Intensidade, densidade, intencionalidade: EPPGG analisa recente desmonte de políticas públicas
Em artigo na coluna Diálogos Públicos, parceria da ANESP com o UOL, a EPPGG Janine Mello reflete sobre o desmonte de políticas públicas posto em curso nos últimos anos no Brasil. Para a autora, embora em outros momentos da história o país também tenha vivenciado mudanças de rumo sociopolítico que significaram alterações profundas nas formas de agir do Estado, a conjuntura atual se diferencia por três fatores: intensidade, densidade e, ainda, a intencionalidade em desmontar a capacidade de atuação estatal: “Ao tratarmos de processos de desmonte de políticas, a questão não gira mais em torno daqueles aspectos que, no transcorrer do desenvolvimento de uma área governamental, ficam para trás, são alterados ou substituídos, e sim daqueles processos marcados pela intencionalidade na desestruturação ou reorientação de como a política é formulada e implementada”, escreve Mello.
A autora destaca, então, a especificidade do que acontece hoje no Brasil: “É possível argumentar que o que caracteriza os desmontes observados no período recente seriam os graus de intensidade e densidade das mudanças. Enquanto a densidade se refere à quantidade de políticas e instrumentos abolidos, a intensidade diz respeito a mudanças de público-alvo, áreas de abrangência, restrições de equipes e capacidade de implementação das políticas”, observa, trazendo como exemplos as áreas ambiental e de direitos de povos e comunidades tradicionais.
Mais do que um fenômeno coeso e unidimensional, Mello destaca que esses são processos de desmonte, que variam entre áreas e tipos de políticas e em relação ao contexto institucional no qual se inserem e com o qual se relacionam. Para a autora, o mais importante é entender quais mecanismos permitiram – e permitem ainda – que tantas áreas e políticas sejam submetidas a processos de desmonte em tão curto período; e que o arcabouço institucional existente no país foi – e é – insuficiente para responder a esses processos nas diversas áreas governamentais.
Por fim, Mello aponta três fatores que precisam ser melhor elaborados para que o Estado resista aos processos de desmonte: a centralização da formulação e implementação de políticas na esfera federal, o que gera pouco envolvimento de atores subnacionais, da sociedade civil e da esfera privada; o baixo grau de consolidação e institucionalização de áreas ligadas a direitos humanos, à igualdade racial, étnica ou de gênero, entre outras; e a adoção de estratégias governamentais sem conexão e convergência com dinâmicas territoriais, regionais ou coletivas, o que, segundo Mello, também contribui para fragilizar a resiliência e robustez das políticas públicas.