EPPGG Renato Cader concede entrevista sobre Gestão Estratégica e Governança nas Licitações
O Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) Renato Cader concedeu entrevista sobre Gestão Estratégica e Governança nas Licitações para a Comunidade de Prática de Compras Públicas da Escola Nacional de Administração Pública (Enap). As perguntas foram elaboradas pelo também EPPGG Cristiano Heckert.
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Confira abaixo a primeira pergunta e resposta da entrevista:
1. Licitações é tradicionalmente visto na Administração Pública como um tema puramente operacional. Como inseri-lo na gestão estratégica do órgão?
Renato: Se eu fosse responder de forma simplista, eu diria que, para inserir o tema “Licitações” na gestão estratégica do órgão, é necessário que se inclua no Planejamento Estratégico Institucional e em seu respectivo desdobramento um conjunto de indicadores, metas e iniciativas, permeando todos os níveis da organização. Essa resposta pode parecer óbvia, mas, certamente, é reducionista. A inclusão de indicadores, metas e iniciativas é fundamental, no entanto, a consecução dos objetivos pode ser frustrada se a Administração não construir o modelo de governança adequado. Não existe governança sem gestão, o que exige a adoção de um conjunto de mecanismos e instrumentos que promovam maior eficiência, eficácia e, acima de tudo, efetividade no universo das contratações.
É importante observar que o tema licitações não deve ser tratado com o foco apenas na legalidade da instrução processual, nem tampouco se resumir à escolha da proposta mais vantajosa de uma licitação específica. A gestão estratégica e a governança das aquisições demandam mais inteligência aos processos decisórios referentes às contratações. É preciso, sobretudo, saber se aquele produto/serviço atende ao usuário e se o modelo de contratação é de fato mais vantajoso. Não adianta fazer uma licitação econômica e bem-sucedida, com excelente instrução processual, se a aquisição poderia ser substituída por outro de modelo de contratação que atenda à Administração de forma mais vantajosa sob o ponto de vista econômico, social e ambiental. Por exemplo: nas contratações relacionadas a transporte, deve-se estudar antes se é válido ampliar a frota de veículos, ora se é melhor utilizar outras estratégias, como terceirizar os carros com os motoristas, adotar serviços compartilhados com outros órgãos ou partir para um modelo similar ao TaxiGov. Antes de tomar a decisão sobre uma contratação, é imprescindível que se tenham estudos técnicos preliminares, a análise e gerenciamento dos riscos. Tais elementos são peças raramente identificadas nos processos de licitação das organizações; por outro lado, estão cada vez mais presentes nos ambientes normativo e jurisprudencial das contratações.
Para que o tema licitações não seja visto como puramente operacional, é importante, de fato, construir uma boa governança de aquisições, fazendo-se necessária a elaboração de planos de aquisição naturalmente alinhados ao Planejamento Estratégico Institucional. Não existe governança sem planejamento! Entendo que o Plano Anual de Aquisições e o Calendário de Contratações são ferramentas fundamentais na construção dessa boa governança. Recomendo, também, a elaboração de um Plano de Gestão Estratégica de Compras e/ou um Plano Diretor de Compras, vislumbrando as perspectivas de médio e longo prazo - o que já foi mencionado pelo professor Renato Fenili em entrevista aqui na ENAP. Poderia ser feito algo parecido com os Planos Estratégicos de Tecnologia da Informação (PETI) e os Planos Diretores de Tecnologia da Informação (PDTI), já que estes já existem na Administração Pública há algum tempo, tendo experiências consagradas e exitosas. Um Plano de Gestão Estratégica de Compras é algo muito raro um caminho a ser explorado. Não posso deixar de citar também outros mecanismos e instrumentos de gestão, tais como Política de Contratações Sustentáveis, Desenho de Processos, Manuais de Contratações com indicadores e Pesquisas de Satisfação aos Usuários.
Enfim, parece até uma receita de bolo, né? Ocorre que não tão simples assim, Henry Mintzberg - um dos maiores expoentes da literatura sobre estratégia - argumenta que não existe uma melhor estratégia e nenhuma receita funciona da mesma forma para todas as organizações. Para ele, a definição da estratégia demanda a existência de líderes e profissionais na organização com pensamento analítico e estratégico. Esses profissionais devem ter capacidade de compreender o contexto organizacional e definir o rumo da organização. Talvez, essa seja a grande carência na Administração Pública Brasileira.
Na minha opinião, o maior desafio está na governança e na gestão de pessoas. Há na Administração Pública um desequilíbrio injusto de aporte de recursos humanos entre seus órgãos e entidades. Muitas administrações sofrem com problemas relacionados à insuficiência quantitativa e qualitativa de recursos humanos em todos os níveis da organização. Faltam administradores com habilidades gerenciais e visão estratégica. É preciso, sobretudo, alocar os perfis adequados na cadeira certa. Não é recomendável, por exemplo, que nas áreas de compras e contratos tenham apenas profissionais com formação jurídica e vasto conhecimento da legislação e jurisprudência. É necessária também a existência de servidores com conhecimento de administração e economia, formando equipes multidisciplinares. A meritocracia deve estar conjugada com a alocação adequada dos profissionais que fazem a gestão pública. Sem isso, o tema licitações não entra, de fato, na gestão estratégica. Vejo muitos gestores fazendo papel de síndico, quando deveriam estar canalizando energia para construir um modelo de governança que alinhe a gestão das licitações à estratégia, com o foco no fortalecimento institucional de longo prazo. Devemos agir em curto prazo, mas pensar o médio e longo prazo. Entendo que essa é a razão pela qual gastamos grande parte do nosso tempo apagando incêndio, gerando retrabalhos e, muitas vezes, utilizando mal os recursos públicos - mesmo com processos muito bem instruídos e licitações exemplares.
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