Como a Reforma Administrativa impacta a saúde pública
A pandemia de covid-19 mostrou aos brasileiros a importância dos profissionais de saúde, da ciência e, principalmente, do Sistema Único de Saúde (SUS).
Mesmo assim, neste Dia Mundial da Saúde, há pouco o que celebrar na área da saúde pública do Brasil. De acordo com a proposta de Orçamento para 2021 enviada pelo governo e aprovada pelo Congresso, a Saúde deve receber 12,13% menos recursos que em 2020.
Soma-se a isso a proposta de Reforma Administrativa do governo Bolsonaro entregue ao Congresso em setembro de 2020. Se aprovada como está, a PEC 32/2020 reduz drasticamente o número de funcionários públicos, o que trará impactos negativos para áreas fundamentais como saúde, educação, assistência social e segurança pública.
Embora os defensores da proposta digam que a Reforma vem para combater privilégios, ela não atingirá as classes que recebem maiores salários no serviço público, mas sim aquelas que trabalham na ponta, servidores de baixa remuneração, que atuam no SUS, por exemplo.
Hoje, a maior parte dos funcionários públicos está concentrada em estados (2,983 milhões) e municípios (6,537 milhões). Mesmo o governo não tendo apresentado nenhum estudo de impacto dessas medidas, é possível deduzir que a redução do número de funcionários públicos e de jornadas certamente terá impacto negativo para quem faz uso do serviço público.
7 em cada 10 brasileiros usam diretamente o SUS
Na saúde, isso significa que mais de 150 milhões de brasileiros, que fazem uso exclusivo do SUS para tratamento, sofrerão os impactos dessa Reforma.
Órgãos como a Anvisa, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e a Fiocruz, que foram essenciais para a produção e aprovação do uso de vacinas no Brasil, correm risco de sofrer interferências políticas com o fim da estabilidade. Isso já acontece hoje em dia, mas a garantia de não demissão proporciona aos servidores a segurança necessária para atuar de acordo com princípios técnicos e fazer denúncias.
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Conversamos com Fausto Pereira dos Santos, que é médico, doutor em Saúde Coletiva, ex-diretor presidente da ANS e especialista em políticas públicas e gestão governamental no Ministério da Economia para saber como ele avalia os impactos da Reforma Administrativa na saúde.
Para ele, essa proposta de Reforma não virá para modernizar instituições e melhorar a prestação de serviços. “Na verdade, nós continuamos vivendo, do ponto de vista do setor público na área da saúde, baseados no decreto nº 220/1967, da época da ditadura militar. Acho que essa é a maior crítica que se tem em relação à Reforma Administrativa”, diz.
Fausto explica como o decreto, que normatiza a estrutura do Estado brasileiro, tem dificultado a ação operacional do setor da saúde. “As instituições da área da saúde convivem num verdadeiro emaranhado de natureza jurídica, no âmbito do setor público, com empresas; e no âmbito da relação com o setor privado, com as organizações sociais, com Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e com toda sorte de formas de relacionamento. Isso tem gerado um conjunto de problemas e dificuldades para a operação do setor. E disso, a proposta de Reforma do governo não trata, ela se limita a tentar discutir a questão dos servidores. Sem dúvida, esse não é o problema do setor hoje do ponto de vista administrativo”.
Reforma Administrativa coloca instituições em risco
A Reforma Administrativa também pode dar plenos poderes ao presidente por meio de alteração do artigo 84 da Constituição Federal. Caso a Reforma seja aprovada como foi desenhada, por meio de decreto o presidente poderá extinguir cargos públicos, ministérios e órgãos diretamente subordinados à presidência, além de entidades da administração pública autárquica e fundacional.
Fausto considera essa questão muito grave, principalmente para órgãos como a Anvisa, ANS e Fiocruz, que têm papel estratégico neste momento. “Você dar esse nível de poder para o Executivo sem ouvir o Legislativo me parece uma proposta que coloca em risco as instituições e a autonomia dessas instituições”, diz.
Ele acredita que a Reforma Administrativa necessária para a saúde tem que levar em conta as características atuais do setor e tentar resolver o emaranhado “de instituições de formatos jurídicos e de relacionamentos existentes para que possa facilitar e aprimorar o processo de oferta de serviços de saúde de melhor qualidade para a população”, finaliza.