Impacto da Pandemia de Covid-19 no Mercado de Trabalho e Medidas Compensatórias

Autor: Mário Magalhães[1]

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Introdução

A crise provocada pela Covid-19 vem desafiando a capacidade de governança dos estados nacionais em lidar com o trade-off entre recuperação econômica e combate à pandemia. O sucesso no enfrentamento da crise em muito dependerá da capacidade de monitoramento da conjuntura, tanto no que tange à crise sanitária, pelo controle da disseminação da doença versus a capacidade de prevenção e atendimento hospitalar, quanto à identificação mais precisa dos segmentos econômicos e sociais mais atingidos pela conjuntura. O monitoramento de ambas as vertentes constitui hoje premissa fundamental para a coordenação e compatibilização de ações que resultem no menor custo-benefício para a sociedade como um todo. A disponibilidade, tratamento e análise de informações, bem como a avaliação das medidas a serem adotadas, torna-se, assim, fundamental para o direcionamento da atuação do Estado.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) vem fazendo esforços para monitorar os efeitos da pandemia de Covid-19 no mundo do trabalho, utilizando sua base de dados (ILOSTAT) para estimar os riscos de impacto no emprego e na renda derivados das medidas de distanciamento social desde o início deste ano. No Brasil, o IBGE conseguiu manter a divulgação dos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc) — ameaçada pela dificuldade de se cobrir a amostra em tempos de pandemia — e o Ministério da Economia retomou a divulgação do Cadastro Geral de Empregados e Desligados (CAGED), referente ao emprego formal — suspensa desde dezembro de 2019 para adaptação ao e-Social. Ambas as fontes atualizaram dados para o mês de abril de 2020, o que já permite uma avaliação dos efeitos da pandemia no mercado de trabalho, decorridos cerca de 45 dias do início das medidas de isolamento social no país, em meados do mês de março de 2020.

Este ensaio destina-se a contextualizar a realidade do emprego e da renda na conjuntura da crise, com especial atenção às formas de inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho, bem como chamar atenção para a necessidade de se criar uma sistemática de monitoramento das medidas implementadas.

1.      Setores do mercado de trabalho mais atingidos pela pandemia segundo a OIT

Em seu boletim ILOMonitor, já na 4ª edição, a OIT vem abordando o grau de risco econômico a que os segmentos de trabalhadores e empresas estão expostos, levando-se em conta que as medidas de prevenção à pandemia afetam de forma bastante diferenciada os diversos tipos de atividade econômica e segmentos do mercado de trabalho. Trabalhadores em setores voltados à manutenção das necessidades básicas da população e às ações de combate aos efeitos da Covid-19, apesar de mais expostos à contaminação, estão mais protegidos do ponto de vista econômico, enquanto aqueles sujeitos ao distanciamento social, por recomendação ou obrigatoriedade imposta pelas autoridades sanitárias dos diversos países, estão em situação inversa.

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Seguindo essa lógica, quatro grandes setores destacam-se na linha de alto risco em relação aos prejuízos econômicos decorrentes da pandemia, quais sejam, Comércio e Reparação de Veículos; Indústria de Transformação; Serviços de Alojamento e Alimentação; e Negócios Imobiliários e Atividades Administrativas. Nesses setores concentram-se cerca de 1,25 bilhões de trabalhadores, representando quase 38% dos mais de 3,3 bilhões que compõem a força de trabalho mundial. Os prejuízos poderão ocorrer pela perda do emprego ou pela diminuição da renda, provocada por redução de salários ou horas trabalhadas ou mesmo pela queda na demanda de serviços prestados por profissionais autônomos, formais e informais.

A OIT também enfatiza bastante a situação de alto risco dos trabalhadores informais, considerando aqueles com ausência de registro como empregado ou trabalhador autônomo. Os primeiros tendem a concentrar sua presença no segmento de pequenas empresas, as quais, por sua vez, são estabelecimentos que se mostram também mais vulneráveis, pelo baixo capital acumulado e as dificuldades de acesso a crédito. Empresas com 2 a 9 empregados que atuam nos quatro setores sob alto risco antes mencionados empregam cerca de 283 milhões de trabalhadores — 23% do total dos setores considerados. Já os trabalhadores autônomos nestes setores são em torno de 389 milhões —ou 31% do total. Pequenos empregadores e profissionais autônomos informais têm maiores dificuldades de acesso a crédito empresarial, enquanto que trabalhadores sem registro não dispõem de proteção básica, tais como reposição da renda em caso de desemprego ou doença e acesso seguro a serviços de saúde. Dado o elevado grau de vulnerabilidade destes segmentos, devem, em qualquer dos países, ter prioridade como destinatários das medidas compensatórias do Estado ao longo de todo o período de crise.

