Equidade de gênero: oficina discute reformas necessárias nas carreiras de Estado
Em continuidade ao 1º Encontro Nacional de Mulheres de Carreiras de Estado, foi realizada nesta segunda-feira (18/3) a oficina “Que reformas precisamos empreender para alcançar a equidade de gênero nas carreiras de Estado?”. O objetivo foi, a partir da análise de dados preliminares da pesquisa “Mulheres e liderança na burocracia federal”, debater os problemas identificados e sistematizar possíveis intervenções.
Os dados, apresentados pela pesquisadora da UnB, Michelle Fernandez, foram compilados a partir de respostas de 282 servidoras públicas federais, evidenciou dados preocupantes: por exemplo, que seis a cada dez das respondentes vivenciaram situações de assédio moral; 28,3% – ou seja, quase um terço – vivenciou assédio sexual; 30% sofreram violência psicológica; e 15,5% relatam ter sofrido violência política.
Entre as principais dificuldades para se manter e ascender na carreira, mais da metade (55,1%) percebe a discriminação por gênero; 48,4% apontam o assédio moral (48,4%); e cerca de 21% identificam o assédio sexual como dificuldades vividas. A sobrecarga de trabalho doméstico (47,7%) e a conciliação do trabalho com a maternidade também aparecem com frequência nas respostas. Os dados da pesquisa, ainda em fase preliminar, podem ser acessados aqui.
Na oficina, o debate se baseou nestes dados concretos e foi estruturado a partir de quatro eixos temáticos: Estrutura de Trabalho e Cuidado; Diversidade e Interseccionalidade; Violência e Assédio; e Evolução na Carreira, Liderança e Ações Afirmativas. Abaixo, destacamos algumas das propostas – a íntegra do material resultante das discussões pode ser conferida aqui.
Estrutura de trabalho e cuidado
Foram discutidos a sobrecarga das mulheres no cuidado familiar; a escolha entre família e crescimento na carreira; e a diminuição da presença das mulheres na rotina dos filhos em decorrência das obrigações laborais. Algumas questões relacionadas à estrutura de trabalho foram apontadas como problemáticas: horários rígidos ou pouco flexíveis; falta de isonomia no controle de horários e frequências; falta de empatia e/ou compreensão da liderança; ideia de que mulheres “negligenciam” o trabalho para cuidar da família; e falta de estruturas de apoio familiar no trabalho. Diante dessas questões, algumas propostas foram levantadas, entre elas:
● Fomentar a realização de cursos e processos formativos em letramento de gênero para todo o funcionalismo público;
● Estabelecimento de licença parental e/ou flexibilidade da licença paternidade para escolha do momento (durante a licença maternidade ou após o retorno da mãe ao ambiente de trabalho);
● Disponibilizar vagas de creche e/ou atividades de contraturno escolar no local de trabalho. Além disso, ter previsão de horário estendido em creche e/ou contraturno escolar para filhos de mães em cargos de chefia ou assessoramento.
Diversidade e interseccionalidade
O tema abordou problemas enfrentados para alcançar a representação de mulheres, e de mulheres que fazem parte de minorias, dentro do serviço público federal. Entre as propostas:
● Criação de uma escala de equidade nos órgãos para influenciar liberação de recurso para gestão dos mesmos;
● Criação de uma premiação de equidade na administração pública federal, reconhecendo os órgãos que mais fomentam a diversidade entre seus servidores;
● Criação e implementação de uma Políticas de inclusão de minorias na administração pública federal.
Violência e assédio
Os problemas apontados nesta temática podem ter relação com questões estruturais, ou seja, cultura do estupro, cultura do assédio, preconceito de gênero, machismo, corporativismo entre homens. Além disso, foram apontadas também situações vividas pelas mulheres como consequência das questões estruturais. São elas: a violência propriamente dita; o silenciamento; o medo a julgamentos; o medo a represálias; os sentimentos de impotência e impunidade; e a falta de apoio e de acolhimento dos colegas e da instituição. Frente a esses desafios, entre as propostas apresentadas estavam:
● Garantir diversidade de gênero e raça na composição de comissões de ética e ouvidorias que apuram casos de assédio;
● Estabelecer um processo de monitoramento das denúncias e apurações de casos de assédio e violência. Nesse sentido, criar e divulgar um painel com resultados dos referidos processos. Além disso, publicar estudo anualmente sobre os casos de assédio na administração pública federal;
● Atualizar a Lei 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, para casos de assédio.
Evolução na carreira, liderança e ações afirmativas
Neste tema, debateu-se os condicionantes e os desafios para as mulheres passarem a ocupar um cargo de liderança e, por fim, das ações afirmativas que podem ajudar as mulheres na caminhada dentro do serviço público. Entre as propostas:
● Debater sobre um marco legal que viabilize a paridade no serviço público federal. Além disso, consultar a viabilidade da realização de concursos exclusivos para mulheres e/ou a possibilidade de estabelecer quotas progressivas até atingir a paridade nas diferentes carreiras. Considerar, também, a maternidade como pontuação extra nos certames;
● Estabelecer piso de 50% de mulheres nos cargos de liderança (FCE ou CCE 1.13 a 1.17). Além disso, estabelecer cotas para mulheres (ou utilizar esse critério como fator de desempate) em processos seletivos internos para ocupação de cargos de liderança/comissionados. Elaborar regras de progressão e promoção adaptadas para as servidoras mães com o objetivo de não prejudicá-las nos processos de progressão;
● Punir gestores que não cumprirem as medidas de diversidade de suas áreas.
Envolvimento da ANESP
A ANESP tem, desde o início, apoiado o Encontro Nacional de Mulheres de Carreiras de Estado, financeiramente e em sua organização. A EPPGG Iara Alves, diretora de Educação Executiva na Escola Nacional de Administração Pública (Enap) é uma das lideranças envolvidas no projeto. Além disso, estiveram presentes na oficina desta segunda-feira a presidenta da Associação, Elizabeth Hernandes, e a vice-presidenta Ana Amélia da Silva.
Em relação ao relatório apresentado, Hernandes demonstrou espanto: “Causou-me espanto que as dificuldades enfrentadas por mulheres em carreira de Estado pouco diferem das enfrentadas por mulheres em outros tipos de carreiras e trabalhos”, apontou. Ou seja, as questões enfrentadas pelas mulheres são estruturais, estando além das carreiras de Estado. É nesse sentido que o relatório aponta que os desafios para a entrada, permanência e promoção das mulheres no serviço público perpassam pela necessidade de transformação de questões estruturais na nossa sociedade:
“O debate sobre cuidado, o enfrentamento a violências machistas sofridas, a discriminação de gênero e os assédios moral e sexual estão no centro desse debate. A construção de uma democracia de qualidade também passa pela presença de mais mulheres em posições de liderança na burocracia federal. A sub-representação de mulheres nos espaços de decisão pública levam à falta de representação de questões relevantes para a vida das próprias mulheres. Devemos enfrentar a continuidade dos estereótipos e das discriminações de gênero no serviço público, nos espaços laborais e na sociedade como um todo”, conclui o texto.