Tragédia de Manaus: a escolha por não gerir

No último dia 14 de janeiro, quando a crise de saúde pública em que o país está mergulhado mostrou, em Manaus, uma de suas faces mais cruéis, muitos cidadãos se mobilizaram para contribuir com dinheiro para a aquisição de cilindros de oxigênio, suprimento indispensável ao atendimento à população contaminada com covid-19.

É essencial observar que as mortes dos doentes, o desespero de seus familiares, e a dor que foram compartilhadas ontem com o restante do país não foram causados pela falta de recursos orçamentários e financeiros.

Houvesse um bom mecanismo de gestão já consolidado após 10 meses de pandemia, com mais de 207 mil mortes confirmadas e 8,3 milhões de casos, um monitoramento de indicadores locais das cidades e regiões mais vulneráveis – como Manaus demonstrou ser em março e abril de 2020 – e um acompanhamento responsável dos estoques de suprimentos, teria sido possível mitigar a tragédia de Manaus desse janeiro de 2021.

Como cabeça do Sistema Único de Saúde, e graças ao processo de construção e consolidação desse sistema, está à disposição do Ministério da Saúde uma estrutura de coordenação de políticas públicas de saúde, baseada não somente em infraestrutura, mas também em regras postas de fluxos e procedimentos.

Uma vez declarada a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da covid-19 pela Portaria do Ministério da Saúde nº 188, de 3 de fevereiro de 2020, ao Ministro foram adicionalmente conferidos, dentre outros, os poderes de requisição de “bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização”, bem como a de contratar “profissionais de saúde por tempo determinado e em razão de excepcional interesse público”.

O atual Ministro da Saúde, indicado ao cargo por ser General do Exército Brasileiro, ao chegar no Ministério ainda como Vice-Ministro, encontrou já instalado um “Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE-nCoV) como mecanismo nacional da gestão coordenada da resposta à emergência no âmbito nacional”, com a competência de “planejar, organizar, coordenar e controlar as medidas a serem empregadas durante a ESPIN”, bem como “articular-se com os gestores estaduais, distrital e municipais do SUS”.

É necessário identificar os responsáveis pelo tratamento cruel e degradante recebido pelos pacientes que estão falecendo por asfixia em Manaus. Mas a prioridade, neste momento de urgência, tem que ser atenuar o problema, se não resolvê-lo completamente, e evitar que a tragédia se repita.

O Brasil e o Estado brasileiro são muito melhor preparados do que se faz perceber no momento. Muito do sofrimento, das sequelas que pacientes recuperados de covid-19 podem desenvolver e dos óbitos poderiam ter sido prevenidos.

A Associação Nacional de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental estende seu pesar a famílias e amigos dos que faleceram, e, infelizmente, ainda falecerão em função desta pandemia. Ao mesmo tempo, por sabermos que a estrutura do governo federal e seus mecanismos teriam plenas condições de reduzir significativamente o sofrimento atualmente imposto à população brasileira, manifestamos também nossa profunda insatisfação à desonra que o curso de ação das autoridades públicas, ao se abster de optar por uma atuação adequada, traz sobre o serviço público profissional e especializado.


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