Levando-se em consideração os fatores de risco, envolvendo situação de emprego, tamanho das empresas e os diferentes níveis de medidas de bloqueio (total, parcial e medidas fracas), chega-se a uma estimativa de quase 1,6 bilhão de trabalhadores da economia informal, equivalente a 76% do emprego informal em todo o mundo.

2.      Impacto da pandemia no mercado de trabalho no Brasil

Em um paralelo com o diagnóstico da OIT, tomando a PNADc referente ao trimestre encerrado em março de 2020, verifica-se que os setores considerados de alto risco[2], absorviam 34,6 milhões de trabalhadores, representando 37,5% do total de 92,2 milhões de pessoas ocupadas no trimestre. Se somamos a esse contingente os setores considerados de risco médio-alto[3], chegamos a um total de 61 milhões de trabalhadores em risco de sofrer prejuízos econômicos em decorrência das medidas sanitárias, representando 66,2% do total de pessoas ocupadas no país, um percentual bastante preocupante.

Entretanto, os efeitos das medidas de distanciamento social nos primeiros 45 dias de sua vigência, que vai de meados de março/2020 ao final de abril/2020, podem ser medidos pelo trimestre encerrado em abril, comparando-se com os dados apurados no trimestre encerrado em fevereiro/2020, período imediatamente anterior à ocorrência da pandemia.

Entre os dois trimestres considerados, a população ocupada decaiu de 93,7 milhões para 89,2 milhões, período em que 4,5 milhões de pessoas perderam seus empregos. Porém, o contingente em desemprego, formado por pessoas à procura de trabalho, aumentou em apenas em 500 mil, passando de 12,3 milhões para 12,8 milhões de trabalhadores. Isso porque todos os 4 milhões restantes que perderam seu posto de trabalho, durante os meses de marco e abril, ingressaram no contingente de Inativos, ou seja, permaneceram fora da população economicamente ativa — sem trabalhar, sem procurar emprego e sem rendimentos do trabalho. Muito provavelmente, esse comportamento foi induzido pela própria ausência de perspectivas de encontrar emprego, já que a grande maioria das empresas estavam reduzindo seus funcionários e pessoas físicas estavam evitando contratar serviços que não fossem essenciais. Adicionalmente, a recomendação para ficar em casa também pode ter inibido iniciativas de procura de emprego.

Cabe ressalvar que o nível de ocupação até o mês de fevereiro, portanto no período imediatamente anterior à pandemia, o mercado de trabalho apresentava desempenho positivo, dando mostras de certa aceleração do processo de recuperação econômica. Em comparação ao mesmo período de 2019, o trimestre encerrado em fevereiro/2020 mostrou uma geração de 1,8 milhões de postos de trabalho, um aumento de 2,0% em doze meses (02/2019-02/2020), superior ao percentual de 1,2% verificado nos doze meses anteriores (02/2018-02/2019). Este processo de retomada foi bruscamente interrompido pelo advento da Covid-19.

Observa-se, além disso, que a queda abrupta no número de pessoas ocupadas durante os dois primeiros meses da pandemia atingiu especialmente alguns segmentos do mercado, diferenciação essa que deve ser avaliada para identificar possíveis prioridades de medidas compensatórias.

3.      Efeitos da pandemia sobre as categorias de trabalhador ocupado no mercado de trabalho

Em termos relativos, a queda no total de ocupados, ocorrida entre os trimestres encerrados em fevereiro e abril de 2020, chegou ao percentual recorde de 4,8%, equivalente a nada menos que 4.469 mil trabalhadores. Neste período, a queda no número de ocupados atingiu a maioria das categorias de trabalhador, porém em magnitudes bastante diferenciadas.

A tabela adiante apresenta o número de ocupados por categoria de trabalhador em ambos os trimestres e os respectivos indicadores de variação e participação. Adicionalmente, indicamos uma escala de risco de prejuízos social e econômico na conjuntura da pandemia para cada categoria, tendo em conta dois critérios de vulnerabilidade: a) risco de perda de emprego ou fechamento e suspensão do negócio ou trabalho, no caso de profissionais autônomos e empregadores; b) ausência de acesso a benefício social e/ou crédito bancário, no caso de profissionais autônomos e empregadores informais.

