“Enquanto maioria dos chefes for homem, mulheres serão vistas como aquelas que estão ali para servir”, diz EPPGG sobre casos de assédio

A semana na Administração Pública Federal foi marcada pelo episódio de denúncia de assédio sexual que um grupo de servidoras da CAIXA vinha sofrendo por ninguém menos do que o presidente da instituição, o economista Pedro Guimarães. As denúncias que vêm sendo investigadas pelo Ministério Público Federal foram tão impactantes que, ao virem a público, levaram a um pedido de demissão de Guimarães, substituído por Daniella Marques Consentino.

A ANESP considera o fato muito grave. A situação expõe várias camadas de um problema que se institucionalizou na Administração Pública Federal, o assédio (moral, sexual e institucional) como método de gestão. Nesse sentido, a Associação vem acompanhando a evolução dos casos de assédio institucional e apoiou iniciativas para seu enfrentamento, como a criação do Assediômetro pela ARCA, ferramenta de denúncia e de registro de casos de assédio e a publicação do livro “Assédio Institucional no Brasil: avanço do autoritarismo e desconstrução do Estado”, uma iniciativa da Afipea. Além disso, a ANESP realizou live em 2021 com a EPPGG licenciada e professora da Universidade de Oklahoma Michelle Morais de Sá e Silva sobre o estudo que ela conduziu sobre o desmonte autoritário de políticas públicas.

Trazendo o assunto como ponto de atenção e de análise, a ANESP conversou com a EPPGG Iara Alves, que é doutoranda e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (PPGNEIM) da UFBA. Ela ajuda a entender o significado do caso explicitado nesta semana enquanto um fenômeno mais profundo e perene de machismo no serviço público. Também aborda a relação entre as diferentes dimensões de assédio e quais estratégias podem ser adotadas para seu enfrentamento.

“Enquanto a maioria dos chefes for homem, enquanto os grupos de homens engravatados estiverem liderando as decisões sobre estratégias, políticas e recursos públicos, as mulheres, por mais competentes e sérias que sejam em seu trabalho, serão vistas como aquelas que estão ali para servir aos homens com sua capacidade técnica. Ou com seus corpos, no caso mais radical de machismo no trabalho, que é o assédio sexual”, afirma.

O que os recentes casos de assédio sexual, denunciados por servidoras públicas da CAIXA, denotam sobre práticas de machismo na Administração Pública? E quais são os impactos mais diretos disso?

Os casos de assédio sexual denunciados por essas bravas servidoras mostram o lado mais cruel do machismo presente no serviço público. Por causa do concurso, nós, mulheres, hoje somos metade da força de trabalho do executivo federal, mas todos os dias somos informadas, por meio dos comportamentos e falas machistas, que não pertencemos aos espaços de poder. 

Enquanto a maioria dos chefes for homem, enquanto os grupos de homens engravatados estiverem liderando as decisões sobre estratégias, políticas e recursos públicos, as mulheres, por mais competentes e sérias que sejam em seu trabalho, serão vistas como aquelas que estão ali para servir aos homens com sua capacidade técnica. Ou com seus corpos, no caso mais radical de machismo no trabalho, que é o assédio sexual.

Os impactos do assédio são grandes para o imaginário público sobre o papel da mulher no mundo do trabalho. Quantas mulheres já foram acusadas de terem sido promovidas por ter dado mole para um chefe? O assédio sexual tem impacto na convivência social entre homens e mulheres no trabalho. Basta observar os restaurantes de Brasília no horário de almoço: são mesas imensas de homens engravatados tomando decisões públicas, das quais as mulheres são excluídas. Muitas não são convidadas e muitas não aceitam convites para evitar situações constrangedoras de assédio. Ainda, o assédio sexual tem forte impacto para a identidade e a confiança da mulher. Quando um homem de hierarquia superior assedia uma mulher, ele está dizendo a ela que ela é só um corpo, um objeto para seu prazer. Ele está tentando demonstrar sua virilidade como forma de poder. E a objetificação não só abala a autoconfiança das mulheres como profissionais, como tem impactos sérios para sua saúde mental. Estudos mostram que muitas acabam tendo depressão, insônia, ansiedade, baixa autoestima e até mesmo disfunção sexual.

