Covid-19: o que fazem as Universidades?

Autora: Maria Aparecida Chagas Ferreira*

Nem bem o calendário acadêmico iniciou e as instituições de ensino tiveram que abruptamente suspendê-lo em função da pandemia do coronavírus. Considerando o conjunto das 63 Universidades Federais[1], 84% suspenderam o calendário acadêmico e mantiveram a prestação das atividades administrativas de forma remota[2].

Não houve um padrão na pausa do calendário acadêmico no país. A Universidade Federal do Oeste do Pará, por exemplo, manteve somente a pós-graduação com atividades a distância. A Universidade Federal Rural da Amazônia está intensificando os treinamentos online de docentes para o manuseio de ferramentas voltadas a aulas não presenciais. Já, a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri suspendeu as aulas presenciais da graduação, exceto o estágio hospitalar. A Universidade Federal do Pará não cogitou a possibilidade de manter quaisquer atividades acadêmicas em razão da falta de equipamentos individuais para estudantes que pudesse garantir o ensino online. A mesma lógica adotou a Universidade de Brasília, que não viu as aulas no modelo de ensino a distância como uma alternativa. Estudantes da UnB não teriam acesso aos conteúdos programados e o seu corpo docente não está formado para lecionar nesse modelo de forma a garantir os mesmos rendimentos da aula presencial. Isso não quer dizer que não haja instrumentos de ensino a distância nas universidades, o que ocorre é que, geralmente, estudantes têm acesso a laboratórios de informática e rede de internet nos próprios campi.

A Organização Mundial da Saúde e governos locais recomendam o distanciamento social como a principal forma de enfrentamento ao coronavírus, portanto, nada mais exemplar do que as universidades como parte da comunidade científica respeitarem e seguirem as recomendações. Mas, muito além de colocar pausa no trabalho dentro dos campi, as universidades, como principal quando não único, lócus de pesquisa no país, vêm rapidamente construindo soluções eficazes para o combate ao coronavírus.

Recentemente desacreditada e questionada em seus fundamentos, é na ciência que hoje a população mundial vem buscando orientações e respostas sobre como enfrentar e se proteger diante de um vírus do qual se sabe muito pouco. Sem tempo para estabelecer hipóteses e testá-las, alertando que sempre há um percentual de incertezas, a comunidade científica vem sendo instada a pensar em soluções de forma imediata para a Covid-19.

As universidades têm se empenhado no desenvolvimento de tecnologias para frear o avanço da doença e auxiliar profissionais de saúde que estão no fronte dessa batalha. A Universidade Federal da Paraíba liberou a licença do seu respirador pulmonar para fabricação por empresas que terá um custo 37 vezes menor do que o disponível no mercado. Muitas universidades iniciaram a produção e o aprimoramento de máscaras para utilização por equipes de saúde. A ampliação da produção de álcool se deu também no âmbito das universidades, como a Universidade Federal do Rio Grande do Norte que tem produzido álcool líquido para desinfecção de ambientes. A Universidade Federal de Campina Grande desenvolveu uma plataforma que por meio de informações georeferenciadas permite a visualização do quadro de pandemia no Brasil em níveis regional, estadual e municipal. Os hospitais universitários vêm atuando como hospitais de retaguarda, caso do Hospital Universitário da Universidade de Brasília que também irá testar a eficácia da cloroquina no tratamento da Covid-19.  A Universidade Federal de Alagoas vai disponibilizar a sua estrutura de laboratório, equipamentos e insumos para auxiliar na realização de testes de Covid-19.

A extensão também faz parte das ações das universidades para o combate à pandemia de coronavírus. Por meio de ações visando diminuir a sensação de solidão que o distanciamento social traz às pessoas, a Universidade Federal de Ouro Preto vem desenvolvendo projetos em diferentes áreas para o contato e orientações à comunidade externa através de redes sociais e programas de rádio. Uma outra experiência, a Universidade Federal de Pernambuco desenvolveu uma plataforma para mapear como as pessoas estão percebendo o novo coronavírus como um risco a sua saúde e, consequentemente, se há mudanças em seus comportamentos.

São ações que demonstram o compromisso das universidades no enfrentamento da Covid-19 oferecendo o que de melhor se produz no espaço acadêmico, mesmo diante da crise financeira que vem assolando as universidades. As parcerias com fundações de pesquisas e com os governos locais para apoio a projetos são as estratégias de atuação que as universidades tem adotado para cobrir as lacunas no financiamento de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Muito recentemente, o Ministério da Educação concedeu aportes extras financeiros para prospecção de projetos que tenham como foco o combate e o enfrentamento à pandemia do coronavírus: um tipo de indução que, a despeito da urgência que se impõe, significa uma restrição em termos temáticos. Por meio de suas parcerias e dos repasses extras do MEC, as universidades vêm abrindo editais de seleção de projetos voltados para temas relacionados à pandemia, com a esperança de cobrirem em parte as bolsas de pesquisa cortadas pela CAPES diante de sua nova política de concessão de bolsas para mestrado e doutorado.

No início de março deste ano, a CAPES soltou uma portaria estabelecendo condições para o fomento dos cursos de pós-graduação, atingindo enormemente a distribuição de bolsas de estudo em todo o sistema universitário federal. Essa ação motivou um conjunto de entidades de pós-graduação a se lançarem contra a política da CAPES. Instituições como Colégio de Pró-reitores de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação das Instituições Federais de Ensino Superior (COPROPI), Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (FOPROP), Associação Brasileiras de Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (ABRUEM) e Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) repudiaram a ação da CAPES pedindo a revogação da portaria e abertura de diálogo para negociações com a comunidade acadêmica.

Torna-se bastante evidente com a pandemia de coronavírus que há uma relação contraditória entre o financiamento da ciência e as ações do Estado para prover mecanismos de produção de conhecimento para o combate à Covid-19. O que resta às universidades se manifestarem e ousarem em apontar caminhos para a sociedade. Mais uma vez como exemplo, a Universidade de Brasília, nesse curto período de tempo, aprovou 115 projetos de pesquisa em diversas áreas totalizando 70 milhões de reais. A comunidade acadêmica tem sido provocada a encarar o desafio social, sanitário e econômico que a Covid-19 trouxe ao mundo. Apesar do gradativo descaso com a ciência no Brasil e o sucateamento das universidades públicas, essas instituições não se furtam de suas responsabilidades e de contribuir com conhecimento para uma sociedade mais justa.

*Maria Aparecida Chagas Ferreira é Doutora em Sociologia, EPPGG desde 1998 e atualmente está em exercício na Universidade de Brasília.

A autora agradece à Professora Antonádia Monteiro Borges do Decanato de Pós-Graduação e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade de Brasília pela revisão final do artigo.

[1] Censo da Educação Superior de 2018.

[2] Dado levantado até a data de 15 de abril de 2020.

MONICA RODRIGUES