Guinada radical

Matéria do jornal "Correio Braziliense" trata da política que a equipe econômica da presidente eleita Dilma Rousseff deverá seguir em relação aos reajustes de servidores

O funcionalismo deve se preparar para uma era de vacas magras a partir de 2011. Com o discurso de austeridade fiscal na ponta da língua, a equipe econômica indicada pela presidente eleita, Dilma Rousseff, tem ordens expressas de fechar as torneiras para reajustes de servidores. Se confirmada, a nova postura vai significar uma guinada radical em relação à adotada pelo Palácio do Planalto desde 2003, quando a máquina administrativa passou a ser prioridade de Estado, abocanhando fatias cada vez maiores do Orçamento.

Apesar de ser considerado o presidente que mais fez pelos servidores, Luiz Inácio Lula da Silva deixa para a sucessora uma extensa lista de pendências que implicam mais gastos. Na administração direta, 27 setores que tiveram reajustes nos últimos anos cobram mudanças na lei que autorizou os aumentos e acusam o governo de ter criado distorções. Já as chamadas carreiras típicas de Estado, entre as quais a de delegado da Polícia Federal, exigem a retomada das negociações em torno de novas tabelas salariais. Funcionários de agências reguladoras querem ser reconhecidos como essenciais, enquanto os do Judiciário e os do Ministério Público da União (MPU) reivindicam ganhos de 56%, em média.

Se todas essas demandas forem atendidas, a folha de pessoal da União será inflada em aproximadamente R$ 11 bilhões — hoje, a conta anual, incluindo civis, militares e inativos, beira os R$ 200 bilhões. Indicada para substituir Paulo Bernardo no Ministério do Planejamento, Miriam Belchior não cogita tomar medidas que resultem em elevação de despesas. Pelo menos não durante seu primeiro ano de gestão. A futura ministra deve convocar as entidades que representam o funcionalismo para informar a decisão logo nas primeiras semanas de janeiro.

Sob Miriam Belchior, o Ministério do Planejamento, agora dedicado quase que integralmente a demandas da burocracia, ampliará o foco. A intenção é retomar as origens de pensar o país e as políticas estruturantes, e olhar menos para questões internas da administração. A transferência do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para a pasta e o desejo da ministra de integrar e reforçar as ações assistenciais da União implicarão mudanças profundas no conceito e na atuação do ministério.

Todos os secretários, inclusive o de Recursos Humanos (SRH), Duvanier Paiva, deverão ser substituídos. “As conversas estão em curso. A intenção é trocar as figuras desgastadas”, diz um técnico que acompanha a transição. Um dos convidados é o secretário de Administração e Modernização Administrativa de São Bernardo do Campo (SP), Valter Correia da Silva. Cotado para a Secretaria Executiva do ministério, ele pode ser o braço direito de Miriam e o principal interlocutor dos servidores.

A SRH, cota da Central Única dos Trabalhadores (CUT), vem sendo disputada por diversas correntes sindicais. Miriam, no entanto, avalia alternativas às sugestões. A futura ministra tem insistido que o próximo secretário precisa ser “menos sindicalista e mais técnico” para evitar ruídos durante os embates que serão travados com o funcionalismo. “A gente está se mobilizando para, de alguma maneira, interferir nisso e indicar alguém”, afirma um membro da direção da CUT Nacional.

Lua de mel
A reorganização do Planejamento põe fim, ao menos em tese, a um longo período em que servidores e governo viveram uma lua de mel. Durante os dois mandatos de Lula, o funcionalismo alcançou níveis salariais nunca vistos, absorveu mão de obra e equipou-se. Entre 2007 e 2008, quatro medidas provisórias foram editadas e convertidas em lei, elevando a remuneração e reestruturando carreiras de cerca de 1,4 milhão de servidores. O peso desses pacotes no Orçamento é de R$ 28,9 bilhões anuais.

“Muito foi feito, mas ainda precisa fazer mais”, afirma Josemilton Costa, secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef). Ele reivindica a retomada de negociações, sob pena de o novo governo enfrentar greves. O sindicalista critica a atitude da recém-indicada equipe econômica, que prega o corte de gastos. “A primeira coisa que eles têm de dizer não é que não vai ter aumento e, sim, chamar as entidades, sentar, conversar e ouvir”, completa.

Fonte
Correio Braziliense – 29 de novembro de 2010