Testagem universal urgente

Artigo de opinião publicado em O Globo no sábado (22), assinado por Lorena Barberia, Pedro Pontual, Roberto Kraenkel e Rosana Onocko


Embora tenha avançado sensivelmente na vacinação, o Brasil tem sofrido com a ausência de uma política universal e completa de enfrentamento à Covid-19. As extensas filas em busca de testes nas últimas semanas são exemplo. Um plano consistente de testagem é medida crucial e urgente.

Em 11 de janeiro, o Observatório Covid-19 BR, a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas e Gestão Governamental (Anesp) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) enviaram nota conjunta ao Ministério da Saúde e à Anvisa, em que foram apresentadas detalhadamente propostas para a estruturação de uma política de testagem universal, por meio de testes rápidos de antígeno.

No documento, destacamos que a situação excepcional da pandemia justificava a alteração da regulação vigente sobre os testes rápidos, para permitir a autotestagem por leigos, algo que vem sendo realizado com sucesso nos Estados Unidos, Argentina, Reino Unido, Israel, Cingapura, França, Alemanha. Além disso, chamamos a atenção para a insuficiência da quantidade de testes prevista no Plano Nacional de Expansão da Testagem para Covid-19 (PNE-Teste).

No dia 13, o Ministério da Saúde enviou nota técnica à Anvisa solicitando autorização para a disponibilização de autotestes em redes de drogarias e outros estabelecimentos de saúde. Não há no documento, porém, nenhum esboço de política de massificação da testagem ou de iniciativa para baratear os testes, de modo que sejam acessíveis à população.

Em reunião extraordinária realizada na quarta-feira, a diretoria da Anvisa reconheceu a importância dos autotestes, mas solicitou esclarecimentos adicionais ao Ministério da Saúde, sob o fundamento de que a nota técnica de 14 de janeiro não atende a todos os requisitos.

Entendemos que o pedido enviado pelo Ministério da Saúde à Anvisa é medida positiva para o enfrentamento à pandemia, mas está muito longe de resolver o problema. Para ser realmente efetiva, a iniciativa precisa estar ancorada num plano mais amplo de universalização da testagem, sob o protagonismo e centralidade do SUS. A simples licença para venda de testes em drogarias não seria, por si só, uma política pública. O adiamento da decisão definitiva da Anvisa, em contrapartida, conflita com o necessário senso de urgência que a situação requer. Não temos tempo para esperar.

Embora a Anvisa acerte ao apontar a necessidade de uma política pública consistente, não é sua atribuição legal avaliar ou rejeitar a política definida pelo Ministério da Saúde. A autorização deveria ser imediata, sem que isso diminuísse a responsabilidade do ministério de apresentar o detalhamento da política de testagem que inclui os autotestes.

Precisamos da distribuição gratuita de autotestes pelo poder público, algo perfeitamente viável num país como o Brasil. É imprescindível que os autotestes alcancem a população nos diversos espaços sociais, como escolas, locais de trabalho, unidades prisionais, além de ser levados diretamente às residências por agentes comunitários de saúde. Mesmo no caso da venda de autotestes em farmácias, há, na experiência internacional, exemplos de países que chegaram a estabelecer um preço máximo, justamente para possibilitar que não só privilegiados tenham acesso a eles.

Países que optaram por uma política ampla de testes rápidos adotam ações de comunicação para orientar a população sobre como realizar a coleta das amostras e o descarte de material, que conduta adotar em caso de teste positivo, como interpretar o resultado dos testes, como e por quanto tempo fazer o isolamento ou a quarentena de casos confirmados e suspeitos e, também, o momento de buscar os serviços e profissionais de saúde. Plataformas como o ConecteSUS poderiam, a custo baixo e em pouco tempo, auxiliar na notificação de resultados positivos, reforçando a vigilância epidemiológica.

A experiência internacional mostra que políticas públicas que garantem farto acesso a testes, sem depender da disponibilidade de profissional especializado para sua realização, induzem a massificação da testagem. No Brasil, temos a experiência acumulada do SUS, um exército de agentes comunitários de saúde e várias instituições que poderiam estar envolvidas na ampliação da testagem. Ainda não estamos aproveitando o SUS em todo o seu potencial para fazer face ao enorme desafio dos últimos dois anos. É passada a hora de despertar essa capacidade e fortalecer o combate à pandemia.

Lorena Barberia, Professora do Departamento de Ciência Política da USP e membro do Observatório Covid-19 BR

Pedro Pontual, Especialista em políticas públicas e gestão governamental e presidente da Anesp

Roberto Kraenkel , Professor do Instituto de Física Teórica da Unesp e membro do Observatório Covid-19 BR

Rosana Onocko, Professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e presidente da Abrasco