O movimento apresentado em cada categoria nos dois primeiros meses da pandemia será analisado a seguir, a começar com as que diminuíram o contingente de ocupados, por ordem de grandeza da redução.

Empregados no setor privado sem carteira assinada: perda de 1.518 mil postos de trabalho (ou -13,0%), em categoria informal de risco considerado alto, pelo fato de que a grande maioria são empregados de pequenas empresas (menos de 10 empregados), nas quais o risco de demissão tornou-se bastante elevado, além de não possuir proteção social (direito a seguro-desemprego, auxílio-doença e, via de regra, não dispõem de plano de saúde). Estes trabalhadores, desde que inscritos no Cadastro Único, podem recorrer ao Auxílio Emergencial, como alternativa imediata de reposição parcial da renda, cujo salário médio era de R$ 1.539,00. Em fevereiro de 2020 representavam 12,4% dos ocupados no país.

Empregados no setor privado com carteira assinada: fechamento de 1.417 mil vagas de emprego (ou -4,2%), em categoria de risco considerado médio-alto, em razão do expressivo contingente em setores econômicos atingidos pelo distanciamento social. Porém, a categoria possui acesso a seguro-desemprego, salários mais elevados e verbas indenizatórias no momento da demissão. Na ausência de tempo de emprego suficiente para acesso ao seguro-desemprego, poderá recorrer ao Auxílio Emergencial, desde que apto a inscrever-se no Cadastro Único. Além do alto risco de demissão, a categoria também está sujeita à redução de salário e, nesse caso, poderá recorrer à complementação salarial pelo Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda-BEM, como alternativa de preservação do emprego, cujo salário médio era de R$ 2.300,00. Em fevereiro de 2020, representavam 35,9% dos ocupados no país, a maior parcela entre as categorias de trabalhador.

OCUPADOS POR POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO E CATEGORIA DE EMPREGO NO TRABALHO PRINCIPAL

Trimestres dez-jan-fev/2020 e fev-mar-abr/2020 (Em mil)

Fonte: PNADc/IBGE

Trabalhadores por conta própria sem CNPJ: redução de 1.302 mil postos de trabalho (ou -6,8%), em categoria informal de risco considerado alto, pela forte redução da demanda de bens e serviços de empresas e, principalmente, de pessoas físicas, além de não contar com benefícios de proteção social e possuir rendimento tão baixo quanto trabalhadores sem carteira assinada — R$ 1.385,00. O Auxílio Emergencial pode ser uma alternativa imediata de reposição parcial da renda, bastando que se inscreva no Cadastro Único. Em fevereiro de 2020 representavam 20,4% dos ocupados no país, a maior categoria de trabalhador informal.

Trabalhador doméstico sem carteira assinada: perda de 541 mil empregos (ou -12,0%), em categoria informal de risco considerado alto, pela maior chance de demissão ou perda de clientes no caso de diaristas, além de ausência de proteção social, cujos rendimentos são os mais baixos entre as categorias de trabalhador — R$ 777,00. O Auxílio Emergencial pode ser uma alternativa imediata da renda, desde que inserido no Cadastro Único. Em fevereiro de 2020 representavam 4,8% dos ocupados no país.

Empregador com CNPJ: fechamento de 156 mil empreendimentos (ou -4,8%), em categoria que representa empresas formalizadas, com risco considerado médio-alto, pelas medidas de distanciamento social que atingiram atividades não essências, mas que, no entanto, possuem acesso a crédito bancário, além de contar com o programa de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego-BEM, para reduzir os custos de sobrevivência por meio da suspensão de contratos ou redução dos salários de seus empregados. Além disso, o empregador formal possui a renda pessoal mais elevada entre as categorias de inserção no mercado — R$ 6.455,00. Em fevereiro de 2020 representavam 3,8% dos ocupados no país. Muito provavelmente, a maioria das empresas fechadas eram de micros e pequenos empregadores, o que causou boa parte das demissões de empregados com e sem carteira assinada.

Trabalhador doméstico com carteira assinada: redução de 144 mil vagas de emprego (ou -8,4%), em categoria formal de risco médio-alto, pelas elevadas chances de demissão relacionadas às medidas de distanciamento social e à redução dos rendimentos de parte da classe média, seu segmento empregador. No entanto, possui acesso a seguro-desemprego, verbas indenizatórias no momento da demissão e demais benefícios sociais. Na ausência de tempo de emprego suficiente para acesso ao seguro-desemprego pode recorrer ao Auxílio Emergencial como alternativa imediata de reposição da renda, se inscrito no Cadastro Único. O salário médio era de R$ 1.297,00 e em fevereiro de 2020 representavam 1,8% dos ocupados no país.

