Enap Entrevista: Cristiano Heckert, professor e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental

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Clipping: Enap

O professor Cristiano Heckert estará na Escola Nacional de Administração Pública (Enap), no dia 18 de novembro, para ministrar o Seminário Governança em TI.

Heckert é professor da Enap, engenheiro de Produção, com graduação, mestrado e doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). É servidor público federal da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG).

Por ocasião do seminário, a professora Joyce Belga o convidou para uma entrevista. Confira os principais trechos:

Hoje a TI tem sua importância reconhecida por boa parte das organizações, uma vez que elas dependem de informação e, para analisar, fazer uso, disseminar e proteger essas informações de forma adequada, a TI tem se mostrado indispensável. Mas como a governança de TI pode ajudar uma organização? Ou seja, porque a TI deve ser governada?

Cristiano Heckert - A palavra “governança” vem da Ciência Econômica e designa a relação entre o agente (que gere uma organização) e o principal (dono da organização). A TI deve ser governada para que os seus gestores busquem sempre alcançar os objetivos dos “donos” da organização, e não os objetivos da própria área de TI.

Há uma confusão muito comum entre o que é “gestão de TI” e “governança de TI”. Como diferenciar esses conceitos que, apesar de se relacionarem, são bem distintos?

Cristiano Heckert - Gestão refere-se à administração das tarefas executadas no dia a dia e dos recursos alocados para desempenhá-las. É, portanto, tarefa dos executivos da organização. Já a governança refere-se ao direcionamento estratégico dado pelos donos da organização (principal) e aos mecanismos de monitoramento e avaliação estabelecidos por eles para garantir que aqueles executivos (agentes) trabalhem visando não os seus próprios interesses, mas sim os do principal. 

Boa parte dos referenciais teóricos fala que a governança de TI “deve agregar valor ao negócio da organização”. Como essa afirmativa se traduz, de forma prática, para a Administração Pública?

Cristiano Heckert - A governança de TI na Administração Pública tem como objetivo garantir que a área de TI de determinado órgão direcione suas ações para o cumprimento da missão finalística daquele órgão e não para os interesses da própria área de TI.

Partindo do fato que a governança de TI é parte integrante da governança corporativa, é possível implantar uma governança de TI sem haver uma governança corporativa desenvolvida na organização?

Cristiano Heckert - O ideal é que a governança de TI seja parte da governança corporativa. Contudo, temos observado que, muitas vezes, a construção da governança corporativa em órgãos públicos tem começado pela governança de TI e, a partir daí, criando uma cultura que vai se disseminando pelas demais áreas.

Dado que a responsabilidade por governar a TI em organizações públicas é da alta administração, o que o gestor de TI, enquanto “governado”, pode fazer para ajudar o “governante” a governar?

Cristiano Heckert - O gestor de TI pode sistematizar as informações para que a alta administração tome suas decisões da forma mais embasada possível. Assim, por exemplo, ele deve apresentar de forma clara quais são as demandas existentes, as alternativas existentes e os recursos disponíveis para atendê-las. 

O framework, ou guia de boas práticas, mais utilizado no mundo, em se falando de governança de TI, é o COBIT. Ele pode ser aplicado, de forma efetiva, em organizações públicas? Existem outras iniciativas voltadas para organizações públicas?

Cristiano Heckert - Muitos órgãos públicos têm implantado o COBIT (em todo ou em parte) com sucesso. Mas há modelos desenvolvidos especificamente para a realidade da Administração Pública brasileira. Cito, como destaque, o Guia de Governança de TIC do SISP, lançado pelo Ministério do Planejamento no final do ano passado, fruto de uma parceria com a UnB. Outra boa fonte é o Referencial Básico de Governança Aplicada a Órgãos e Entidades da Administração Pública, editado pelo TCU. 

O governo tem demonstrado crescente preocupação com governança. Por exemplo, recentemente foi publicada a Instrução Normativa Conjunta nº 1/2016, que dispõe sobre controles internos, gestão de riscos e governança no âmbito do Poder Executivo Federal. Todavia, pesquisas demonstram que a maturidade em governança de TI nos órgãos ainda é baixa. Qual a maior dificuldade para implantação?

