Dia do Servidor e as velhas ameaças que rondam no ar
Neste Dia do Servidor Público, paira outra vez uma ameaça no ar – agora já não tão difusa. Como mantras repetidos, ecoam medos e preconceitos antigos: os servidores não trabalham, o Estado está inchado, a máquina pública não é eficiente. Dessa vez, o que dá corpo a esses fantasmas é a reforma administrativa proposta pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), em tramitação na Câmara dos Deputados.
De um diagnóstico equivocado, não virão boas soluções. Ao longo do processo de audiências públicas, fase anterior à proposição da reforma, a ANESP denunciou que não houve um diálogo verdadeiro: os servidores, as pessoas que efetivamente fazem o Estado, levando – do aparato burocrático até a ponta – as políticas públicas às pessoas que necessitam delas, não foram devidamente ouvidas. O resultado é uma proposta com problemas estruturais, dos quais destacaremos três: a questão da estabilidade e da avaliação de desempenho; o enfraquecimento das carreiras de Estado; e o pacto federativo.
1) Fragilização da estabilidade do servidor público
A proposta prevê avaliações de desempenho mais rigorosas, inclusive para servidores já estáveis, e uma redução do caráter automático de progressões e garantias históricas. Entretanto, é preciso lembrar que já existem iniciativas com vistas a melhorar as avaliações. O risco contido na proposta está no modo genérico com que explica a avaliação, abrindo espaço para pressões políticas e para um ambiente de assédio e de discriminação, comprometendo tanto a autonomia do servidor como a qualidade da administração.
2) Precarização de contratações e enfraquecimento das carreiras de Estado
Ao estimular contratações temporárias e o aumento de terceirizações, a proposta cria uma série de problemas. Sem um corpo de servidores instituídos, substituídos por trabalhadores precarizados e temporários, perde-se a memória institucional; o trabalho não tem continuidade; há menor retenção de conhecimentos e, consequentemente, menor qualidade dos serviços públicos. Além disso, cria-se um ambiente de instabilidade para quem está no setor, comprometendo a efetividade das políticas públicas.
3) Autonomia dos Poderes e possíveis litígios constitucionais
A proposta inclui mudanças em remuneração (tabela única de salários), avaliação de desempenho vinculada ao orçamento e redução de benefícios automáticos. Com isso, há possibilidade de questionamentos jurídicos sobre princípios constitucionais (como os de isonomia, irredutibilidade de vencimentos, estabilidade, autonomia administrativa dos poderes), o que pode levar à judicialização e a custos inesperados de transição ou implementação.
Por fim, reforçamos que a ANESP não se opõe a reformas que tenham como horizonte a melhoria dos serviços públicos e o fortalecimento das capacidades estatais. A questão é que esse não é o espírito da proposta atual, cujos ecos da famigerada PEC 32/2020 e da lógica de redução do Estado podem ser claramente percebidos. Um serviço público eficiente e justo é a nossa missão. Atacar os direitos de servidores, sabemos, não é o caminho que nos levará até lá.