Empregador sem CNPJ: fechamento de 55 mil empreendimentos (ou -6,8%), que representam empresas informais, com risco considerado alto, pela redução da demanda de bens e serviços por parte de empresas e pessoas físicas e pela dificuldade de acesso a crédito bancário. Trata-se, em sua grande maioria, de donos de empreendimentos com 2 a 5 empregados, cujo rendimento médio alcançava R$ 3.623,00. Não possui acesso ao programa Benefício Emergencial de Preservação do Emprego-BEM, mas pode negociar livremente a redução de salário dos seus empregados, posto que essa relação também é informal. Em fevereiro de 2020 representavam 0,9% dos ocupados no país. O fechamento dessas empresas contribuiu em alguma medida para a queda no número de empregados sem carteira assinada.

Nesses dois primeiros meses da pandemia algumas categorias, ao contrário das anteriores, apresentaram aumento ou estabilidade da ocupação, cujo movimento é analisado a seguir:

Empregado no setor público com carteira de trabalho assinada: o número de ocupados ficou estável no período, em categoria formal considerada de risco baixo, por ser vínculo com empresas públicas (incluindo S/As) ou outras entidades da administração indireta. Trata-se de categoria não sujeita à demissão por medidas sanitárias relacionadas à pandemia. Em fevereiro de 2020 representava 1,3% do total de ocupados no país, com salário médio de R$ 3.745,00.

Empregado no setor público sem carteira de trabalho assinada: aumento de 185 mil vagas de emprego (ou 8,1%), com risco considerado baixo em relação às medidas relacionadas à pandemia. Nesse caso, o expressivo aumento do contingente de ocupados na categoria nesse período ocorreu justamente em razão do advento da pandemia, vez que se refere a contratações temporárias do setor público, para finalidades previstas em lei. Na presente conjuntura, a maior parte dessas contratações foram feitas para atender necessidades emergências dos governos municipais e estaduais, em atividades de combate à pandemia, principalmente na área de saúde, envolvendo desde médicos, enfermeiros e assistentes sociais, até profissionais de limpeza. Porém, as contatações têm sido feitas mediante processo seletivo simplificado, para períodos curtos, entre 90 e 180 dias, podendo haver prorrogação por igual período, findo os quais o vínculo será necessariamente rompido. Em fevereiro de 2020 representava 2,4% do total de ocupados no país, com salário médio de R$ 1.981,00.

Empregado no setor público estatutário e militar: aumento de 352 mil vagas de emprego estatutário (ou 4,5%), em categoria formal com risco considerado baixo, em razão da estabilidade conferida a servidor efetivo. Tais contratações estão sujeitas à realização de concurso público, nas três esferas de governo. Considerando a natureza do processo seletivo, a decisão sobre a abertura dessas vagas ocorreu em período bem anterior ao advento da pandemia, não tendo relação com suas consequências. Apenas a convocação para posse nos cargos ocorreu no período em análise. De qualquer forma, o baixo risco para servidores efetivos consiste em importante fator de manutenção do emprego e da renda em parcela expressiva da população ocupada, contribuindo também para manter a demanda por bens e serviços na economia. Em fevereiro de 2020 representava 8,4% do total de ocupados no país, com salário médio de R$ 4.224,00.

Trabalhador por conta própria com CNPJ: aumento de 205 mil postos de trabalho (ou 3,9%), em categoria formal, inicialmente elencada como de risco alto. O aumento da ocupação na categoria, com ampla participação de autônomos formalizados como Micros Empreendedores Individuais (MEI), não deixa de ser uma surpresa, dada a conjuntura adversa. Porém, o movimento pode estar relacionado a dois fatores: a) migração de outras categorias para o empreendedorismo individual, provenientes de empregados formais ou informais que perderam seus empregos ou de empregadores que dispensaram seus colaboradores e passaram a atuar individualmente; b) a área de atuação dos novos empreendedores individuais provavelmente está relacionada a oportunidades criadas ou expandidas na conjuntura da pandemia, tais como suporte a tecnologias de informação e comunicação, todo tipo de serviços online, serviços e logística de entregas de mercadorias, serviços auxiliares da saúde e demais atividades de natureza essencial. Entretanto, não se pode dizer ainda que a categoria possui baixo risco, uma vez que muitos negócios poderão não sobreviver no tempo. A depender do seu desempenho no mês de maio próximo, talvez possa ser elencada como risco médio-alto, considerando que a formalização proporciona acesso a crédito bancário, o que talvez tenha sido um fator atrativo para a expansão da categoria. Em fevereiro de 2020 representava 5,7% do total de ocupados no país, com salário médio de R$ 3.007,00.

