Nota de vitalidade: Gileno Fernandes Marcelino

Em que pese a tristeza do momento, seria incorreto dizer que perdemos – todos: a carreira de EPPGG, a administração pública, o Brasil – uma grande referência no último sábado, 9 de agosto, ocasião do falecimento do professor Gileno Fernandes Marcelino. “Founding father” (como ele próprio dizia) da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Gileno foi visionário de um outro Brasil – um que ainda está para nascer.

No final da década de 1980, ele semeou o terreno de uma administração pública profissional, séria e eficiente, ao atuar como secretário-geral da Secretaria de Administração Pública da Presidência da República (SEDAP). Ali, cumpriu papel fundamental na reorganização do Estado brasileiro durante a transição para a democracia. Em seguida, atuou nos ministérios da Previdência Social (1991-1992) e da Cultura (1993-1994), estendendo sua contribuição por diferentes governos e áreas do Brasil democrático que se restabelecia. Antes, havia atuado como secretário de Planejamento do Rio Grande do Norte, seu estado natal, para onde voltou após ter se formado em Administração Pública e em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). No âmbito acadêmico, aliás, chegou ao posto de professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), onde ajudou a criar a Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia (FACE), da qual foi o primeiro diretor.

“O professor Gileno Marcelino foi um grande aliado em todo o processo de criação e consolidação da carreira de EPPGG. Como secretário geral da SEDAP, foi um dos artífices do projeto de profissionalização da gestão pública e que, de forma pioneira, introduziu o conceito de políticas públicas na agenda da reforma administrativa, cujo histórico, desde o Brasil Colônia, ele estudou em profundidade. Foi meu professor no Mestrado em Administração na UnB, onde tive a chance de ter maior contato, e em muitos eventos do CLAD (Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento) tivemos a oportunidade de compartilhar ideias e preocupações sobre a evolução das reformas gerenciais. Ele sempre foi de uma grande honestidade intelectual e jamais se deixou seduzir pelos modismos ou pelo canto da sereia neoliberal. Fará muita falta ao Brasil a sua lucidez”, afirma Luiz Alberto dos Santos, da 1ª turma de EPPGGs, consultor legislativo aposentado do Senado Federal e, hoje, consultor em políticas públicas e gestão.

Outro EPPGG da 1ª turma, Aldino Graef, complementa: “Gileno Marcelino, como secretário geral da SEDAP coordenou a reforma administrativa da Nova República que reorganizou a administração pública na perspectiva de um Estado do bem-estar social, com foco no desenvolvimento de políticas públicas para o alcance dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, inscritos no Art. 3º da Constituição de 1988. Nesta perspectiva estratégica, a reforma concentrou esforços na formação de gestores governamentais, especialistas em políticas públicas, com formação especial em escola de governo, para o que foi criada a carreira de EPPGG e constituída a ENAP”.

Contudo, seus méritos e conquistas foram já listados em diversos lugares nos últimos dias, que renderam justas homenagens. Neste espaço, queremos ressaltar não só aquilo que foi feito, senão o que ainda será. Afinal, não estamos diante de coisas as quais se pode perder: o legado do professor Gileno seguirá frutificando e produzindo o outro Brasil que ele há tanto vislumbrou. “Acho que cumpri meu papel: criar uma semente que frutificasse e, ao longo dos anos, fosse reformando o Estado brasileiro”, afirmou à ANESP em vídeo comemorativo aos 30 anos da aula inaugural da 1ª Turma de EPPGGs. Ele complementa a fala com um pedido: “Não desistam nunca. Especialmente, não desistam do Brasil. O simples fato de hoje termos uma massa crítica de mais de mil gestores formados nesses cursos da Enap me dá um alento para pensar que o Estado brasileiro vai mudar, vai se reformar, vai modernizar – e, portanto, atender melhor ao povo brasileiro”.

Não há dúvidas quanto ao cumprimento de sua missão: é ela que permite afirmarmos não estarmos diante de uma nota de pesar, mas de vitalidade. Gileno voltou-se sempre ao futuro, ao Brasil que poderia – e pode ainda – ser. Este novo Brasil se expressa em cada gestor e gestora que se dedica ao aperfeiçoamento das políticas públicas e da máquina estatal; em cada turma formada na Enap, dos mais antigos aos mais recentes, como os recém-formados EPPGGs aprovados no Concurso Público Unificado – a materialização de uma administração pública mais diversa, com a cara do Brasil. É isso que faz com que mantenhamos acesa, tal qual quis Gileno, a esperança por um País e um Estado que atenda, de fato, seu povo.


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