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"A alta do Dólar frente ao Real", por Luciano Fávaro Bissi

Luciano Fávaro Bissi*


As últimas semanas vêm apresentando uma consistente apreciação da moeda norte-americana frente ao Real. Entre os últimos dias de setembro e outubro deste ano, houve alta de 6,1% na cotação do Dólar, segundo o Banco Central do Brasil, passando de R$ 5,45 para R$ 5,78.

Em termos nominais, a cotação do dia 14/05/2020 foi a maior da série histórica desde a implantação do Plano Real, data essa em que o dólar atingiu R$ 5,94. Observando-se as cotações apuradas no último dia de cada mês, outubro/2024 atingiu a máxima histórica, na série de 364 meses que se iniciou em julho/1994.

A situação atual vem sendo motivo de preocupação nacional e, de fato, as variações excessivas da moeda americana acabam por impactar em toda a economia. Simplificadamente, o aumento da cotação do Dólar favorece os mercados exportadores e prejudica os importadores, por causa da alta nos preços relativos internacionais, com efeitos direitos e indiretos nos preços ao consumidor.

No mercado financeiro, os eventos atrelados ao câmbio ocasionam maior volatidade nas operações e, para aqueles que detêm posições em moeda nacional, trazem, em curto prazo, perda relativa de valor frente ao Dólar, causando efeito contrário àqueles que estejam em situação inversa. Além disso, altas cotações tendem a trazer recursos dos investidores internacionais.

A maior limitação na análise das variações históricas entre o Real e o Dólar é desconsiderar os efeitos das inflações brasileira e americana na comparação das moedas. O poder de compra do Real é, atualmente, muito inferior, em termos nominais, ao que se verificava no primeiro mês de implantação da referida moeda. A inflação brasileira verificada entre setembro/2024 e julho/1994 foi de 664%, ou seja, R$ 1,00 em 30/09/2024 teve a mesma força de compra de R$ 0,13 em 31/07/1994.

A perda de valor da moeda se verifica em todas as economias, mas em graus diferentes. Assim como no Brasil, os Estados Unidos apresentaram processo inflacionário que corroeu o valor de face de seu papel-moeda.  No mesmo período de comparação, a inflação americana atingiu 112%. US$ 1,00 em 30/09/2024 equivalia a US$ 0,47 em 31/07/1994. Portanto, a fim de avaliar corretamente o impacto econômico recente na alta do Dólar frente à moeda brasileira, é necessário deflacionar os valores nominais tanto do Real quanto da moeda norte-americana.

Junto ao acompanhamento da cotação do Dólar deve ser observado o grau de disponibilidade da moeda americana que o Brasil tem. O montante de reservas é a garantia de que nosso País tem em manter um fluxo normal entre as trocas internacionais, afastando o risco de insolvência e de busca de empréstimos estrangeiros, como os contraídos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1998, 2001 e 2002.

Em termos nominais, o maior nível de reservas apresentado pelo Brasil desde a implantação do Plano Real foi em junho/2019, quanto atingiu US$ 388 bilhões. Em setembro/2024, esse valor foi de US$ 372 bilhões. Entretanto, assim como o caso do câmbio, é importante avaliar o nível de reservas internacionais considerando a inflação americana.

O gráfico a seguir apresenta o histórico das cotações do dólar e do nível de reservas internacionais, descontando-se os efeitos das inflações brasileira e norte-americana, a preços de setembro/2024, e desconsiderando a inflação de outubro/2024, por não divulgação dos dados até o momento.

COTAÇÃO DO REAL (BRASIL) FRENTE AO DÓLAR (EUA), E NÍVEL DE RESERVAS INTERNACIONAIS BRASILEIRAS, DEFLACIONADOS PELAS INFLAÇÕES BRASILEIRA E AMERICANA - BASE: SET/2024

Os dados de outubro/2024 não foram deflacionados porque os indicadores de inflação não foram publicados até o momento.

A cotação atual do dólar frente à moeda brasileira não está em seu ponto máximo em outubro/2024, em termos reais. O nível mais alto verificado ocorreu em setembro/2002, com R$ 8,17, no auge do processo eleitoral daquele ano, mas que já vinha em um franco crescimento desde a instituição da livre flutuação da taxa de câmbio, em janeiro/1999. O piso de cotação ocorreu em julho/2011, quando o dólar estava em R$ 2,35.

Basicamente podemos dividir o período de pouco mais de trinta anos em dois momentos em que o dólar apresentou cotação real com níveis próximos ou superiores a outubro/2024: entre agosto/2001 e março/2003, quando o Brasil enfrentava os efeitos das crises cambiais internacionais e o processo eleitoral de 2002, e entre abril/2020 e novembro/2021, em plena pandemia da Covid-19.

Em relação ao período de agosto/2001 e março/2003, o País possuía níveis de reservas internacionais muito baixos, mesmo com os empréstimos contraídos junto ao FMI, o que deixava o Brasil muito suscetível a ataques especulativos, como acabaram acontecendo em diversas ocasiões naquele momento. De qualquer forma, a partir de 2003, houve reduções das taxas de câmbio e, devido a saldos comerciais bastantes positivos em períodos posteriores, as reservas internacionais brasileiras passaram a acumular-se exponencialmente até o ano de 2012.

No período relativo à pandemia de covid-19, a redução de várias cadeias produtivas causou muitas distorções nos preços relativos internacionais, e isso afetou tanto o câmbio quanto as reservas internacionais brasileiras. Os efeitos da pandemia se fizeram sentir no câmbio a partir de janeiro/2020 e, nas reservas internacionais, houve movimentos de decréscimo, inicialmente; posteriormente, de expressivo acréscimo; e, ao final, de forte redução, a partir de agosto/2021.

As reservas internacionais passariam a ter movimento de crescimento apenas a partir de outubro/2023, chegando naquele mês em US$ 348,7 bilhões, e passando, em outubro/2024, a US$ 366,1 bilhões, crescimento de 5,0% em um ano, mas com queda de 1,6% em relação a setembro/2024, quando atingiu US$ 372,0 bilhões, nível máximo dos últimos 29 meses.

Em que pese os níveis das reservas internacionais ainda estarem historicamente altos, são bastante inferiores à máxima ocorrida em novembro/2012, quando atingiu US$ 518,5 bilhões, em valores deflacionados. Daquele mês até hoje, houve redução de US$ 152,4 bilhões nos valores, ou 29,4%. Os níveis atuais encontram-se próximos àqueles verificados em junho/2010, quando o dólar era cotado a R$ 2,80.

A projeção do mercado financeiro para a cotação do dólar, ao final de 2024, é de R$ 5,50, ou seja, expectativa de redução nominal de 4,8% nos últimos dois meses do ano. Trata-se ainda de uma cotação historicamente alta frente ao nível de reservas internacionais disponíveis, especialmente quando comparamos com o período de 2011 e 2012. O desafio do Poder Executivo Federal é aliar crescimento econômico, controle inflacionário, taxas de câmbio de equilíbrio e cessação do processo de redução das reservas internacionais após o pico ocorrido em novembro/2012.

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*Luciano Fávaro Bissi é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, graduado em Administração e pós-graduado em Gestão Previdenciária. Já foi titular de cargos como Coordenador de Conjuntura, do Ministério da Previdência Social, Gerente do Fundo Estadual de Saúde/ES, Coordenador-Geral de Gestão e Modernização do Ministério dos Portos, e Superintendente do Patrimônio da União no Espírito Santo.


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