Saída para a crise fiscal passa por taxar maiores rendas

A necessidade de cobrir os gastos públicos demandados pelos investimentos em saúde e por medidas de proteção econômica durante a crise da Covid-19 faz ressurgir o debate sobre confisco nos salários de servidores públicos. Propostas que vêm sendo apresentadas tanto pelo Executivo quanto pelo Legislativo, contudo, parecem não levar em conta o contexto amplo do financiamento do Estado brasileiro. Estudos mostram que cobrar dos mais ricos, independente de sua atuação ser na iniciativa privada ou no serviço público, pode trazer resultados mais eficientes.

Na terça-feira (9), Jair Bolsonaro condicionou a manutenção do auxílio emergencial em R$ 600 por mais dois meses a cortes de salário dos parlamentares - caso contrário, as duas parcelas serão de R$ 300. É de conhecimento amplo que a redução do salário dos parlamentares não resolve a questão fiscal: como reporta a Folha de S.Paulo, se deputados e senadores zerassem sua remuneração (R$ 20,1 milhões mensais), não seria possível pagar nem mesmo R$ 0,25 por mês aos beneficiários.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também seguiu essa linha, dispondo-se a debater um confisco temporário nos salários do funcionalismo público federal. Já a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), aliada de Bolsonaro, procura assinaturas para uma PEC que confisca 25% dos salários de políticos e servidores dos três poderes que ganham acima de R$ 15 mil por mês.

Há, no entanto, uma maneira mais racional e justa de cobrir os gastos com a pandemia. 

Uma proposta publicada por diversas entidades fiscais propõe medidas que, somadas, poderiam ser responsáveis pela arrecadação adicional de R$ 272 bilhões/ano. Isso é 55% mais do que Maia afirma ser o gasto total dos poderes Executivo e Legislativo com pessoal por ano. Ou seja, nem mesmo a hipótese absurda de zerar os gastos com pessoal do Executivo e Legislativo surtiria tanto efeito em termos fiscais.

Alguns dos pontos dessa proposta, intitulada “Tributar os ricos para enfrentar a crise” ilustram isso. A criação da Contribuição Social sobre Altas Rendas das Pessoas Físicas (CSPF), incidente sobre rendas mensais superiores a R$ 80 mil, resultaria em R$ 72 bilhões/ano. Alíquotas adicionais temporárias da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), com incidência de 30% sobre instituições financeiras, teriam impacto estimado de R$ 36 bilhões/ano. A criação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto em Constituição, com alíquotas de 1%, 2% e 3% sobre patrimônios que excederem, respectivamente, R$ 20 milhões, R$ 50 milhões e R$ 100 milhões geraria R$ 40 bilhões anuais.

Somente aí, tributando rendas superiores a R$ 80 mil mensais (0,7% da população), instituições financeiras e fortunas superiores a R$ 20 milhões, seria possível arrecadar o equivalente a quase três meses de pagamentos de auxílio emergencial de R$ 600. Alterações no Imposto de Renda da Pessoa Física, com alteração da tabela progressiva, poderiam resultar ainda em mais R$ 120 bilhões/ano oriundos da taxação de rendimentos superiores a 60 e 80 salários mínimos por mês. Isso já pagaria quase quatro meses de auxílio emergencial.

É preciso buscar saídas para superar essa crise, em um momento em que o Estado deve investir para garantir atendimento de saúde adequado e preservar a renda e o emprego. As saídas existem e passam por tributar aqueles que mais têm. A redução de salários de servidores é uma alternativa de impacto fiscal inferior, traz risco à prestação de serviços públicos e tem efeito recessivo e contracionista.