Mais um 1º de maio na pandemia: entrevista com o EPPGG Mário Magalhães
O Brasil chega a este 1º de maio de 2021, Dia do Trabalhador, com uma taxa assustadoramente alta de desemprego: 14,2%. Se comparado a outros países, está também em um patamar alto, a 14ª posição. A pandemia corroeu ainda mais a situação econômica e vem marcando a situação do desemprego com nuances que ainda estão sendo compreendidas pelos diversos segmentos de trabalhadoras e trabalhadores.
Outras mudanças, como o teletrabalho, imposto pela necessidade de distanciamento social, e a flexibilização nos contratos de trabalho, aprovada pela Reforma Trabalhista em 2017, mostram seus efeitos neste momento.
Para analisar a situação, do ponto de vista dos indicadores do mercado de trabalho e das perspectivas em termos de políticas públicas que podem contribuir com essa recuperação, entrevistamos o EPPGG Mário Magalhães, que é cientista social e especialista em Gestão de Políticas Públicas de Emprego. Magalhães é autor do artigo “Impacto da pandemia Covid-19 no mercado de trabalho e medidas compensatórias”, publicado no livro "Políticas Públicas: Análises e respostas para a pandemia", editado pela ANESP.
Como você avalia esse cenário de desemprego, que bate 14,2%, e qual foi o impacto da pandemia neste cenário?
Mário Magalhães: Pelo segundo ano consecutivo o mundo passará o 1º de maio em uma conjuntura extremamente adversa para a sociedade como um todo, e em especial para os trabalhadores, em razão dos níveis inéditos de deterioração do emprego e da renda do trabalho.
A situação, de fato, se apresenta mais grave no Brasil. O choque sobre a atividade econômica provocado pelo surto da covid-19 surpreendeu o País, em um momento em que se encontrava ainda em processo de lenta recuperação de uma das mais severas crises, até então vivenciadas pelos brasileiros, ocorrida nos anos de 2015 e 2016. Esse processo de recuperação foi abruptamente interrompido pelo advento da pandemia, com a paralisação da maior parte das atividades econômicas e uma queda sem precedentes do nível de emprego no segundo trimestre do ano passado.
As perdas de emprego e renda decorrentes da pandemia atingiram de forma bastante desigual os diversos segmentos do mercado de trabalho e, por consequência, da população como um todo. Os trabalhadores que atuam nos segmentos mais vulneráveis do mercado, formado pelas ocupações informais, de baixa escolaridade e baixa qualificação, além das atividades mais atingidas pelo distanciamento social, estão hoje em situação bastante precária e ainda com poucas perspectivas de retomada dos padrões anteriores à pandemia. Especialmente os chamados trabalhadores de rua, que são um segmento expressivo das camadas de mais baixa renda, permanecem ainda bastante prejudicados por serem os mais atingidos pela queda na circulação de pessoas. Assim, os efeitos da pandemia no Brasil recaíram sobre um mercado de trabalho já com elevado grau de desigualdades e ampliou o contingente em situação de extrema pobreza, fatores que não serão revertidos em curto espaço de tempo.
O quadro geral aponta uma conjuntura em que o processo de recuperação econômica vem ocorrendo de forma rápida, porém ao custo de uma maior velocidade de contágio que vem marcando a segunda onda da covid-19 no Brasil, impulsionada pelo surgimento das novas cepas do vírus. A demanda reprimida por emprego ainda é significativa, o que deverá manter elevada a taxa de desemprego ao longo do ano. A recuperação será desigual, tanto para setores econômicos, quanto para segmentos sociais, uma vez que as condições não serão as mesmas do período anterior à pandemia. As perspectivas serão melhores quanto melhor for a gestão das ações de prevenção ao contágio, seja na velocidade do processo de vacinação, seja no grau de disciplina e autocuidado da população.
Quais são as perspectivas de geração de empregos formais e informais no Brasil?
Mário Magalhães: As perspectivas de crescimento do emprego formal em 2021 são melhores que as dos segmentos informais, pelo fato de que seus empregadores estão melhor posicionados para dar seguimento e ampliar suas atividades. Além do apoio governamental na forma de crédito favorecido (PRONANPE) e manutenção do emprego (BEm), possuem meios próprios para enfrentar o distanciamento social, seja com recursos tecnológicos para trabalho e atendimento remoto, seja com procedimentos de prevenção do contágio no ambiente de trabalho ou no ambiente de recepção de seus clientes, de modo a oferecer maior segurança aos consumidores.
