Novos cerceamentos da liberdade de expressão dos servidores públicos reacendem preocupação

cerceamento.png

Três fatos ocorridos neste mês reacenderam a preocupação das associações de servidores públicos com o avanço do cerceamento da liberdade de expressão destes. 

Em 2 de março, a Controladoria-Geral da União publicou os extratos dos termos de ajustamento de conduta de dois professores da Universidade Federal de Pelotas. Os termos firmados são resultados de processos administrativos instaurados contra esses professores por proferirem “manifestação desrespeitosa e de desapreço direcionada ao Presidente da República” em evento transmitido pela internet. Após repercussão negativa, o MEC voltou atrás.

Já em 5 de março, o Presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) circulou ofício que pretende impedir a divulgação de estudos à imprensa “sem intermediação da assessoria de comunicação”, uma vez que tal ato poderia “configurar descumprimento de dever ético e, eventualmente, até infração disciplinar”. A AFIPEA, associação dos servidores do órgão, condenou mais essa tentativa de assédio institucional e chamou a atenção para os riscos envolvidos na mudança dos procedimentos de comunicação dos trabalhos desenvolvidos pelos servidores do instituto.

Em fevereiro, o MEC circulou ofício aos reitores com o objetivo de “prevenir e punir atos político-partidários nas instituições públicas federais de ensino”. Ante a repercussão negativa, voltou atrás.

A ANESP já havia manifestado sua preocupação com o tema do cerceamento da liberdade de expressão em 11 de agosto de 2020, quando criticou a divulgação da Nota Técnica nº 1556/2020 da Controladoria-Geral da União. O documento considera quaisquer “manifestações críticas de servidores ao órgão ao qual pertença” como “conduta passível de apuração disciplinar”, assim como considera “descumprimento do dever de lealdade expresso no art. 116, II, da Lei nº 8.112/90” quaisquer “condutas de servidores que tragam repercussão negativa à imagem e credibilidade de sua instituição”.

O risco contra a liberdade de expressão dos servidores públicos motivou a apresentação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 352/2020, que susta a aplicação da Nota Técnica da CGU. Apresentada pelos deputados Tabata Amaral (PDT/SP), Professor Israel (PV/DF) e Célio Studart (PV/CE), a proposta cumpriria a missão de impedir que o espírito da norma da CGU continue a ser utilizado para cercear a liberdade de opinião no interior da administração pública federal. O PDL, no entanto, segue sem tramitação na Câmara dos Deputados. 

As práticas descritas acima atentam contra o direito fundamental de liberdade de expressão, garantido por meio de diversos dispositivos da Constituição, como se legítimo fosse que um cidadão, tão somente por sua condição de servidor público, pudesse ser despido de quaisquer de seus direitos elementares.

Caso tais medidas não sejam contidas, qualquer servidor público poderá ser punido por suas expressões que desagradam o governo. Exemplos fáceis incluem profissionais do SUS que critiquem a forma com que o governo enfrenta a pandemia, fiscais do IBAMA ou do ICMBio que critiquem a execução da política ambiental ou mesmo um agente carcerário que torne pública a prática de tortura no âmbito de seu estabelecimento prisional. Afinal, em todas essas situações, seus atos podem ser considerados como risco de imagem ao órgão ou descumprimento do dever de lealdade. 

Os acontecimentos registrados neste mês de março reforçam mais uma vez a importância da estabilidade dos servidores públicos, ameaçada pela Reforma Administrativa.

A ANESP segue atenta às tentativas de cerceamento da liberdade de expressão dos servidores públicos, as quais ferem gravemente os direitos fundamentais, e se coloca à disposição de seus associados para apoiá-los no enfrentamento de situações desta natureza.