Entrevista: Mariana Boabaid e o projeto Cade Sem Papel
EPPGG associada da ANESP comenta os desafios encontrados para implantar o Sistema Eletrônico de Informações (SEI) no Cade
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) passa por uma revolução cultural. Desde 1º de janeiro os velhos, empoeirados e volumosos processos de papel deram lugar ao processo eletrônico. A ferramenta adotada pelo Cade foi o Sistema Eletrônico de Informações (SEI), desenvolvido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, também selecionado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) como solução para o Processo Eletrônico Nacional (PEN).
Muito mais do que preservar o meio ambiente e diminuir os custos do papel, a mudança é um caminho sem volta para a Administração Pública que aumenta a transparência, a velocidade na tramitação e otimiza o funcionamento das repartições, deslocando funcionários para atividades mais importantes. A experiência do Cade tem sido apontada como um case de sucesso e é fruto do trabalho dedicado da equipe gerenciada pela Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) Mariana Boabaid, da 14ª Turma, no projeto denominado Cade Sem Papel.
Mariana recebeu a missão de encontrar uma saída para o projeto, que previa o desenvolvimento de um sistema próprio, paralisado desde 2013 por problemas como falta de pessoal e contingência de recursos orçamentários. Propôs uma mudança radical de estratégia, com a adoção do SEI, desenhando um plano arrojado para entregar em seis meses uma demanda esperada há mais de seis anos.
O projeto de implantação do SEI realizado no Cade destaca-se pela ênfase dada para a gestão da mudança. A criação de um novo paradigma de atuação estritamente eletrônica demandou muito diálogo e pesquisa para que todos os servidores, funcionários e cidadãos, profissionais ou não, que lidam com a autarquia fossem incluídos de forma participativa no processo. Audiência públicas e consultas a órgãos como a OAB foram imprescindíveis para compreender de forma sistêmica e suavizar a mudança organizacional que estava por vir.
Mariana Boabaid Dalcanale Rosa é graduada em Gestão Pública pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) e EPPGG da 14ª Turma. Associada da ANESP, está no Cade desde o ingresso na Carreira, em 2009.
Confira abaixo a entrevista completa:
ANESP - Qual o seu papel na implantação do SEI no Cade? Quem mais trabalha com você? Qual a tarefa deles?
Mariana Boabaid - Tive a oportunidade de participar do processo de escolha do SEI como solução de processo eletrônico e atuei como gerente do projeto Cade sem Papel, conduzindo o planejamento e a implantação do SEI no Cade.
Na gestão do projeto, Mariane Cortat, que também é da carreira, atuou como gerente substituta e foi responsável pela equipe de parametrização e de capacitação. Vinicius Eloy, Coordenador-Geral de Tecnologia da Informação, foi o gerente de TI do projeto, responsável pela equipe que efetivamente colocou o SEI em funcionamento.
É importante frisar que desde a fase de planejamento tínhamos em mente de que a implantação do SEI não seria simplesmente um projeto de TI, ou de gestão documental, mas sim um projeto de mudança organizacional. Desse modo, com o patrocínio da alta direção do Cade, recrutamos uma equipe multidisciplinar.
A equipe de parametrização, formada por servidores experientes da área meio e da área fim, foi responsável pela inclusão dos parâmetros do Cade no SEI, como os tipos de processos e documentos específicos da Autarquia.
Além da equipe designada formalmente como responsável pela implantação do SEI no Cade, inúmeros servidores contribuíram durante a implantação do projeto. Na verdade, o envolvimento ativo de representantes de todas as unidades do Cade fez parte da estratégia de gestão da mudança.
Destacaria a atuação da equipe da Assessoria de Comunicação, liderada por Vanessa Motta e João Amurim, que foi responsável pela campanha de endomarketing e pelo plano de comunicação do projeto.
Também não poderia deixar de citar a atuação do Coordenador Processual, Paulo Eduardo Oliveira, que participou ativamente da definição das regras e padrões de utilização do SEI pelo Cade, ajustando as rotinas de protocolo, tramitação e arquivo para o processo eletrônico, e coordenou o trabalho de digitalização e inclusão no SEI dos processos físicos que foram convertidos em eletrônicos. Ele ainda é o responsável pelo Núcleo de Gestão Negocial e Help Desk do SEI, que é a área gestora do SEI desde a sua entrada em produção.
ANESP - Como você recebeu essa missão? Quem fez o pedido? Era um desafio ou uma tarefa simples? O que passou pela sua mente naquele momento?
MB - Quando recebi essa missão, o Cade Sem Papel era um projeto que já estava em andamento, mas vinha sendo profundamente afetado pelos sucessivos contingenciamentos do orçamento e pela falta de pessoal – problemas que muitos órgãos também enfrentam.