Além disso, a opção de formalização criada pela figura do Micro Empreendedores Individual (MEI) vem se mostrando como alternativa para uma maior inserção do trabalho autônomo no mercado formal de trabalho. A categoria foi a única que apresentou crescimento no período da pandemia e deverá manter essa tendência, em face da insuficiência na geração de emprego assalariado para absorver a demanda reprimida de emprego.
Quanto aos segmentos informais, não parece haver dúvida de que vêm sendo os mais prejudicados na conjuntura da pandemia. Em verdade, segundo a PNADC, o segmento como um todo encolheu durante o período da pandemia, em cerca de quatro milhões de trabalhadores. Entretanto, isso não ocorreu por processos de formalização, mas por perda de oportunidades de trabalho. Enquanto perdurar as medidas de distanciamento social e o receio de contaminação por parte da população, as perspectivas de retomada do trabalho informal são pequenas, em virtude de que a grande maioria de suas atividades pressupõem aproximação ou aglomeração física, seja em ambiente doméstico, seja em ambiente público, além do maior receio da população em consumir serviços ou produtos desses profissionais.
Ressalte-se que a retomada de um crescimento sustentado da ocupação e da renda como um todo não deverá ser rápida, uma vez que durante a primeira onda da pandemia foram destruídos diversos ativos na economia e um novo ciclo virtuoso de crescimento dependerá do esforço de reconstrução desses ativos, provavelmente com inovações nos padrões de trabalho e produção, de modo a se adequar às novas tendências do mercado no mundo pós-pandemia.
E o trabalho remoto veio para ficar com a pandemia. Isto contribui com a possibilidade de gerar empregos e ocupações?
Mário Magalhães: Sim, as condições impostas pela pandemia reforçaram fortemente a opção pelo teletrabalho ou trabalho remoto, que já era uma tendência em todo o mundo. A conjuntura dada pela covid-19 levou ao aprimoramento das tecnologias de informação e de comunicação voltadas para as atividades laborais, permitindo que o trabalho em regime remoto pudesse gerar resultados tão satisfatórios quanto os obtidos em regime presencial — ou mesmo, em alguns casos, elevando a produtividade dos colaboradores — seja no setor privado, seja no setor público.
As vantagens em termos de redução de custos para empregadores e trabalhadores são inegáveis, notadamente pela diminuição da estrutura física no âmbito da empresa e da menor necessidade de deslocamento do colaborador, e, assim, com economia de tempo e despesas de transporte, entre outras. Por outro lado, há muitos questionamentos sobre as implicações de uma adoção generalizada desse regime de trabalho. Entre elas, empresas poderiam perder em alguma medida a capacidade de coordenação e controle de suas atividades e trabalhadores teriam maior interferência do trabalho nas relações domésticas. Entretanto, a despeito dos questionamentos, não há dúvida de que o trabalho remoto irá predominar em atividades nas quais comprovar sua eficiência e eficácia na obtenção de resultados.
As possibilidades de adoção do trabalho a distância são bastante amplas, abrangendo praticamente a maior parte dos serviços administrativos (atividade-meio), de prestação de serviços de consultoria e assessoria nos diversos ramos de conhecimento, de atendimento a clientes de empresas e de órgãos públicos, além de uma série de produtos de natureza repetitiva que podem ser entregues pelos colaboradores de forma remota.
Além do trabalho remoto assalariado, há também em curso uma forte tendência à criação de oportunidades de trabalho autônomo em ambiente virtual. Diversos prestadores de serviços ao público em geral atuam no mercado divulgando, contratando e entregando produtos e serviços sem nenhum contato presencial com seus clientes. Tais serviços ou produtos virtuais podem abranger todo tipo de necessidade de consumo, desde diversão, aprendizado, orientação especializada, atendimentos médicos e muitas outras.
As possibilidades de geração de oportunidades de trabalho e renda por via remota ou à distância fazem parte do cenário projetado para o futuro do trabalho, sendo uma das tendências fortemente antecipada pelo advento da pandemia.