Justiça tributária: o que é e qual a sua importância?

Recentemente, um tema tem ganhado espaço no debate público brasileiro: o da justiça tributária. Mas o que é isso, e qual a sua importância? Em meio a termos e contas complexas, como o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e  a elevação dos valores a serem isentos do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), é normal que alguma confusão aconteça. Nesse texto, a ANESP tenta ajudar no debate, ciente de sua relevância.

Em primeiro lugar, é importante explicar o significado de justiça tributária. Trata-se da ideia de que cada cidadão ou empresa deve contribuir com o financiamento do Estado de acordo com o que pode pagar, respeitando-se a capacidade econômica de cada contribuinte. Isso significa transformar o nosso sistema tributário, marcado por profunda regressividade, onde setores com menor renda e patrimônio pagam proporcionalmente muito mais tributo do que os demais do topo da pirâmide da desigualdade.

A proposta do governo federal de reforma do IRPF tem a ver com isso. Ela pretende isentar quem ganha até R$ 5 mil, além de criar um mecanismo de desconto gradual para quem ganha entre R$ 5 mil e R$ 7 mil. Junto a isso, está prevista uma tributação maior sobre os mais ricos, com a aplicação de uma alíquota efetiva mínima para quem ganha a partir de R$ 50 mil mensais. A lógica é: quem recebe mais, paga mais; quem recebe menos, paga menos. Isso significa que é uma reforma que tornaria o Imposto de Renda no Brasil menos regressivo.

O Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da USP, tem se debruçado sobre o tema e, segundo seus cálculos, a proposta do governo federal é fiscalmente neutra (já que a isenção dos mais  pobres é compensada pela taxação dos mais ricos) e reduz a desigualdade no País, ainda que modestamente, com queda de 0,32% no índice de Gini. Um estudo do Ministério da Fazenda, publicado semana passada, chega a conclusões similares: a reforma do IRPF melhora a progressividade do sistema tributário brasileiro e tem potencial para reduzir a desigualdade no País. 

Outro tema “quente” que movimentou discussões recentemente também está relacionado a uma questão de justiça tributária – a proposta de aumento do IOF. Afinal, ele diz respeito à taxação, entre outros itens, sobre resgate de investimentos, compras internacionais com cartão de crédito e negociação de moedas estrangeiras. Em geral, trata-se de transações típicas de quem tem uma condição financeira mais estável e está no topo da pirâmide de renda. O Congresso Nacional, porém, derrubou o aumento e, com isso, o governo federal contabiliza uma queda na arrecadação de cerca de R$ 12 bilhões.

Diante da não aprovação do Decreto, o governo declara que pretende encaminhar mais medidas de contenção de gastos (em maio, já havia sido anunciada a contenção de R$ 31,3 bilhões no Orçamento Geral da União de 2025). Assim, como explicou o subsecretário de Planejamento Estratégico da Política Fiscal do Ministério da Fazenda, David Athayde, o grande volume de bloqueios de recursos necessários para compensar a perda com o IOF poderia ter como consequência “um estrangulamento de diversas políticas públicas”. Ou seja: nesse caso, como em tantos outros, quem paga mais é quem tem menos e necessita dos serviços do Estado, sejam em escolas públicas ou em postos de saúde Brasil afora.

É verdade que tal esforço fiscal de  corte de despesas poderia ser evitado caso a meta para o resultado fiscal primário tivesse sido estabelecida com mais realismo e pragmatismo, incorporando alguma flexibilização para aceitar um déficit nas contas públicas não-financeiras. É sabido que a rubrica orçamentária mais deficitária e que deveria receber o mesmo tratamento que as demais é aquela relativa ao pagamento de juros da dívida, que se aproxima perigosamente da marca de R$ 1 trilhão de reais em 12 meses.

A busca insistente por austeridade fiscal apenas nas contas primárias pode significar graves prejuízos para a maioria da população. Caso seja apresentada uma abordagem fiscal mais ampla, perceberemos que o déficit fiscal nominal continua elevado e nem por isso o Brasil vai quebrar. Caso seja mesmo necessário buscar recursos para  “fechar as contas”, que sejam chamadas as contas financeiras para dar sua cota de contribuição para responsabilidade fiscal. Isso também, em certo sentido, representaria “justiça tributária”.