O plano inicial previa o desenvolvimento de um sistema próprio, via fábrica de software, que seria entregue em quatro módulos, no prazo aproximado de três anos. Após a entrega do primeiro módulo, o desenvolvimento foi paralisado por falta de recursos, e o Cade se viu com parte dos processos tramitando no sistema antigo e parte no primeiro módulo do sistema novo – e pior, sem eliminar o processo em papel.
Foi nesse contexto que o Presidente do Cade incumbiu-me de encontrar uma saída para implantar definitivamente o processo eletrônico no Cade.
Assumir um projeto nessas condições é certamente um desafio, especialmente porque não havia nenhuma indicação de que as circunstâncias - mais especificamente orçamento e equipe - mudariam para melhor. Então, meu primeiro pensamento foi de que seria necessário pensar fora do quadrado. Olhar para fora e buscar uma solução pronta de processo eletrônico, que pudesse ser adaptada para o Cade num curto espaço de tempo e a valores compatíveis com a disponibilidade orçamentária. Mais do que isso, que a enxuta equipe de TI do Cade tivesse condições de dar manutenção sem que fossem necessários grandes investimentos.
O SEI foi a resposta que encontramos e, após dois meses e meio de implantação, posso afirmar que foi uma escolha acertada.
ANESP - Houve um choque de cultura? Quais foram as principais dificuldades/ reclamações? Como vocês lidaram com aqueles que tinham dificuldade em operar no mundo digital?
MB - Sem dúvida, o choque de cultura é inevitável. Até mesmo para a equipe do projeto, nas primeiras reuniões de planejamento, era desafiador pensar fora do antigo paradigma. Nós, que já estávamos mais do que convencidos e engajados para a mudança, nos víamos por vezes com dificuldade de romper com a cultura do papel. Por isso, compreendíamos que seria necessário ter uma frente de trabalho especificamente para lidar com a gestão da mudança.
Por parte do público externo, formado principalmente por advogados que atuam em processos que tramitam no Cade, havia muitos anseios sobre os novos procedimentos, sobre a garantia de acesso aos processos às partes interessadas, e sobre mecanismos para resguardar informações sensíveis das empresas dos casos analisados pelo Cade.
Em resposta a essas preocupações, desenvolvemos algumas ações, dentre as quais destaco: realização de audiência pública, reuniões com a comissão de concorrência da OAB/DF, divulgação de comunicados no site do Cade, publicação da Resolução que implantou o processo eletrônico mais de um mês de antecedência, credenciamento prévio de usuários externos, além do envio de ofícios a diversas entidades com informações sobre as mudanças decorrentes da adoção do processo eletrônico.
O público interno, por sua vez, expressou inicialmente muita preocupação com a segurança da informação. Após a entrada em produção, percebemos que algumas dúvidas operacionais começaram a surgir, o que faz parte de qualquer processo de aprendizagem. Os usuários também têm registrado demandas de melhoria no editor de texto, que tem algumas limitações, mas, de modo geral, a ferramenta tem sido bem aceita.
Utilizamos diversas estratégias para reduzir as resistências do público interno. Customizamos o manual de usuário do SEI, que foi ilustrado com fotos de diversos colaboradores, de diferentes níveis hierárquicos e unidades do Cade. A ideia era que todos se enxergassem de algum modo no manual, como parte da mudança. Esse e outros materiais foram disponibilizados no "hotsite" do projeto (www.cade.gov.br/sempapel).
Antes do treinamento, fizemos algumas sessões de testes de conceito do SEI, com pessoas-chave de cada setor, com o intuito de perceber como as funcionalidades do sistema poderiam resolver problemas específicos de cada área ou otimizar suas rotinas.
Investimos muita energia na capacitação da equipe, dividindo as explicações em módulos teóricos e práticos, além de workshops para públicos-alvo específicos. Ofertamos várias turmas de cada módulo para que todos pudessem participar dos treinamentos sem paralisar as atividades das unidades. As autoridades (acima de DAS 5) receberam treinamento individual e personalizado.
Para garantir o suporte aos usuários após a entrada em produção do sistema, criamos, com servidores do quadro do Cade, o Help Desk do SEI, que atende o público interno e externo por telefone e por email. Além disso, nas primeiras semanas após a implantação, a equipe do projeto se dividiu e realizou rondas nos setores para tirar dúvidas e acompanhar a utilização do sistema.
Acredito que essas iniciativas foram muito importantes, pois passaram segurança às pessoas. Esse, no meu ponto de vista, foi o grande diferencial do projeto do Cade.
ANESP - Você acredita que a formação como EPPGG ajudou? Quais as características de EPPGG que podem ser ressaltadas neste caso?
