Quando o movimento negro marcha, o Brasil inteiro avança

Dez anos após ter reunido mais de 100 mil pessoas em todo o Brasil, a Marcha das Mulheres Negras voltará a acontecer no próximo dia 25 de novembro, em Brasília. “Estaremos em marcha novamente, carregando o legado do que veio antes de nós e projetando um futuro onde a Reparação e o Bem Viver sejam realidade para todas, todos e todes”, afirma o movimento.

A marcha está sendo articulada em todos os 27 estados do país por meio de Comitês Impulsores Estaduais, Municipais e Regionais, mobilizados por mulheres negras, sejam elas integrantes de organizações, grupos comunitários ou ativistas independentes. Esses comitês reúnem mulheres de diferentes contextos, fortalecendo o protagonismo negro em suas comunidades e promovendo o engajamento coletivo na construção desse movimento histórico.

Para a EPPGG Ana Julieta Teodoro Cleaver, todos os avanços antirracistas no legislativo ou no campo das políticas públicas resultaram de mobilizações e reivindicações persistentes do movimento negro. “Em 2025, as mulheres negras compõem o maior segmento demográfico do Brasil e nelas estão concentrados os piores indicadores sociais do país. Assim, após a Marcha Nacional de 2015, seguimos marchando por justiça racial e para estarmos no centro de processos decisórios que afetam nossas vidas, famílias e comunidades. Marchamos por reparação e bem viver para reverter desigualdades  históricas e estruturais e garantir condições dignas de vida a quem move o Brasil”, explica.

Segundo ela, a marcha é um marco na mobilização dos movimentos de mulheres negras, dando visibilidade às reivindicações e buscando espaços de articulação para construir um Brasil efetivamente antirracista.

Como a própria palavra indica – trata-se, afinal, de uma “marcha” – este não é só um ato: é um processo de transformação social, um caminho, cuja força emana dos corpos, pernas e vozes voltados a uma mesma direção. Os direitos do povo negro foram conquistados desse modo em outros momentos da história: em 1988, no Rio de Janeiro, mais de 5 mil pessoas caminharam rumo ao Monumento de Zumbi dos Palmares, na cidade do Rio de Janeiro, denunciando a “Farsa da Abolição”. Foi uma das maiores demonstrações públicas do movimento negro contemporâneo, apesar da intervenção violenta da polícia contra os manifestantes.

Alguns anos depois, o 20 de novembro de 1995 seria marcado pela Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, Pela Cidadania e a Vida, que reuniu militantes das zonas rurais e urbanas, líderes religiosos, quilombolas, movimentos de mulheres negras, povos de terreiro, jornalistas, sindicalistas, parlamentares negros e várias associações e organizações não governamentais antirracistas. Como resultado dessa manifestação, Zumbi, em seu tricentenário, foi reconhecido herói nacional, além de ter sido criado um grupo de trabalho interministerial para discutir o tema da igualdade racial, junto à publicação de normas sobre a “valorização da questão racial”, inserindo a temática na agenda pública brasileira.

"Essas grandes marchas nacionais realizadas nas últimas décadas evidenciam que os avanços institucionais no campo das políticas públicas de promoção da igualdade racial e enfrentamento ao racismo são fruto da inteligência coletiva e da capacidade de mobilização pública dos movimentos negros, sob a liderança das mulheres negras", explica o EPPGG Artur Sinimbu, membro da diretoria eleita da ANESP. 

Um trecho bastante atual do documento “Marcha Zumbi dos Palmares: contra o racismo, pela cidadania e a vida” afirma: “Já fizemos todas as denúncias. O mito da democracia racial está reduzido a cinzas. Queremos agora exigir ações efetivas do Estado – um requisito de nossa maioridade política”. Ressaltando a importância e o sentido das “marchas”, o texto prossegue: “Sem prejuízo da pluralidade de concepções e ações políticas, coloca-se hoje, para a militância que combate o racismo, o enorme desafio de priorizar os anseios e os interesses maiores da população afrobrasileira, através da formação de um amplo arco de força e aliança capaz de pautar a questão racial na agenda dos problemas nacionais. Este é o sentido da Marcha a Brasília”.

Trinta anos mais tarde, as mulheres negras seguem trilhando este tortuoso caminho, cheio de curvas – mas o único possível para a construção de um país justo e igualitário.


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