Iguais, mas diferentes

Post publicado no Blog do Servidor, do jornal “Correio Braziliense”, fala sobre as marcas que erros cometidos por administrações passadas deixaram nos custos, atribuições e relacionamento entre servidores de diferentes Poderes

Na internet, servidores trocam farpas: "Você não passa de um batedor de carimbo, de um carregador papéis", diz alguém que se identifica como sendo do Ministério da Agricultura. "Se o Executivo é o primo pobre, que façam um concurso melhor e não invejem o que é dos outros", responde outro que afirma ser do Superior Tribunal de Justiça (STJ). "Esse pessoal da Esplanada e do Judiciário acha que a gente é marajá, mas não sabe o que é trabalho", completa um que se autoapresenta como do Senado.

As frases reproduzidas aqui são fragmentos de comentários que não foram ao ar no Blog do Servidor — hospedado aqui no site do Correio. Apesar de resumidos, dão a dimensão exata da luta de classes nada silenciosa que, desde tempos imemoriais, move o funcionalismo. Prática comum, a de atacar seus pares sem, no entanto, mexer uma palha para melhorar a própria realidade, essa é uma das barreiras invisíveis que travam o amadurecimento do Estado. Infelizmente.

Brasília respira estereótipos. Todo mundo acha que conhece as pessoas a partir de julgamentos, de generalizações e de ideias pela metade. Não por acaso, a relação entre os trabalhadores do setor público é tensa. Em se tratando de salário, quase agressiva. Neste momento, em meio a cortes orçamentários e surtos de austeridade, o salve-se quem puder está mais uma vez em voga. O Judiciário quer aumento, o Legislativo mais cargos e prédios, o Executivo, contracheques robustos e concursos de volta.

Do alto de seus gabinetes, os chefes dos Três Poderes observam a distância. Como sabemos, ceder aos lobbies das categorias não ajuda em nada, mas ver o circo pegar fogo também não. Por definição, os servidores prestam contas a um único patrão, o Estado. São pagos pela mesma fonte, o Tesouro Nacional. Desempenham atividades voltadas ao ente maior da República, a sociedade. Um amigo que já passou por dois governos e sobreviveu a três ministros prega que isonomia é a única solução.

Apesar de bem intencionada, a proposta esbarra na realidade. Um servidor do Judiciário e do Legislativo custa duas vezes mais do que um do Executivo. Mais do que isso. Há carreiras semelhantes, com funções e atribuições muito parecidas, mas que desafiam a lógica cumprindo jornadas e sendo remuneradas de modos totalmente distintos. Nada disso combina com o princípio no qual todos são iguais.

Equilibrar a balança custaria muito caro ao país, tanto do ponto de vista financeiro como do político. As diferenças que separam aqueles que — no fundo, no fundo — deveriam ser vistos como idênticos brotam de políticas públicas equivocadas, de visões distorcidas do que venha a ser o papel do servidor. Independentemente do Poder os erros do passado deixaram marcas profundas na administração. Ainda que muitos desejem, tantos passivos não serão corrigidos do dia para a noite. Moral da história: os iguais continuarão por muito tempo sendo tratados e vistos como diferentes.

Fonte
Blog do Servidor (Correio Braziliense.com) – 21 de março de 2011