Tocantins, meca do emprego público

Criado sob o lema de "Estado da livre iniciativa", há 20 anos, Tocantins é hoje o campeão nacional absoluto em empregos públicos. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho (Caged), praticamente a metade dos empregos formais tocantinenses estão no governo do Estado, nas prefeituras e no governo federal, algo que não acontece em nenhum lugar do país.

São 106 mil funcionários, sendo 64 mil servidores ou cargos no governo estadual, segundo informação do Sindicato dos Servidores do Estado de Tocantins (Sisepe-TO). O número de empregos formais é 213 mil. O dado surpreende ao se levar em conta que Tocantins não tem, nem nunca teve banco estadual e está com suas empresas de distribuição de energia elétrica e de saneamento em mãos privadas há muitos anos.

O uso do emprego público como uma arma para a construção do poder está na raiz da crise política que deve levar o Estado a realizar esta semana uma eleição indireta para governador. O reeleito em 2006, Marcelo Miranda (PMDB), foi afastado do governo estadual em 8 de setembro, depois de elevar ao longo de sua administração o total de cargos comissionados, de provimento sem concurso público, de 6 mil para 35.099, número que supera o de funcionários concursados em Tocantins, que é de 29 mil.

Na Secretaria de Governo, são 1.873 funcionários, sendo apenas 179 efetivados em concurso público. No gabinete do governador há 648 servidores, sendo 83 concursados. Mas as repartições não estão superlotadas. "Boa parte dos funcionários permanecem em suas casas, espalhadas em diversos lugares do país. Temos no quadro fazendeiros, presidentes de associações de bairro, jornalistas...", comentou o presidente do Sisepe, Cleiton Pinheiro.

Eleito sob o tacão do ex-governador José Wilson Siqueira Campos (PSDB), Miranda rompeu com o antigo líder e procurou construir o seu mando próprio. O domínio de Siqueira foi construído na própria montagem do Estado, em 1989: o velho cacique ergueu a nova capital, contratou livremente a antiga máquina estadual e fomentou o culto à imagem, a ponto de ser citado no próprio hino oficial de Tocantins. Para contrabalançar, Miranda resolveu multiplicar cargos públicos.

"Ele usou os cargos para cooptar, já que a base ficou dividida entre o antigo grupo e o novo", disse o ex-senador e ex-prefeito de Palmas José Eduardo Siqueira Campos, filho do ex-governador, enquanto organizava a abertura de uma franquia de roupas de luxo, jurando que não participará da eleição do próximo ano, para a qual seu pai deverá ser candidato ao governo do Estado ou ao Senado.

O empreguismo foi uma das bases do recurso contra expedição do diploma 698, que foi acatado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e provocou a perda do mandato de Miranda e de seu vice, Paulo Sidnei. O tribunal aceitou o argumento de que Miranda contratou 1.447 servidores em pleno período eleitoral.

Provável candidato ao Senado, o ex-governador preferiu conceder entrevista por escrito. Em suas respostas, alegou que o número de servidores cresceu porque houve aumento da oferta de serviços públicos. Disse que o Estado teve dificuldades de promover concursos públicos na quantidade suficiente para garantir o funcionamento da máquina. Afirmou que o estoque de cargos comissionados se acumula desde a criação do Estado, mas se esquivou de dizer com quantos funcionários assumiu a máquina. Em seguida, garantiu: "Os cargos comissionados cumpriram uma função social importante, porque muitos tocantinenses tiveram a oportunidade do primeiro emprego e se qualificarem através destes cargos".

Para Miranda, um corpo público profissionalizado por concurso seria um perigo para a economia do Estado. "Se, desde que foi criado, o Tocantins tivesse provido toda a sua necessidade de pessoal por concursos nacionais, poucos tocantinenses de origem hoje estariam na máquina pública", escreveu. E insistiu no argumento: defendeu que as nomeações sejam mantidas. "Este é um problema que exige muito bom senso e não pode ser resolvido numa canetada só. O Brasil inteiro sonha com um emprego público. Será que o vigia da escola do interior está preparado para disputar uma vaga com vigias do Brasil inteiro? Atuamos em outras frentes para minimizar este problema, atraindo empregos na iniciativa privada de qualidade, mas o governo continua sendo o maior empregador."

Por fim, Miranda não negou o clientelismo político. "Nomear políticos para cargos comissionados é uma prática usual em todo o Brasil. Nossa população é extremamente ligada à política. Não há uma família no interior que não tenha ligação com grupos políticos. Nós temos consciência de que nomeamos pais de família".

O substituto de Miranda, o presidente da Assembleia Legislativa do Estado, Carlos Henrique Amorim (PMDB), apelidado de "Gaguim", embora gagueje muito pouco ao falar em público, assumiu interinamente com a disposição de se desvencilhar do antecessor: tomou medidas simbólicas, como a demissão de 92 servidores e a extinção de 7,24 mil cargos que não estavam preenchidos - restaram ainda 28,99 mil funcionários comissionados, número semelhante ao de servidores concursados - e divulgou que o peso da folha de pagamento passara de R$ 1,24 bilhão em 2008 para R$ 1,51 bilhão previstos este ano, uma alta de 21,7%. O total permanece, contudo, abaixo do limite prudencial determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A norma legal determina que as despesas com folha não podem exceder 46,5% da receita corrente líquida. Tocantins consome 44,55%, segundo o balanço divulgado por "Gaguim". O Estado deve alcançar este ano uma arrecadação de R$ 2,6 bilhões, o que significa R$ 300 milhões abaixo do Orçamento inicialmente previsto.

Os investimentos privados que podem vir a gerar empregos chegam aos poucos em Palmas. Em março do próximo ano, o grupo paranaense Skipton deve inaugurar o "shopping Capim Dourado", com 20 mil metros quadrados e a primeira loja McDonald´s do Estado em sua praça de alimentação. Em outubro, a rede atacadista Makro abre uma loja, em área de 20 mil metros quadrados, em frente ao centro de convenções, para a venda de 12 mil itens. É fruto de um investimento de R$ 21 milhões, para concorrer com o supermercado Atacadão, de 50 mil metros quadrados, da rede Carrefour, que está em operação desde julho.

"A força motriz de Palmas cada vez mais será o comércio. Em 2004, as receitas de transferência representavam 82% dos recursos da cidade. Hoje, são 56%", comenta o prefeito da capital, Raul Filho (PT), que administra um corpo funcional de 8 mil servidores. Otimista, o prefeito acredita que um eventual tranco no funcionalismo "terá impacto, mas não avassalador" na economia da cidade. Mas entre comerciantes e prestadores de serviço, o clima já é de apreensão. Comenta-se a possibilidade de demissões em massa e já há o movimento, ainda velado, de cessar negócios com o poder público e com servidores. "Prefiro vender menos neste instante a correr o risco de não receber", comentou um comerciante de mobiliário, sob reserva.

Fonte
Valor Econômico – 24 de setembro de 2009