MB - Certamente, a minha formação como EPPGG foi fundamental na condução desse projeto. O conjunto de competências adquiridas no curso de formação contribuíram para a compreensão do impacto que o SEI produziria na política pública de defesa da concorrência e da real dimensão do desafio a ser enfrentado.
Conhecimentos técnico adquiridos em cursos de aperfeiçoamento oferecidos pela Enap, como negociação, gerenciamento de projetos, mapeamento de processos e gestão de riscos, por exemplo, também foram muito úteis.
A adoção do processo eletrônico afeta a organização como um todo, por isso, algumas características da nossa carreira, tais como a visão sistêmica, capacidade analítica e a habilidade de interlocução, foram cruciais no curso desse trabalho.
ANESP - Qual a expectativa com essa implantação? Além da economia financeira e ambiental, existem outros tipos de ganhos? Quais?
MB - A economia financeira e ambiental é realmente impressionante. Para dar um exemplo concreto, se compararmos o mês fevereiro de 2014 com fevereiro de 2015, houve redução de 98% nos pedidos de cópias dos advogados, e de 66% no número de impressões realizadas na autarquia. Mas não tenho dúvidas de que os ganhos com a implantação do SEI vão muito além da economia financeira e ambiental. A eficiência proporcionada pelo processo eletrônico é incomparável com o processo em papel.
Atividades como encapar processos, perfurar e numerar folhas, ou transportar documentos não são mais necessárias, possibilitando o redirecionamento da mão de obra antes dedicada a essas tarefas e eliminando o desperdício de tempo que se tinha entre a saída de um processo de uma unidade e a chegada em outra.
O SEI também permite que diversas unidades trabalhem simultaneamente no mesmo processo. Ou seja, ao contrário do papel, que obedece a uma lógica linear, o trâmite eletrônico permite que atividades sejam desenvolvidas em paralelo, reduzindo sensivelmente o tempo de instrução de alguns tipos de processos. O trabalho se tornou muito mais ágil e as pessoas cada vez mais percebem os benefícios de organização dos processos com as ferramentas do SEI. A sensação de modernidade também aumenta a satisfação, recebemos inúmeros testemunhos de colegas entusiasmados com a nova forma de trabalhar.
A transparência é infinitamente maior, uma vez que os processos ficam disponíveis em tempo real e todas as ações são registradas no sistema. Além disso, o SEI possibilita uma melhor gestão dos processos, pois gera diversas estatísticas operacionais automaticamente.
ANESP - Você acredita que essa é uma tendência para os órgãos públicos?
MB - Acredito que o processo eletrônico é mais que uma tendência, é uma demanda da sociedade e uma necessidade dos órgãos públicos. O SEI é uma solução simples, intuitiva, disponível a custo zero, altamente adaptável a diferentes realidades, por isso tem proporcionado um verdadeira revolução em inúmeros órgãos, não só da esfera federal. Órgãos estaduais e municipais também estão adotando o SEI.
A rede de colaboração do projeto Processo Eletrônico Nacional (PEN), liderado pelo Ministério do Planejamento e pelo TRF4, tem gerado grande sinergia para evolução do SEI.
Quando o protocolo integrado estiver funcionando, permitindo que os processos sejam tramitados via SEI de um órgão para outro, as possibilidades de melhoria da gestão serão infinitas.
ANESP - Como foi sua trajetória profissional até aqui?
MB - Tomei posse no cargo de gestor em 2009, o Cade foi minha primeira lotação. Trabalhei por dois anos na área finalística, tendo participado do Grupo Técnico de Negociação e do Agency Effectiveness Working Group, da International Competition Network (ICN), rede que congrega inúmeras agências de defesa da concorrência estrangeiras. Durante o ano de 2011, tive a oportunidade de reativar o Escritório de Projetos do Cade, período em que investimos na definição de metodologia e escolha de ferramenta de gerenciamento de projetos. Nesse ano foram iniciados importantes projetos, como o Cade 50 Anos, o lançamento da intranet e a organização da 11a Conferência Anual da ICN, sediada no Rio de Janeiro. Em 2012, assumi a chefia de gabinete da presidência em um momento muito intenso e também muito produtivo, que foi a transição para o novo marco institucional estabelecido pela Lei 12.529/2011, que reestruturou a autarquia. Desde a entrada em vigor da Lei, em maio de 2012, estou à frente da Assessoria de Planejamento e Projetos, vinculada à presidência. O Cade tem me proporcionado desafios interessantes, e disso tenho extraído conhecimentos valiosos, não somente para meu crescimento profissional, como também para minha vida pessoal.
Antes de ingressar na carreira, trabalhei por nove anos na Caixa Econômica Federal. Fui gerente bancária por quatro anos e consultora interna na matriz por outros quatro, período em que acumulei experiência em liderança, planejamento, gestão de projetos e negociação.