AGU prepara "pente-fino" contra salários acima do teto pagos a servidores

Reportagem publicada no jornal Valor Econômico relata que movimentações para averiguar super-salários do Executivo federal já foram iniciadas. Resultado de decisões judiciais, problema se concentra em universidades e institutos federais de educação tecnológica.

Nós próximos dias, a Advocacia Geral da União (AGU) promete fazer um "pente-fino" nos processos judiciais que permitem elevar salários para além do teto constitucional do funcionalismo federal de R$ 24.500,00, valor referente à remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Recente portaria do Ministério do Planejamento mostra que servidores de 81 unidades da administração pública federal, entre ministérios, instituições de ensino e agências reguladoras, entraram com ação na Justiça para conseguir aumento salarial. Deste total, 25 órgãos foram obrigados a pagar salários dignos de marajás.

A maior remuneração do país, por exemplo, é paga a um servidor da Universidade Federal do Ceará (UFCE): R$ 46.430,42, o que corresponde a mais de quatro vezes o rendimento mensal do presidente da República. A Justiça definiu R$ 27.455,37 como reposição de perdas do Plano Collor (reajuste de quase 85%) e manutenção de comissões e outras vantagens asseguradas por uma portaria de 1987 do Ministério da Educação. O caso não é único. A decisão judicial beneficia mais de 300 servidores que, no início da década de 1990, moveram ação coletiva contra a instituição, revela Afrânio Aragão Craveiro, professor emérito do departamento de química da UFCE, cujo salário-base original é R$ 3.111,85. Graças ao processo, a remuneração bruta dele saltou para R$ 39 mil.

"Isso porque eu me aposentei como pró-reitor. Mas estou dentro do teto constitucional, porque tenho descontos de mais de R$ 2 mil de INSS e de R$ 13.643,00 do abate teto. Posso lhe enviar uma cópia do meu contracheque", explica Craveiro, que ainda está na ativa na UFCE, apesar da aposentadoria. "Os quintos da portaria ministerial já incorporados não podem ser reduzidos", despachou o desembargador Paulo Gadelha em processo que corre no Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

A AGU argumenta que, devido às múltiplas interpretações jurídicas e à leniência de procuradores no passado, nem sempre consegue que as decisões judiciais acatem ao desconto abate teto, que ajusta a remuneração bruta ao teto legal. E o problema se concentra nas instituições federais de ensino, pois ministérios e agências que pagam salários acima do piso adotaram o abate. Um exemplo é o próprio Ministério do Planejamento, cuja maior remuneração alcança o valor de R$ 28.979,68, que com o desconto de exatos R$ 4.479,68, resulta num salário bruto de R$ 24.500. "Antes da criação da Procuradoria-Geral Federal, cada universidade se defendia sozinha, e como elas não tinham representação em Brasília, era difícil reverter decisões judiciais desfavoráveis locais, inclusive por má-fé dos procuradores, o que ocorreu em alguns casos e levou a demissões dos mesmos após a criação da PGF", informou em nota a AGU.

Segundo a assessoria de imprensa do órgão, o procurador-geral federal, Marcelo Siqueira Freitas, está priorizando o assunto. "Ele entrou pessoalmente em contato com o Ministério do Planejamento e solicitou que fossem enviados à procuradoria todos os dados referentes a esses casos de remunerações acima do teto decorrentes de decisões judiciais em universidades e institutos federais de educação tecnológica, para avaliar, individualmente e com prioridade, todas as situações e verificar se é possível reverter tais decisões judiciais."

O economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, alerta para a institucionalização do problema. "Virou uma indústria, repare que os casos mais graves estão no Norte e Nordeste", diz. Diretor de carreiras do Ministério do Planejamento no segundo governo Fernando Henrique Cardoso, Marconi lembra que já enfrentava os casos. "Havia leniência, a União perdia os prazos para recorrer. O Ministério e a AGU precisam fazer auditoria em todos os pagamentos, recorrer de sentenças e negociar com o Judiciário para padronizar as interpretações sobre o teto, que está na Constituição", completa.

Fonte
Valor Econômico – 27 de janeiro de 2010