Disputa por altos salários

Recomposição dos ganhos do Poder Executivo desperta reação no Legislativo e no Judiciário

A agressiva política de reajustes adotada pelo governo federal a partir de 2003 elevou os salários dos servidores do Executivo a níveis nunca antes alcançados. Isso reduziu a distância histórica entre as carreiras de elite da administração direta e suas irmãs nos demais Poderes. Agora, como em uma roda gigante, funcionários do Legislativo e do Judiciário brigam por reestruturações. A estratégia é clara: manter-se no topo.

Com a proximidade das eleições presidenciais, o lobby das entidades que representam empregados da Câmara dos Deputados, do Senado e dos tribunais ganhou força. Sob o discurso de que a falta de correções nos contracheques estaria provocando um êxodo de bons profissionais e estimulando o canibalismo econômico na Esplanada, os chefes do Parlamento e da Justiça foram convencidos a apoiar integralmente as reivindicações. Desde o fim do ano passado, as calculadoras dos mais altos gabinetes de Brasília trabalham sem parar.

Os primeiros a gritar também foram os primeiros a receber. Depois de negociações de bastidores e algum barulho à luz do dia, servidores da Câmara comemoraram em maio a aprovação de um generoso pacote de aumentos. O reajuste, concedido por meio da gratificação de atividade legislativa, beneficia cerca de 3,5 mil concursados e 1,2 mil ocupantes de cargos de natureza especial (CNEs). O ganho médio é de 15%, mas pode chegar a 70%, dependendo da função e das qualificações do servidor.

Defesa 
A proposta, que custará R$ 301,7 milhões neste ano e R$ 603,5 milhões a partir de 2011, teve como padrinho o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), indicado para compor a chapa da pré-candidata do PT Dilma Rousseff como vice-presidente na corrida ao Palácio do Planalto. Desde o início do ano, Temer assumiu pessoalmente a defesa do reajuste dos funcionários. Segundo ele, quatro anos e meio sem aumento comprimiram demais os salários no Legislativo e, diante da arrancada dada pelos ministérios, corrigir as distorções era mais do que necessário. Assim se fez. Os novos valores na Câmara vão vigorar a partir de 1° de julho.

O Senado é o próximo da fila. A crise administrativa que se enraizou na Casa vem adiando a discussão que tanto interessa aos servidores. Apesar disso, há duas semanas, a proposta de reestruturação das carreiras do órgão finalmente começou a caminhar. No texto, a valorização média prevista é de 30% e o custo, de R$ 300 milhões neste ano e de R$ 600 milhões em 2011. Com as mudanças salariais implantadas na Câmara, pela primeira vez em muitos anos, os servidores do Senado estão em desvantagem em relação aos colegas de Parlamento e perdem feio para os contracheques dos funcionários do Tribunal de Contas da União (TCU), órgão auxiliar. O tribunal responsável pelo controle externo e assessoramento do Legislativo aprovou seu plano de cargos e salários em 2009 e, desde então, oferece os salários mais cobiçados do país no setor público.

As contratações e os aumentos autorizados desde 2008 para carreiras do Executivo são apontados como causas para o acirramento da competição quase selvagem entre os Poderes. Órgãos como a Polícia Federal, a Receita Federal, as carreiras que integram o ciclo de gestão, as agências reguladoras, a Advocacia-Geral da União (AGU), o Banco Central, o Itamaraty e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) ostentam salários incomparavelmente maiores que os pagos há cinco anos. Esses setores, verdadeiras ilhas de excelência dentro do funcionalismo, dobraram as remunerações inicial e final ao longo do período, o que despertou o interesse geral de outros servidores.

Greve 
Os ganhos acumulados pelo Executivo incrementaram os rendimentos da linha de frente da burocracia, emparelhando as carreiras de Estado aos postos mais bem pagos do Legislativo e do Judiciário. Ao contrário do que ocorria antigamente, remunerações de R$ 15 mil, R$ 17 mil e até R$ 19 mil deixaram de ser exclusividade dos tribunais ou do Congresso Nacional. A “ciumeira” desencadeou um efeito cascata que explode na forma de pressões por realinhamentos. No Judiciário, tido como o Olimpo dos salários e dos benefícios indiretos, tal fenômeno incomodou.

Os empregados dos tribunais federais estão em greve há 15 dias. A reivindicação é por um reajuste médio de 56%. Os servidores do Ministério Público da União (MPU) também pleiteiam aumento semelhante. Projetos de lei que tratam dessas reestruturações estão parados na Câmara à espera de votação. Juntos, o impacto financeiro estimado é de R$ 7 bilhões.

O Ministério do Planejamento, embora não negocie diretamente com as carreiras de outros Poderes, já avisou que não há recurso em caixa para bancar tantos reajustes e que inflacionar ainda mais a folha de pessoal(1) da União seria um risco ao equilíbrio das contas públicas. Ainda assim, as pressões continuam fortes de todos os lados. O ministro Paulo Bernardo chegou a conversar com o presidente Lula sobre o assunto, que recomendou tratar os temas salariais pendentes com cautela e responsabilidade.

Fonte
Correio Braziliense - 07 de junho de 2010