Massa de Rendimentos

Os resultados da PNADc para o trimestre encerrado em abril de 2020 mostra que, em relação ao trimestre encerrado em fevereiro de 2020, período dos dois primeiros meses da pandemia, ocorreu uma perda de R$ 5,8 bilhões de reais, na soma total dos rendimentos provenientes do trabalho. A maior redução ocorreu no segmento informal (empregado sem carteira assinada, autônomo e empregador sem CNPJ), somando R$ 3,5 bilhões, representando 60% da perda total. Os segmentos formais, em seu conjunto (empregado com carteira assinada no setor privado, empregado no setor público, autônomo e empregador com CNPJ) sofreram um decréscimo de 2,3 bilhões, representando 40% da perda total (tabela abaixo).

VARIAÇÕES NA MASSA DE RENDIMENTOS DOS OCUPADOS NO TRABALHO PRINCIPAL POR POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO E CATEGORIA DE TRABALHO (Em R$ mil)

Trimestre dez-jan-fev/2020 e fev-mar-abr/2020

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Fonte: PNADc/IBGE

Entretanto, dentro do segmento formal, três, entre as sete categorias que o compõe, apresentaram ganhos expressivos, o que compensou parcialmente a perda no segmento como um todo. Tais categorias foram estatutários e empregados sem carteira no setor público (R$ 981 milhões e R$ 164 milhões, respectivamente) e profissionais autônomos com CNPJ (R$ 154 milhões). Já os empregados com carteira assinada, principal categoria formal no setor privado, sofreu a maior perda de rendimentos, representando, isoladamente, cerca de 30% do total, o que mostra uma contribuição significativa do segmento formal para a queda na demanda por bens e serviços.

Em termos do número de postos de trabalho, o segmento informal respondeu por 78% da redução ocorrida nos dois primeiros meses da pandemia, enquanto o segmento formal decaiu em 22%. Também, nesse caso, é preciso ressalvar que a menor perda para o segmento formal está relacionada às categorias do setor público, que ampliaram seu contingente ocupado. Para os empregados com carteira assinada no setor privado a eliminação de vagas também foi expressiva, representando isoladamente 31,7% do total.

Com base nesse cenário da conjuntura do trabalho após dois meses do advento da pandemia, pode-se ter uma ideia do alcance das medidas compensatórias adotadas pelo governo.

4 – Atuação governamental

As inciativas governamentais de combate aos efeitos da pandemia sobre a economia e o mundo do trabalho no Brasil, de modo geral, seguiu a linha adotada na maioria dos países, contemplando três vertentes: destinação de renda social a pessoas que perderam emprego ou que possuem renda familiar insuficiente (Auxílio Emergencial); subsídios ao pagamento da folha salarial das empresas para conter demissões e; crédito bancário a micros, pequenas e médias empresas, além de empreendedores individuais, com juros favorecidos, para suprir temporariamente a insuficiência de receita. Considerando esse leque de ações, poder-se-ia dizer que o governo brasileiro estaria cumprindo a sua parte, à semelhança dos países desenvolvidos, levando em conta as particularidades da realidade social e econômica do país.

Entretanto, as dificuldades operacionais enfrentadas na implementação das medidas acusam o despreparo do governo no gerenciamento das ações, desde a falta de informações confiáveis para concessão do Auxílio Emergencial, até exigências para concessão de subsídios a empresas e empreendedores incompatíveis com a situação adversa da conjuntura. Tais dificuldades desviam ou reduzem os efeitos esperados com aplicação das medidas e exigem sua rápida avaliação para proceder a ajustes de forma tempestiva.

Apoio aos trabalhadores - Auxílio Emergencial

O público alvo do Programa é bastante amplo. Pelos critérios de habilitação, destina-se a membros desempregados pertencentes a famílias de baixa renda, cujo principal critério é estar inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Além disso, contempla trabalhadores que estão ocupados como autônomos formais ou informais, sendo que estes últimos devem estar inscritos no Cadastro Único. Por sua amplitude, o Programa assemelha-se ao formato de uma renda social, sem um foco específico no mercado de trabalho, uma vez que o principal critério se refere à renda familiar.