O Assediômetro, desde sua criação em 2020, já registrou 1.186 casos de assédio institucional. Enquanto práticas, como se relacionam os conceitos de assédio moral, assédio sexual e assédio institucional?

É incrível que um Assediômento teve que ser criado para denunciar o aumento de casos de assédio institucional nos últimos 3 anos. Quando pessoas públicas, com grande poder decisório se sentem na liberdade de proferir piadas discriminatórias contra mulheres, pessoas negras e indígenas em seus discursos e entrevistas para a imprensa, a permissão para a prática autoritária, racista e machista é dada para todos que a seguem.

O assédio institucional vem da ideia autoritária de que pessoas em posição hierárquica superior, tanto homens quanto mulheres, podem cercear o pensamento e constranger o comportamento de servidores públicos. O que mais temos visto são práticas que desautorizam, desqualificam e deslegitimam decisões que servidores tomaram baseadas em evidências, em sua experiência profissional e em seu conhecimento técnico.

O assédio moral também atinge homens e mulheres em vários níveis: horizontal e vertical, de chefe para subordinados, de subordinados para chefes e entre subordinados. São comportamentos e falas repetitivas que desestabilizam as pessoas emocionalmente e profissionalmente, como gritos, xingamentos, insultos, fofocas, atribuição de apelidos, humilhações públicas, isolamento, recusa na comunicação, entre outros.

Já o assédio sexual ocorre principalmente com mulheres que são constrangidas por falas e comportamentos de cunho sexual por uma pessoa de nível hierárquico superior. Ao utilizar sua posição de poder e de influência, chefes intimidam e até mesmo chantageiam mulheres de forma secreta, quando ninguém está vendo. Esse é um dos grandes problemas para as mulheres denunciarem, já que fica difícil produzir provas. Infelizmente, por conta do medo de perder o emprego ou função, por conta da falta de provas e da recorrente desconfiança da palavra da mulher, a maioria das mulheres assediadas silenciam.

Como pode se enfrentar esse aumento dos casos dos vários tipos de assédio na Administração?

Eu vejo que o enfrentamento rigoroso do assédio é urgente. É preciso tipificar o assédio moral, sexual e institucional como ilícitos disciplinares por lei. A palavra assédio nem consta da Lei 8.112/1990, que ordena o regime jurídico dos servidores públicos federais. Normalmente apela-se para os dispositivos de dever de urbanidade e conduta moral. Mas é preciso que os comportamentos e atitudes proibidos sejam especificamente listados, e as punições devidamente previstas. Hoje fica a cargo da comissão de processos administrativos disciplinares dos órgãos definirem se é caso de improbidade, conduta escandalosa ou ofensa física.

Como não há esclarecimento sobre o que caracteriza os diversos tipos de assédio e não há canais de denúncia específicos nem protocolos de apuração estabelecidos na Administração Pública Federal, muitos servidores e servidoras não entendem o sofrimento psíquico que sofrem devido ao assédio nem sabem como denunciar.  E os que entendem o que estão passando não sabem como denunciar ou têm medo. Os casos são subnotificados e os comportamentos são muito mais comuns do que podemos imaginar.

Mesmo sem ter as melhores condições legais, temos que levar o debate para dentro das organizações públicas. A conscientização sobre o que é cada tipo de assédio é fundamental para que as pessoas denunciem, seja por meio da ouvidoria do órgão, da CGU, ou do Ministério Público Federal.

No caso do assédio sexual, todas e todos precisam estar conscientes de que é crime constranger alguém com o intuito de obter vantagem sexual, em razão da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, com pena prevista de detenção, de um a dois anos no Código Penal desde 2001.


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