Entrevista: Augusto de Franco
1. Por favor, explique o que é a cocriação.
Cocriação é o processo pelo qual várias pessoas interagem para criar alguma coisa. Na verdade, toda criação é uma cocriação. Porque nenhuma ideia nasce do nada. Uma ideia é sempre um clone de outras ideias.
2. Você diz que é preciso “reinventar” o processo de cocriação, cujo emprego original do termo se deu no âmbito corporativo e do marketing empresarial – e designava o desenvolvimento em conjunto de novos conceitos, produtos ou serviços. Como seria essa “reinvenção”?
A reinvenção do conceito de cocriação (que derivou do velho conceito de coprodução) fez-se necessária quando descobrimos que o processo criativo depende da interação e quando descobrimos (a partir do final dos anos 90, com o florescimento da NovaCiência das Redes) a fenomenologia da interação. Um dos fenômenos interativos descobertos foi o “cloning” (imitamento). As ideias são frutos da interação (e “cloning” é um fenômeno da interação). Uma das principais consequências dessa descoberta é que quanto mais abertura à interação houver, mais liberdade criadora terá o criador-coletivo, quer dizer a rede social.
É a rede social (stricto sensu, não as mídias sociais, como Twitter e Facebook) que cria e é este o significado mais profundo da cocriação. É um fenômeno de rede, quer dizer, da pessoa (conectada), não do indivíduo (isolado). A partir dessa e de outras descobertas, concluímos que o fundamental é configurar ambientes favoráveis à livre-interação para ensejar o surgimento de ideias inovadoras e não escolher de antemão e reunir artificialmente pessoas avaliadas como inovadoras. Todas as pessoas são criativas e inovadoras, dependendo do ambiente no qual estão interagindo.
3. Como se aplica a cocriação no ambiente da administração pública?
O processo de cocriação se aplica em qualquer ambiente social (quer dizer, conformado pelas relações entre pessoas). A administração pública é composta por pessoas interagindo. Então o processo funciona do mesmo jeito como funciona em uma empresa ou em uma organização da sociedade civil.
4. Como a administração pública pode absorver a questão da formação
de redes, necessária ao conceito de cocriação?
Quando experimentamos processos de cocriação já estamos "fazendo rede". Sim, porque redes sociais nada mais são do que pessoas interagindo. Não são ferramentas. Não são tecnologias. As ferramentas tecnológicas podem ajudar o netweaving (quer dizer, a articulação e animação de redes voluntariamente construídas). Por exemplo, ferramentas tecnológicas de comunicação em tempo real podem acelerar o processo, tornar mais caudaloso o fluxo interativo e, assim, possibilitar a emergência de fenômenos interativos (como o “clustering”, o “swarming”, o “cloning”, o “crunching”, as reverberações, os “loopings et coetera”).
5. O senhor afirma que o próprio ser humano é fruto de cocriação, sob os aspectos biológico e cultural, o que torna o conceito uma forma de compreender os fenômenos da interação social. Como se potencializa a cocriação em uma sociedade mediada pela internet?
Sim. A pessoa, o complexo biológico-cultural que chamamos propriamente de ser humano (que é diferente do indivíduo biológico da espécie que carrega o genoma humano), é fruto da interação com outros humanos. A genética determina o humanizável mas não consuma o humano. Ninguém pode ser humano sem interagir com outros seres humanos (embora só possa ser humano quem tenha a necessária base biológica, o genoma humano). Em uma sociedade com tecnologias interativas como a Internet, os ambientes sociais aumentam seus graus de interatividade. A interatividade acompanha a conectividade. E a conectividade acompanha a distribuição. Então tecnologias mais distribuídas, que possibilitam mais conectividade e, consequentemente, mais interatividade, aumentam a capacidade de cocriação das sociedades ou das sociosferas onde estão sendo usadas.
6 Ao lançar a pergunta-chave: “Se você pudesse mudar apenas uma coisa na carreira de gestor público, que mudança seria essa?”, o que você espera dos participantes e como você conduzirá os trabalhos nas etapas presenciais (realizadas antes do encontro) e virtuais (via plataforma de redes online Ning)?