Um acompanhamento adequado do Programa poderia ser feito com base na PNADc, a partir de um recorte da massa salarial das famílias de renda compatível com os critérios do Programa, a fim de dimensionar o número de desempregados e trabalhadores autônomos nesse contingente e avaliar o impacto da concessão do benefício na reposição das rendas do trabalho que foram perdidas em razão da pandemia. Com isso, se poderia obter uma avaliação se as dimensões do Programa estão adequadas ao público alvo. Entretanto, o procedimento depende de tabulações especiais não disponíveis no momento.

Por outro lado, pode-se ter uma estimativa, bastante grosso modo, da representatividade do benefício no poder de compra dos trabalhadores de modo geral, para uma avaliação preliminar. Segundo o último balanço divulgado pela Caixa Econômica Federal, em 02/06/2020, o Programa já repassou à população um total de R$ 76,6 bilhões de reais, beneficiando cerca de 59 milhões de pessoas, desde o início de abril de 2020 até 01/06/2020. Comparando-se esse valor repassado com a massa salarial estimada pela PNADc de R$ 211,4 bilhões para todos os trabalhadores ocupados no trimestre encerrado em fevereiro de 2020, período imediatamente anterior à pandemia, verifica-se que o valor agregado do benefício no período subsequente da pandemia representou um acréscimo de nada menos que 36,2% à massa de todos os rendimentos provenientes do trabalho no país. Retirando da massa total de rendimentos o valor correspondente às categorias que claramente não se enquadram nos critérios do benefício, tais como empregados do setor público, empregadores formais e trabalhadores com carteira assinada, chega-se a uma massa de R$ 68,5 bilhões, referentes aos ganhos de empregados domésticos, empregados sem carteira, autônomos formais e informais e empregadores informais. Comparando-se com o valor repassado, constata-se que ele representou 111,8% de toda a massa de rendimentos proveniente do trabalho dessas categorias. Se compararmos o valor repassado com o montante referente apenas à redução verificada na massa de rendimentos das categorias prejudicadas no período, aproximadamente R$ 7,0 bilhões, pode se concluir que o repasse foi 11 vezes maior que o valor necessário à reposição da perda.

Considerando apenas os beneficiários inscritos como trabalhados autônomos formais e demais trabalhadores informais, a Caixa Econômica informou que somente para esse segmento foi destinado, até 02/06/2020, um total de R$ 32,3 bilhões. Buscando a correspondência, ainda que grosso modo, com as categorias de trabalhador, envolvendo empreendedores individuais, formais e informais, além de empregados sem carteira assinada, estimados pela PNADc no trimestre encerrado em fevereiro de 2020, chega-se a uma massa salaria de R$ 59,8 bilhões. Nesse caso, o valor repassado pelo Programa representou 54% de toda a massa de rendimentos auferida por essas categorias. Porém, o valor correspondente apenas à redução dessa massa de rendimentos nos dois primeiros meses da pandemia foi de apenas R$ 3 bilhões. Com isso, verifica-se que o Programa não apenas repôs a renda do trabalho perdida pelas categorias em questão, mas repassou um valor 10 vezes maior que o valor a ser reposto.

Esses dados são bastante preliminares e certamente desprovidos de precisão, vez que não procedem a uma seleção acurada dos destinatários, conforme os critérios do Programa, o que dependeria de tabulações especiais ainda não realizadas. Entretanto, tais comparações chamam a atenção pela elevada proporção em relação aos rendimentos já auferidos pelos trabalhadores.

Tal avaliação nesse momento é fundamental, uma vez que está em discussão justamente a continuidade do Programa após o pagamento da terceira parcela do benefício e também a possível redefinição do valor do benefício.

Apoio a empresas e empreendedores individuais

Crédito

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Há uma quantidade bastante expressiva de linhas de crédito criadas para dar suporte às empresas na conjuntura da pandemia, lideradas pelos bancos oficiais — Banco do Brasil, Caixa econômica, BNDES, Banco do Nordeste e da Amazônia —, mas também conta com inciativas de grandes bancos privados e pequenas financeiras, com oferta de crédito para diversas finalidades. Entretanto, os principais destinatários, micros e pequenas empresas e empreendedores individuais, em sua grande maioria não estão conseguindo acesso ao crédito, em razão das exigências de garantias, as quais se mostram praticamente impossíveis na conjuntura da pandemia.

