Saída do Brasil do Mapa da Fome conta com as mãos de EPPGGs
A saída do Brasil do Mapa da Fome da ONU, anunciada nesta segunda (28), chama a atenção devido ao curto tempo em que foi alcançada, posto que em 2022 a situação brasileira ainda era considerada crítica. A conquista é resultado de políticas públicas articuladas e mostra que com vontade política é possível avançar.
Essa é a avaliação das EPPGGs Lilian Rahal e Márcia Muchagata, duas dos membros da carreira que tiveram atuação direta no desenvolvimento e implementação dessas políticas públicas. Lilian Rahal é Secretária Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e Márcia Muchagata é Gerente de Projeto na mesma pasta, no Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Ambas são ex-vice-presidentas da ANESP.
Elas estão em encontro da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU) em Adis Adeba, na Etiópia, dialogando com experiências internacionais e apresentando ao mundo as políticas brasileiras de combate à fome que permitiram ao país alcançar o marco de menos de 2,5% da população em risco de subnutrição ou de falta de acesso à alimentação suficiente. O resultado, que indica a saída do Mapa da Fome, leva em conta 2022, 2023 e 2024. O Brasil alcançou esse patamar em 2014, mas – em conta do desmonte de uma série de políticas públicas e estruturas importantes, como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) – tinha retornado ao Mapa no triênio 2018/2020.
No encontro, Lilian Rahal destacou a intersetorialidade das políticas de combate à fome no Brasil como ferramenta importante para o sucesso alcançado: “Um pilar desse sistema é a intersetorialidade, materializada em câmaras de governança que, no caso do governo federal, reúnem 24 ministérios. Isso oferece um espaço para alinhar prioridades e fomentar o diálogo entre setores”.
Acesse o relatório da FAO/ONU na íntegra.
Conversamos com as EPPGGs para compreender a dimensão do anúncio e parte do que foi feito para esta conquista. Confira abaixo os destaques da conversa:
Qual a importância do reconhecimento pela ONU de que o Brasil saiu do Mapa da Fome?
A saída do Brasil do Mapa da Fome mostra que, com vontade política, é possível acabar com a fome – não apenas no Brasil, mas em outros países. Ela traz esperança para todos os que lutam para acabar com a insegurança alimentar. Mostra também que não há revolução, mas que pode-se construir de maneira incremental um conjunto de políticas intersetoriais para atacar questões prioritárias, com soluções baseadas em evidências e com grande participação da sociedade civil.
O que foi feito para que essa saída acontecesse em curto espaço de tempo, considerando o período crítico de 2022?
A PEC da transição permitiu o orçamento necessário para retomar várias políticas, como o aumento do Bolsa Família, a retomada de políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Cisternas. Não foi tão fácil porque vários marcos regulatórios tinham sido desmantelados pelo governo anterior. Mas retomamos as políticas em novas bases, tentando alcançar justamente os que nunca tinham sido alcançados antes. Hoje temos, por exemplo, os PAAs Indígena e Quilombola e tecnologias sociais de acesso à água não apenas no Semiárido, mas também na Amazônia, que lidam com a crise climática. E temos políticas novas, como a nova cesta básica, que conta apenas com alimentos in natura e minimamente processados e cujos produtos estarão isentos de imposto, conforme foi discutido durante a reforma tributária. Também temos políticas como o Alimenta Cidades, uma estratégia para lidar com os desertos alimentares nas periferias dos grandes centros urbanos e que já está em execução nos 91 maiores municípios do Brasil. Não podemos também esquecer a retomada do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan).
O que pode ser feito em termos de políticas públicas para que essas conquistas sejam mantidas?
Embora tentemos garantir marcos legais sólidos, eles podem ser facilmente alterados, e pouco adianta termos evidências sólidas se não houver vontade política. Só a manutenção da democracia, a descentralização de políticas públicas e a participação social podem garantir a permanência destas políticas.