Nota da ANESP: Não à Reforma Administrativa do retrocesso
A Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP) vem manifestar sua preocupação com a forma como o tema mal qualificado como “Reforma Administrativa” vem sendo tratado ao longo dos últimos meses pelo Congresso Nacional. Em 21 de maio, o presidente da Câmara dos Deputados anunciou a criação de um Grupo de Trabalho (GT) no interior daquela casa legislativa para tratar do assunto. Em seguida, foi nomeado o deputado Pedro Paulo (PSD/RJ) para as funções de coordenador do colegiado, com a designação de um prazo de 45 dias para concluir a apresentação dos resultados finais.
Ao longo dos 37 anos de vigência da Constituição Federal houve um conjunto de tentativas para alterar elementos fundamentais do modelo de Estado e de sociedade que os constituintes adotaram à época de sua promulgação, quando apresentaram um desenho que procurava se inspirar nas experiências do Estado de Bem-Estar Social europeu e reafirmava a importância de um setor público robusto e republicano.
Para além das reformas que buscavam retirar direitos na área trabalhista e previdenciária, sempre esteve na mira das tentativas patrocinadas por parcela das elites brasileiras o desmonte da administração pública no País. O esforço mais recente de eliminação das conquistas ainda presentes no texto constitucional foi a famigerada PEC 32/2020, engavetada após amplo repúdio durante o Governo Bolsonaro. Agora, a estratégia adotada pelo deputado Pedro Paulo envolveu a elaboração de três tipos de medidas: uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), um Projeto de Lei Complementar (PLP) e um Projeto de Lei Ordinária (PL).
Tendo em vista a rejeição à PEC 32, o atual coordenador do GT optou por não atacar frontalmente os pilares do Regime Jurídico Único (RJU). No entanto, as medidas abrem espaço para reduzir as condições da necessária estabilidade do servidor público e para permitir de forma mais ampla a contratação de funcionários pelos governos sem a exigência de concurso público para tanto. Em nome de um discurso de eficiência na ação do Estado e de combate aos supersalários, as propostas avançam por caminhos que lançam as bases para a introdução de retrocessos institucionais estruturais nestes domínios.
Tornar o setor público mais eficiente faz parte das obrigações cotidianas de qualquer governo em qualquer nível. Mas, para isso, não se faz necessário mudar nenhum dispositivo constitucional. Impedir a existência de salários acima do teto dos vencimentos de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) também é uma obrigação de qualquer governo. Ocorre que isso nada tem a ver com a falsa narrativa de que os salários do setor público, de forma geral, seriam muito elevados e deveriam ser reduzidos em nome de uma maior justiça social.
Mudanças no regime de teletrabalho constam nas proposições apresentadas e obrigam o cumprimento de 80% da jornada semanal de forma presencial, o que reduziria o teletrabalho a uma vez por semana. Essa alteração, no entanto, não veio acompanhada de dados e evidências que justifiquem a medida. Causa estranheza essa mudança, pois são conhecidos estudos que demonstram que o teletrabalho como atualmente é regido reduziu custos e permitiu a pactuação de metas e a avaliação de desempenho. Como consequência, promoveu a melhoria da prestação dos serviços , a retenção de quadros e a qualidade de vida dos servidores. Esses pontos foram destacados na Nota do Fonacate sobre a Reforma Administrativa divulgada nesta semana. Além disso, a ANESP ressalta que o teletrabalho se mostra uma eficiente ferramenta de equidade de gênero, principalmente para as mães que são servidoras públicas.
As proposições avançam também no terreno do pacto federativo, envolvendo determinações polêmicas dirigidas a estados e municípios. Esse é o caso do estabelecimento de teto de gastos para estes entes da federação. Os problemas fiscais da União não podem ser transpostos de forma mecânica para as demais esferas da administração pública.
A ANESP nunca se furtou a debater as mudanças necessárias para que o Estado brasileiro se torne mais eficiente e eficaz na prestação de seus serviços para a população e que tenha as melhores condições de se estruturar como um organismo dinâmico voltado para o desenvolvimento social, econômico e ambiental. Mas não aceitaremos a introdução de retrocessos de natureza contracionista ou reducionista em nome da austeridade fiscal ou da abertura do espaço público para maior presença do capital privado.
Brasília, 10 de outubro de 2025.
ANESP - Associação dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental