ANESP envia carta ao Valor respondendo a coluna sobre Reforma
Manifestando contrariedade com a coluna publicada nesta quarta (9) no jornal Valor Econômico com o título "Estabilidade não evitou corrupção no Estado", a ANESP encaminhou carta contestando os argumentos do autor do artigo e editor-executivo do veículo, Cristiano Romero. O texto destoa dos demais artigos de opinião do Valor, que usualmente trazem informações e dados relevantes e argumentos consistentes. Por isso, pedimos também espaço no jornal para aprofundar o debate sobre a Reforma Administrativa. Leia a íntegra da carta:
Caro sr. Cristiano Romero,
Somos a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, e representamos carreira de Estado composta por cerca de 950 profissionais comprometidos com o desenho, implementação e avaliação de políticas públicas.
Conhecemos o jornal Valor Econômico pela seriedade do trabalho desenvolvido e interesse real de manter os leitores bem informados, trazendo diferentes pontos de vista sobre os temas abordados. Líderes na iniciativa privada e nos governos precisam de boas informações para tomarem suas decisões, papel que o jornal vem cumprindo com qualidade.
Por reconhecer essa seriedade, estranhamos o conteúdo da coluna assinada pelo senhor no último 09/09, com título "Estabilidade não evitou corrupção no Estado", tanto por sua posição no jornal (Editor-Executivo), como também por destoar dos demais artigos de opinião do Jornal Valor Econômico, geralmente coesos, com informações e dados relevantes e argumentos consistentes.
A começar pelo título. Assim como a estabilidade não acaba com toda corrupção, o SUS e os planos de saúde não acabam com todas as doenças, a editoria não evita todas as “barrigadas”, os radares de controle de velocidade e a lei seca não evitam todos os acidentes, boas faculdades de jornalismo o mau jornalismo, e operações grandiosas contra a corrupção não evitaram desvios de recursos durante a pandemia. A corrupção no Brasil tem causas sistêmicas e sua diminuição exige aprimoramentos institucionais no Estado, na governança de empresas, no Poder Judiciário, nos tribunais de contas, na imprensa, na legislação.
A estabilidade de servidores públicos é um desses aprimoramentos institucionais que ajudam a prevenir a corrupção. É falacioso impor à estabilidade o ônus de evitar toda corrupção. É uma abordagem limitada, que não avalia a estabilidade pelo que ela se propõe ser - mais um arranjo nos pesos e contrapesos no âmbito do Estado brasileiro.
No caso específico citado, relembramos reportagem publicada pelo próprio Valor Econômico em que traz à tona um relatório produzido por técnicos do Tesouro Nacional, em 2013, com um diagnóstico sobre a situação fiscal e econômica do país. A reportagem relata momentos de tensão entre o então Secretário do Tesouro, os técnicos da pasta, que chegou a envolver a própria Presidente da República .
O senhor acha que a estabilidade contribuiu para a decisão dos servidores públicos tomarem um posicionamento em relação à política fiscal, com a qual tinham divergências?
Os servidores públicos cumpriram seu papel, levando sua visão ao conhecimento dos tomadores de decisão, assim como a estabilidade cumpriu seu papel de dar segurança para que os servidores sustentassem seus posicionamentos técnicos.
Debater a organização do Estado, seus custos, resultados e entregas é, e deve ser, uma constante na democracia. Boa parte dos conflitos distributivos em qualquer sociedade passam pelo Estado: quanto se arrecada, quem paga mais, quem paga menos, como se gasta, com quem e com o que se gasta.
É fundamental, no entanto, que esse debate seja feito com qualidade, principalmente pelos atores que formam opinião e têm credibilidade. Esses atores, a imprensa em geral e o Jornal Valor Econômico, em especial, têm uma responsabilidade ainda maior. Temos visto o impacto negativo na sociedade brasileira da perda de credibilidade da imprensa, e, com ela, a perda de importância da verdade fatual na formação da opinião pública. Se tudo é uma questão de opinião, o debate perde sentido e as fake news avançam, corroendo a democracia.
Para aprofundar este debate, gostaríamos de solicitar espaço no jornal para que apresentemos nossa visão sobre uma reforma administrativa que contribua para implementar o "nobre projeto de nação inscrito na Constituição de 1988".
Acreditamos na democracia, na imprensa livre e na população bem informada para construir as soluções para os problemas do Brasil.
Agradecemos sua atenção.
Pedro Pontual
Presidente da ANESP