemplo, que terceirizar serviços públicos, usar recursos públicos para pagar outra pessoa, entidade ou ator para prestar esses serviços, exige gerenciamento de contratos. É preciso um servidor que acompanhe os resultados, que autorize os repasses de recursos, que ateste se as metas previstas foram alcançadas. E a PEC simplesmente não manifesta o compromisso de que haja qualquer tipo de desenho dentro da lógica de como funciona o Estado.
A perspectiva é de que o dinheiro público passe a poder ser transferido para o setor privado sem controle imediato. Temos a fiscalização posterior, mas não o controle imediato.
Nas reuniões com os parlamentares, a ANESP tem apontado que não interessa a um servidor que não tenha estabilidade se especializar em regras para fazer convênios, novas técnicas referentes à políticas públicas, inovações referentes à produção teórica, acadêmica, capacitação - aspectos que são obrigatórios dentro da carreira de EPPGG - se, no final das contas, esses especialistas terão que disputar vaga na iniciativa privada.
Existe um interesse intrínseco ao Estado para que servidores busquem melhorar o seu conhecimento sobre o próprio Estado e suas regras de funcionamento. Sobretudo em carreiras como a de EPPGG, que foram criadas a partir do marco legal de provimento de assessoramento aos altos níveis hierárquicos da Administração Pública. Isso é notável.
Contudo, o que se vê é um patamar raso do debate e da caracterização das carreiras típicas de Estado. A recepção desse debate e a interlocução com o Fonacate, que representa as carreiras típicas de Estado, tem sido muito positiva.
O fato dessa discussão ter sido colocada na mesa é uma estratégia muito conveniente aos apoiadores da Reforma, porque provoca divisão entre os servidores. Dentro de carreiras muito numerosas, como a de professores e as do setor de saúde, já acontece certa animosidade com a visão das carreiras típicas de Estado. A posição, hoje, do Fonacate e de todas as entidades que o compõem é que a estabilidade é inegociável para todas as carreiras.
Criação de três diferentes tipos de vínculos
Existe ainda a previsão de se criar três possibilidades distintas de contratação que não seja por concurso, mas por contratos temporários. Mesmo que isso não mexa na estabilidade, permitirá a qualquer governo contratar servidores temporários.
Possibilidade da carreira de EPPGG ser extinta
Se não houver uma necessidade de continuidade das carreiras, o governo federal poderá extinguir a carreira de EPPGG e criar uma nova carreira com atribuições semelhantes, já que a PEC não assegura a continuidade das atuais carreiras. Isso vale para todas as carreiras.
Cargos de liderança e assessoramento
A PEC traz duas mudanças radicais. Primeiro, extingue as funções comissionadas, não havendo qualquer tipo de reserva de cargos, isto é, função, para servidores. Há casos, no entanto, em que é muito evidente que a função só pode ser desempenhada por um servidor público, como é o caso das estruturas internas da Polícia Federal. Não se deseja, assim, incorporar pessoas sem vínculo com o serviço público, que não conhecem a estrutura, para exercer cargos dentro de um órgão sensível. Isso afeta também os EPPGGs, que em geral são nomeados para funções específicas, que exigem qualificação, capacitação e experiência.
O outro problema é que a PEC abre o cargo comissionado, a indicação política, para exercício de funções técnicas. Assim, seria possível colocar pessoas com indicação política até mesmo para funções de fiscalização e de análise, por exemplo, de relatório de projetos em que se está decidindo sobre o desembolso de recursos públicos. Isso é mais uma fragilização para a possibilidade de corrupção.
Avaliação de desempenho
A ANESP é favorável à avaliação de desempenho, mas requer um bom desenho para ela. Nesse sentido, coloca como exemplo a própria avaliação de desempenho que existia na carreira de EPPGG e precisou ser descontinuada porque havia sido mal implementada.
Avaliação de desempenho é algo muito maior do que a mera maneira de demitir o servidor. É uma forma de se dar um retorno para o servidor, de garantir o alinhamento com as metas institucionais. Então, sem discutir planejamento, não há como discutir avaliação de desempenho. No entanto, a PEC não faz qualquer alusão à melhoria de planejamento do Estado. Nem sequer observa que isso é importante ou necessário. A palavra planejamento não aparece na PEC 32.
Se não houver uma correlação entre desempenho institucional, que passa por um tipo de avaliação, e desempenho individual do servidor - condicionada ao desempenho institucional -, não há consistência na avaliação de desempenho, tampouco melhorias na qualidade do serviço público.
A ANESP segue diariamente contribuindo para a discussão sobre o destino do serviço público no Brasil. Mais do que a defesa da carreira, defendemos um Estado que garanta direitos.