O que é a proposta de reforma administrativa e como ela afeta o servidor?
A ANESP entende que a proposta de Reforma Administrativa encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional na última quinta-feira (3), caso prospere no seu formato atual, poderá resultar em uma fragilização do Estado brasileiro, com diversos prejuízos para a entrega de serviços públicos para a população.
A PEC tem, dentre seus pontos principais, a alteração das regras de estabilidade, diminuindo uma importante proteção do Estado a comandos inadequados ou lesivos ao interesse público e a possibilidades de captura por interesses privados.
A proposta foi construída sem qualquer diálogo com servidores públicos, e encaminhada desacompanhada de estudos e avaliações dos impactos que as alterações propostas terão na qualidade dos serviços públicos prestados à população. O texto, à guisa de uma reforma administrativa, foca exclusivamente em mudanças com relação a pessoal, ainda que jamais sejam apresentados dados ou mesmo uma lógica que justifiquem o foco limitado.
As alterações sugeridas ao texto constitucional parecem descoladas de objetivos do Estado, que visa, primordialmente, entregar serviços públicos de qualidade, garantir a continuidade desses serviços e, para tanto, atrair os melhores talentos para atuar na administração pública.
A ANESP buscará aprofundar o diálogo com os parlamentares, cobrar o governo para que apresente os estudos e evidências que dão embasamento à PEC e com a sociedade, buscando mostrar a importância de um serviço público profissionalizado e comprometido com a implementação de políticas públicas.
Mas o que, de fato, significa essa PEC e como ela afeta o serviço público e os servidores?
A proposta não prevê alteração do regime de estabilidade ou dos vencimentos dos atuais servidores públicos, bem como não prevê alteração do modelo de concurso público para seleção de pessoal, pelo menos para as carreiras das atividades típicas de Estado. Não obstante, o governo disse que vai encaminhar ao Congresso outras mudanças, após a aprovação da PEC. Uma delas é reduzir os salários iniciais no serviço público.
A proposta divide os cargos públicos em ‘cargos com vínculo por prazo indeterminado’ e ‘cargos típicos de Estado’. A estabilidade é garantida apenas ao segundo grupo. A proposta não lista quais carreiras pertencerão a cada categoria, o que será definido em lei complementar.
Os cargos sem estabilidade constituem risco à autonomia do servidor frente a excessos políticos, fragilizando, portanto, este servidor, a institucionalidade do Estado, o bom funcionamento e a continuidade das políticas públicas.
Cargos sem estabilidade também oferecem uma maior possibilidade e facilidade de captura de servidores públicos e instituições por interesses privados, na medida em que a perspectiva de retorno ao mercado privado estimula servidores a não desfavorecer possíveis futuros empregadores
‘Os ‘cargos com vínculo por prazo indeterminado’ e ‘cargos típicos de Estado’ estarão submetidos ao Regime Próprio de Previdência Social. Caso os ocupantes de cargos com vínculo por prazo indeterminado, portanto sem estabilidade, sejam despedidos, não terão direito à proteção do FGTS, seguro-desemprego e multa por demissão sem justa causa, direitos assegurados aos trabalhadores do regime da CLT. Sendo mais uma fragilidade da atuação desses servidores na administração pública, uma desproporção quanto às relações privadas de trabalho e um fator que põe em risco a atratividade de pessoas dispostas a atuar no setor público.
A proposta também prevê o fim do regime jurídico único, que regula a relação entre o poder público e os servidores. O regime jurídico único dará lugar a vínculos distintos.
A seleção para cargos com vínculo de prazo determinado seguirá por seleção simplificada. Poderá ser feita com recursos de custeio do próprio órgão e contemplará avaliação periódica das metas de desempenho pactuadas no contrato firmado.
O estágio probatório dá lugar ao vínculo de experiência, o qual constituirá etapa do concurso público e não dará direito automático ao cargo. Segundo a proposta, os mais bem avaliados ao final do vínculo de experiência serão efetivados. A proposta, no entanto, não especifica os critérios de seleção nem se a seleção será por meio de avaliação da chefia, provas ou sequer se haverá um número pré-determinado de vagas a serem preenchidas.
A proposta flexibiliza a acumulação de cargos públicos quando há compatibilidade de horário, exceto para os cargos típicos de Estado.
O ocupante de cargo típico de Estado poderá ser desligado em caso de decisão proferida por órgão judicial colegiado. O desligamento por insuficiência de desempenho será regulamentado por Lei Ordinária, e não Lei Complementar.
A proposta veda a concessão de uma lista de benefícios e adicionais a servidores, que já não existem no Executivo Federal, mas os mantém para parlamentares, magistrados, promotores, procuradores e militares.
A proposta dá poder ao Presidente da República de, sem incorrer em aumento de despesa, extinguir ou remanejar cargos, gratificações e funções e criar, extinguir ou fundir órgãos e entidades. Atualmente, o Presidente precisa de aprovação do Congresso para tanto, justamente para impedir mudanças casuísticas.
Os entes poderão firmar instrumentos de cooperação entre órgãos e entidades, públicos e privados, para a execução de serviços públicos, inclusive com o compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares. Lei federal disporá sobre a regulamentação dos instrumentos de cooperação. Enquanto não houver a lei federal, Estados e Municípios poderão elaborar leis próprias.
A sociedade brasileira precisa debater com profundidade cada um dos pontos colocados porque mexe com a vida de todos. A discussão não pode ser apressada, sob o risco de piorar a situação.
A PEC dá uma centralidade para as atividades típicas de Estado, que teriam estabilidade e vedação à terceirização. Por isso, este tema receberá toda atenção da ANESP na defesa de que atividades de gestão governamental e de formulação, implementação, avaliação e monitoramento de políticas públicas fazem parte da essência da atividade estatal.
O bem-estar da população depende da organização do Estado para realizar as ações que contribuam para garantir os direitos e deveres definidos na Constituição.