Cristiano Heckert - Creio que a maior dificuldade ainda é a precária institucionalização da governança. A Administração Pública brasileira se profissionalizou bastante nas últimas décadas, mas ainda é muito personalizada. Assim, determinadas iniciativas vão bem enquanto está no poder um dirigente que as patrocina, mas são descontinuadas quando há troca de gestão. Precisamos criar mecanismos institucionais, que permaneçam a despeito das trocas de pessoas nas posições de comando.

A TI está mudando a forma como o governo se relaciona com o cidadão. Diante disso, o governo brasileiro lançou a Estratégia de Governança Digital (EGD), com o intuito de expandir o acesso à informação, melhorar a prestação de serviços digitais e ampliar a participação social, para que possam ser oferecidos melhores serviços à sociedade. Como a governança de TI pode apoiar o avanço da governança digital?

Cristiano Heckert - TI hoje é parte integrante da rotina das pessoas. O Estado também precisa incorporar essa nova forma de trabalhar e de interagir com os cidadãos. A governança de TI deve garantir o aporte das tecnologias adequadas para viabilizar essa nova plataforma de relação Estado-sociedade. 

Há uma percepção de que a governança de TI é complexa e difícil de ser alcançada pelas organizações, pois exige implantação de estruturas, processos, mecanismos, entre outros. Qual seria um caminho factível para começar a implantá-la?

Cristiano Heckert - Diálogo. Peter Drucker dizia que 60% dos problemas em qualquer organização, pública ou privada, são oriundos de falhas de comunicação. E eu costumo dizer que ele foi modesto nesse percentual. O que temos visto reiteradamente nas organizações públicas é que a simples criação de comitês ou reuniões periódicas que promovam a circulação da informação é um passo inicial, mas relevante na construção da governança. Quando trabalhamos mapeamento de processos, percebemos a mesma coisa: promovendo a conversa entre os atores que participam de determinado fluxo, eles rapidamente identificam oportunidades de melhoria. É impressionante constatar que temos cada vez mais tecnologias de informação e comunicação disponíveis, mas a comunicação nas organizações ainda é muito precária.

Os gestores de TI, às vezes, têm dificuldade em adotar boas práticas e padrões de TI, pois não identificam vantagens no uso, mas tão somente os aspectos burocráticos e controles que agregam. Quais benefícios pode-se colher da boa governança de TI?

Cristiano Heckert - Os gestores (não apenas de TI) no Brasil gastam muito tempo “apagando incêndio”, ao invés de criar soluções estruturantes. Gostamos do improviso, do fazer na última hora. Precisamos entender que procedimentos e rotinas padronizadas são essenciais para garantir qualidade e consistência de resultados ao longo do tempo. A longo prazo, as organizações mais maduras nesses aspectos são as que alcançam melhores resultados.

Como tratar a governança de TI para que possa atender, de forma ágil, as demandas por novas soluções, como bigdata, cloud computing, mídias sociais, entre outras?

Cristiano Heckert - As tecnologias (mesmo as mais disruptivas) observam um ciclo de maturação. Para citar um exemplo, em 2010 eu era diretor na SLTI e representei a Secretaria numa mesa redonda sobre cloud computing na Futurecom. Somente em 2016, de volta à Secretaria dessa vez como secretário, nós publicamos uma portaria com orientações aos órgãos nesse tema e somente agora temos visto as primeiras experiências de contratação desses serviços. Portanto, é preciso, por um lado, que a TI esteja permanentemente monitorando as inovações e as tendências tecnológicas. Por outro lado, a opção por determinada tecnologia deve ser feita com muita segurança e embasamento. Uma boa governança permite que essa reflexão amadureça e envolva todos os atores relevantes, minimizando seus riscos. 

O que o aluno da Enap poderá esperar do Seminário Governança em TI?

Cristiano Heckert - Um dia de intenso debate, em que trocaremos experiências à luz do moderno referencial teórico e de casos práticos vivenciados na Administração Pública brasileira.