Na verdade essa é uma pergunta genérica dirigida a todos os gestores públicos, estejam ou não organizados em grupos de trabalho específicos. Ela tem como objetivo descobrir os principais desejos de cada um e, a partir da interação entre esses desejos, compor um quadro sistêmico dos desejos da categoria. É importante que cada gestor escolha o seu principal desejo (por isso a pergunta é: "se você pudesse mudar apenas uma coisa..." ) e não uma lista de reivindicações baseadas predominantemente em interesses do tipo aumento de remuneração, melhoria das condições de trabalho etc. O desejo fundamental de cada um expressa alguma coisa mais profunda, relacionada à sua realização pessoal. E é essa energia das coisas fundamentais o principal combustível para um movimento criativo, de mudança.
Espera-se que os participantes possam expressar livremente seus desejos em pequenos grupos e que de cada grupo saia um desejo ou um conjunto de desejos capazes de expressar um sintonia fina, uma sinergia. Em outras palavras, esse é um processo emergente, em que os delineamentos de uma proposta consistente para a carreira dos gestores brotem realmente a partir dos seus desejos, de seus sonhos, de suas visões de futuros desejados.
O encontro será conduzido sem coordenação centralizada. As pessoas chegam, vão sentando aleatoriamente em pequenas grupos e iniciam uma conversação sobre o desejo pessoal escolhido como principal por cada um. De cada mesa sairá um desejo ou uma lista de desejos capaz de sintetizar ou expressar, com assentimento de todos, o que seria realmente fundamental para aquele grupo. Os resultados de todos os grupos não serão sintetizados, mas comporão um quadro geral. As conexões entre os elementos desse quadro fornecerão então a moldura para a formulação do documento (Carta de intenções), cujo conteúdo será fornecido pelo processo subsequente de discussão sobre as perguntas provocativas elaboradas pelos GTs. A carta de intenções será então submetida ao Congresso.
7 - Como funciona a plataforma Ning e como será nela ambientado o processo de cocriação?
A plataforma Ning é apenas uma plataforma interativa web, aberta aos participantes inscritos do congresso. Nela o participante cadastrado poderá navegar para conhecer o que a ANESP está fazendo em relação ao Congresso; interagir com as pessoas conectadas; e, sobretudo, responder as perguntas formuladas pelos três Grupos de Trabalho. Qualquer pessoa conectada pode responder as perguntas que quiser, inclusive em mais de um grupo. As respostas fornecerão o material para a formulação do conteúdo da carta de intenções. Na plataforma Ning os participantes também terão acesso a todo material de informação e formação produzido (Notícias e Textos de Apoio) e ficarão a par do calendário dos eventos preparatórios, podendo confirmar presença, tirar dúvidas etc.
8 – Com o subtítulo “O Estado para o cidadão”, o Congresso Brasileiro de Gestores Públicos reunirá gestores dos três entes federativos (federal, estadual e municipal). Como a cocriação pode ampliar as relações entre essas diferentes esferas e também entre o poder público e as cidadãs e os cidadãos brasileiros?
Pessoas que criam juntas criam vínculos fortes e fracos entre si. Os vínculos fracos (não funcionais, não parentais, não grupais) são desproporcionalmente importantes para a formação de redes. Os acontecimentos recentes, no Brasil e em numerosas localidades do mundo, estão mostrando que o Estado precisa refundar seu pacto com os cidadãos e que isso só será feito se conseguir estabelecer uma sintonia com os desejos das pessoas.
Quanto mais conectado por dentro e para fora estiverem os entes estatais, mais fácil obter tal sintonia. Se o Estado permanecer como um castelo - uma estrutura vertical - separado por um fosso da sociedade, mais difícil será obter tal sintonia. Em outras palavras: quanto mais rede houver no Estado, mais adequação à emergente sociedade em rede haverá.
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