A solução seria a criação de um fundo de aval disponibilizado pelo governo, que fizesse o papel de garantidor das operações, medida que só recentemente foi editada, por meio da MP 975/2020 (DOU 02/06/2020). A MP, no entanto, necessita ser regulamentada, cuja entrada em vigor está anunciada para final de junho. O governo já reconheceu a necessidade de flexibilizar ao máximo o acesso ao crédito para o segmento prioritário e tenta fazer com que a rede bancária possa ser eficaz em sua concessão. Nesse momento, o que se pode perceber é que a oferta de crédito está aquecida, dada a grande disponibilidade de recursos existentes no sistema bancário, cujos custos estão cada vez mais baixos, mas a avaliação de risco do crédito, aliada à própria incerteza dos empregadores, está impedindo que se dê vazão às operações.

Preservação do emprego – Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda-BEM

O Programa destina-se a conceder crédito para auxílio à folha de pagamento das empresas formais, em troca da não demissão de seus funcionários, beneficiando aqueles empregados com carteira assinada. Segundo o Ministério da Economia, até 26/05/2020, aderiram ao Programa um total de 1,2 milhões de empresas, as quais se comprometeram a preservar 8,2 milhões de trabalhadores formais. O valor previsto para ser desembolsado soma 14,2 bilhões.

Comparando-se, a grosso modo, com os dados da PNADc, verifica-se que o total de empresas participantes do Programa representa 33,3% do total de empregadores formais estimados pela pesquisa no trimestre encerrado em fevereiro/2020, período imediatamente anterior à pandemia. O número de empregos a serem preservados com a adesão ao Programa representa 24,4% do total de empregados formais estimados pela pesquisa no mesmo período.

Entretanto, avalia-se que a maioria de micros e pequena empresas têm dificuldade de aderir ao Programa por dois motivos: a exigência de preservação dos empregos por período igual aos meses de financiamento da folha de pagamento; as incertezas quanto ao futuro próximo em relação à sobrevivência do negócio, o que vem gerando resistência a assunção de dívidas.

Verifica-se, por outro lado, que a implementação do Programa não impediu que o número de empregadores formais sofresse uma queda de 210 mil no período de fevereiro a abril e que o número de empregados com carteira assinada sofresse forte queda de 1,4 milhões de postos de trabalho. Pode ser que a disseminação do programa tenha ocorrido em período posterior ao mês de abril e que seu impacto seja efetivo a partir do mês de maio de 2020. Considerando sua importância para a conjuntura, o Programa deve ser aperfeiçoado e ampliado, com mediadas de flexibilização do acesso ao crédito e retirada da exigência e manutenção dos empregos após o período de financiamento da folha de salário.

5 – Considerações Finais

A análise dos indicadores do mercado de trabalho durante os dois primeiros meses da pandemia indica, primeiro, que as categorias informais foram as que mais sofreram perdas tanto em postos de trabalho quanto em rendas provenientes do trabalho. Porém, os segmentos formais no setor privado também apresentaram reduções expressivas e, embora possuam acesso a seguro desemprego, a renda resposta pelo benefício é temporária e não se iguala ao valor do salário perdido.

O empreendedorismo individual e formal (MEI) surpreendeu com a ampliação do seu contingente durante os dois primeiros meses da pandemia, o que parece antecipar uma tendência que deverá permanecer após a crise, em razão da tendência à uma menor geração de empregos no cenário futuro, indicando também que os negócios baseados em soluções digitais, bastante demandados durante a crise, deverão liderar a criação de novos postos de trabalho, por meio do empreendedorismo. A estabilidade dos servidores públicos mostrou-se importante fator de manutenção de parcela expressiva da massa salarial, contribuindo para preservar a demanda de bens e serviços.

A persistência da pandemia, em razão da rigidez da curva de contaminação que permanece em alta na maioria dos estados e regiões do país, indica o prolongamento da crise e projeta a necessidade do aperfeiçoamento na concepção e implementação das ações de combate aos efeitos das medidas sanitárias, tendo em vista lograr melhores resultados em termos de custo benefício para o processo de manutenção e retomada da atividade econômica.

Ao que tudo indica, a despeito da pressão empresarial para maior flexibilização ou liberação do isolamento social, medidas restritivas deverão ser impostas em novos períodos, dada a disseminação da doença nas comunidades de mais baixa renda, onde a velocidade de contaminação deverá ser maior, afetando ainda mais os segmentos mais vulneráveis da população.

Os dados do mercado de trabalho até o mês de abril não permitem ainda projetar uma curva de tendência para os meses vindouros. Têm-se a impressão de que o mês de maio ainda será de forte queda, uma vez que empresas e trabalhadores ainda estavam em processo de adaptação ao modus operandi exigido pela conjuntura de crise. Já o mês de junho poderá apresentar uma reação mais positiva, em razão de uma melhor adequação aos padrões operacionais de respeito à prevenção, somados à flexibilização parcial das medidas sanitárias, principalmente nas capitais.

