Entrevista: diretora da École Nationale d’Administration, Nathalie Loiseau
A diretora da École Nationale d’ Administration (ENA), Nathalie Loiseau, visita a Escola Nacional de Administração Pública (Enap). Entre outras atividades, sua presença está prevista no Curso Internacional Liderança Feminina: Estratégias para o Fortalecimento de Competências e no Café com Debate Desafios para a Igualdade de Gênero na Administração Pública – Diálogo Internacional Brasil/França. Os eventos fazem parte da agenda comemorativa dos 30 anos da Enap.
Nathalie Loiseau é graduada em Ciência Política na Escola Sciences Po, de Paris, e no Institut Nacional des Langues et Civilisations Orientales (Inalco), em língua chinesa. Além de sua função como diretora da ENA, possui grande militância feminista, com reconhecida atuação internacional na defesa da igualdade de gênero no trabalho. Sua trajetória profissional inclui a ocupação de vários cargos no Ministério de Assuntos Estrangeiros, com atuação destacada na igualdade de gênero.
Confira, a seguir, suas principais reflexões:
Enap - Qual é a importância da parceria entre a Enap e a ENA, no contexto atual?
Nathalie - Enap e ENA mantêm uma parceria que data da criação da Escola, em 1986. As duas escolas compartilham a mesma filosofia do início. Essa parceria tem se fortalecido desde 2006 através de numerosas trocas, organização de seminários e visitas técnicas. Em 2009, o ano da França no Brasil foi uma oportunidade para as duas escolas organizarem em conjunto um fórum sobre "a profissionalização e consolidação do serviço público." Mais recentemente, o presidente da Enap realizou uma visita à França e convidou-me para participar do 30º aniversário da Enap, o que eu calorosamente retribuo.
Concordamos em fortalecer os laços entre as nossas duas instituições. Na verdade, todos os países do mundo enfrentam os mesmos desafios, que combinam uma exigência crescente dos cidadãos por serviços públicos, com a necessidade de que os governos pesem menos nos orçamentos públicos. O papel das nossas escolas é mais importante do que nunca e é por meio do intercâmbio de melhores práticas e aprendizados mútuos que poderemos superar esses desafios.
Enap - Como a senhora vê o papel de instituições como a ENA e a Enap na promoção e no fortalecimento de competências voltadas à liderança feminina?
Nathalie - Está programado um Café com Debate na Enap sobre a questão da liderança feminina. Estou ansiosa para participar, considerando que escrevi um livro sobre o assunto.
O lugar das mulheres na Administração Pública é uma questão fundamental. Os altos funcionários devem reunir os melhores talentos e serem capazes de compreender a complexidade de um mundo em transformação. Para alcançar este objetivo, o governo não tem interesse em mudança de "metade do céu", como refere-se às mulheres na China.
Educadas, competentes, conscientes das suas responsabilidades familiares e de muitas questões sociais, as mulheres são essenciais para a legitimidade e o funcionamento dos serviços públicos. Escolas como a ENA e a Enap devem assegurar que, em seus métodos de recrutamento e formação, não haja qualquer tipo de discriminação. É ainda um pouco difícil atrair número suficiente de mulheres para o serviço público de alto escalão, embora na ENA haja a formação quase paritária de jovens estudantes. Mas quando elas se juntam a nós, as mulheres se saem muito bem. Há dois anos, as primeiras colocadas nos exames finais da ENA são mulheres.
Enap - Nos últimos anos, quais foram os avanços que a França vivenciou em relação ao alcance da igualdade de gênero, especialmente no campo do trabalho?
Nathalie - Na França, as mulheres votam desde 1945. Eles viram seus direitos afirmados de modo cada vez mais claro desde então. Mas a questão da igualdade profissional continua a ser atual. Portanto, se 60% dos graduados no mestrado na França são mulheres, apenas 12% dos cargos dirigentes, tanto do setor privado quanto do setor público, são ocupados por mulheres. Mas existem progressos significativos em curso. Nas empresas, tornou-se obrigatório que os conselhos de administração sejam compostos por 40% de mulheres. A lei que impôs esta medida não é muito antiga, tem apenas cinco anos. Em cinco anos, a França tornou-se líder em termos de número de mulheres administradoras. Grandes grupos (Engie, Accor) são liderados por mulheres.
Na Administração Pública é outra lei, mais recente ainda (2012), que institui uma parte crescente das mulheres em novas nomeações para cargos administrativos. Em 2016, temos 30% de novas nomeações femininas, o que não é ruim, e devemos chegar a 40% em 2017. Esses avanços recentes mostram duas coisas: a paridade não está progredindo por si só, porque nos anos anteriores ela manteve-se inacessível. Por outro lado, uma vez que exista uma forte vontade política, os avanços reais são possíveis. Na política, as eleições departamentais também introduziram a exigência de apresentação de listas paritárias. Esta é a forma de constituir novas fontes de talento.
Enap - A partir de sua trajetória pessoal, qual(is) característica(s) a sra. acredita que as mulheres possuem e que são capazes de refletir, positivamente, no desempenho de suas atribuições?
Nathalie - Eu não acredito que as mulheres tenham qualidades especiais, nem que tenham defeitos específicos. Eu conheci líderes formidáveis do sexo masculino, como também mulheres pouco capacitadas, mas o inverso também é verdadeiro. O importante é não barrar o caminho a nenhum talento pelas razões erradas. Com competências iguais, a mulher deve ter a mesma chance de sucesso que um homem – e ainda não é o caso. Eu também acredito que, quando as mulheres chegam em um mundo onde elas ainda são uma pequena minoria, elas têm uma capacidade de surpreender, de desafiar hábitos tradicionais, de questionar o status quo, o que é muito útil para sair da rotina e ajudar a sociedade, as instituições e as empresas a se transformar. Mas também é por isso que, por vezes, elas encontram fortes resistências.