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O aperfeiçoamento das ações de preservação do emprego e da renda nesse cenário deve ser bem avaliado. O Auxílio Emergencial, como antes analisado, pode estar levando a um gasto excessivo no provimento de reposição da renda, cujos valores estão bem acima da redução ocorrida na massa de rendimentos do trabalho, especialmente se consideradas apenas as categorias mais vulneráveis do mercado. Direcionar os gastos com mais foco, restringindo, por exemplo, aos beneficiários do Bolsa Família, comprovadamente de baixa renda, por meio da complementação do benefício já concedido, pode ser uma estratégia de meio termo para o enfrentamento dos próximos meses.

Por seu turno, os programas de apoio a micros e pequenas empresas e empreendedores individuais devem ser aperfeiçoados e ampliados ao máximo, pois se referem à manutenção do setor produtivo, que não deve sofrer reduções drásticas, hipótese em que se cria um ciclo vicioso de desemprego, ampliando cada vez mais a necessidade de gastos com reposição de renda. A tendência neste ciclo é a de manter a demanda de bens e serviços por meio de benefícios, descuidando-se da capacidade produtiva para suprir essa demanda, dada a inadimplência dos empregadores.

Considerando o desafio de enfrentar o duplo choque de demanda e oferta na economia, a avaliação preliminar das ações de governo até o momento leva a crer que o socorro pelo lado da demanda tem sido não só mais rápido e efetivo, mas provavelmente também acima do necessário, dadas as dificuldades de se operar com foco nos segmentos mais atingidos pela crise. O Auxílio Emergencial vem atuando como benefício de renda social para a população, de forma ampla.

Já pelo lado da oferta de bens e serviços por parte de empresas e empreendedores, o apoio ainda não tem sido efetivo e pode provocar um desequilíbrio que irá dificultar ainda mais a retomada da atividade produtiva, pelo elevado número de empresas que podem ser prejudicadas. Além disso, a demora no socorro efetivo às empresas tende a aumentar a pressão dos empregadores pela abertura econômica, como reação pela sobrevivência.

Notas

[1] Cientista Social formado pela UNESP, Mestre em Políticas Públicas pelo Departamento de Serviço Social-UnB, Especialista em Sociologia pelo Departamento de Sociologia-UnB, Especialista em Gestão de Políticas Públicas de Emprego pelo CESIT/UNICAMP. EPPGG da 16ª turma, o autor tem passagens pela Secretaria de Trabalho do GDF (Diretor de Planejamento e Pesquisa), Ministério do Planejamento (Gerente de Projetos), Ministério do Trabalho e Emprego (Coordenador Geral de Cadastros, Identificação Profissional e Pesquisas e Diretor de Emprego e Renda).

[2] No caso brasileiro, levando em conta a agregação setorial adotada na divulgação da PNADc, as atividades de alto risco são Comércio e Reparação de Veículos; Indústria de Transformação e Serviços de Alojamento e Alimentação.

[3] Informação, Comunicação, Financeiros e Seguros, Imobiliários, Profissionais e Administrativos; Outros Serviços e Transporte e Armazenagem.

Referências

Balanço do Auxílio Emergencial, disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-05/caixa-pagou-r-766-bilhoes-em-auxilio-emergencial.

Boletim de Informações FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS-FIPE, Nº 476 Maio / 2020, disponível em https://downloads.fipe.org.br/publicacoes/bif/bif476.pdf.

OIT. ILO Monitor 2nd edition: COVID-19 and the world of work. Updated estimates and analysis, disponível em https://www.ilo.org/global/topics/coronavirus/impacts-and-responses/WCMS_740877/lang--en/index.htm.

OIT. ILO Monitor 3nd edition: COVID-19 and the world of work. Updated estimates and analysis, disponível em https://www.ilo.org/global/topics/coronavirus/impacts-and-responses/WCMS_743146/lang--en/index.htm.

OIT. ILO Monitor 4nd edition: COVID-19 and the world of work. Updated estimates and analysis, disponível em https://www.ilo.org/global/topics/coronavirus/impacts-and-responses/WCMS_745963/lang--en/index.htm.

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua-PNADc/IBGE, diversos trimestres, disponível em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/condicoes-de-vida-desigualdade-e-pobreza/17270-pnad-continua.html?=&t=o-que-e

MONICA RODRIGUES