No Brasil, ultraprocessados matam mais que homicídios, trânsito e câncer de mama, estima EPPGG

Em 2019, o total de homicídios no Brasil foi de 45,5 mil. Acidentes de trânsito tiraram 30 mil vidas. Câncer de mama e de próstata, somados, vitimaram 33 mil pessoas. Superior a estes números, o consumo de alimentos ultraprocessados pode ter causado 57 mil óbitos naquele ano. A estimativa é feita em estudo realizado pelo EPPGG Eduardo Nilson, em conjunto com pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo), da Fiocruz, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e da Universidad de Santiago de Chile. Os resultados foram publicados no American Journal of Preventive Medicine.

O estudo pioneiro calculou o número de mortes prematuras (de 30 a 69 anos) associadas ao consumo de ultraprocessados a partir de dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE e de dados demográficos e de mortalidade para 2019. Ao todo, 541,1 mil pessoas de 30 a 69 anos morreram no Brasil em 2019. Desse total, 57 mil – ou 10,5% – foram associadas ao consumo de ultraprocessados. A maioria das mortes atribuíveis a esses alimentos ocorreu entre homens (60%) e, em relação à faixa etária, os óbitos foram mais numerosos entre pessoas entre 50 e 69 anos (68%).

Alimentos ultraprocessados incluem refrigerantes, bebidas lácteas, salgadinhos, sorvetes, bolachas, macarrão instantâneo, nuggets de frango e peixe, salsichas, hambúrgueres e outros produtos de carne reconstituída, entre muitos outros produtos. Segundo o Nupens/USP (Núcleo de Pesquisas em Nutrição e Saúde), “não são propriamente alimentos”, mas sim formulações de substâncias obtidas por meio do fracionamento de alimentos in natura e adição de corantes, aromatizantes, emulsificantes, espessantes e outros aditivos que dão às formulações “propriedades sensoriais” semelhantes às encontradas nos alimentos originais.

“Há vários mecanismos pelos quais os ultraprocessados podem afetar a saúde: há discussões sobre mudanças na absorção dos nutrientes, além de evidências de que os ultraprocessados têm mecanismos inflamatórios e de que estão relacionados a alterações na microbiota intestinal. E há também o que chamamos de neocontaminantes, já que tanto o processo de fabricação quanto as embalagens dos ultraprocessados podem gerar ou introduzir contaminantes químicos nos alimentos”, explica Nilson.

Políticas públicas e estímulo ao consumo de alimentos saudáveis

O estudo estima que a redução do consumo de ultraprocessados em 20% significaria 12 mil mortes a menos por ano no Brasil; já uma redução de 50% significaria 29 mil vidas poupadas. “Isso implica políticas de subsídios, compras institucionais de alimentos e fortalecimento da agricultura familiar. E o Brasil já teve políticas muito fortes em relação a isso”, recorda Nilson.

Contudo, o que se observa é o movimento contrário: segundo a última POF – que englobou os anos de 2017 e 2018 –, em média 19,7% das calorias ingeridas pelos brasileiros vêm de ultraprocessados. “A gente vê uma tendência de crescimento dos ultraprocessados substituindo a dieta tradicional. Há vários motivos para isso, mas um fator determinante é, sem dúvidas, o preço: temos estudos mostrando que há uma tendência de redução nos preços dos ultraprocessados, enquanto o de alimentos frescos, in natura e minimamente processados está crescendo. Isso é muito cruel porque afeta principalmente as populações de menor renda, mais vulneráveis”, analisa o EPPGG.

Este ano, aliás, pela primeira vez na história, os ultraprocessados estão se tornando em média mais baratos do que os alimentos frescos. “Se chegarmos ao nível dos Estados Unidos, onde os ultraprocessados já representam em média 57% do consumo calórico, podemos ter, todos os anos, 194 mil mortes por conta desses produtos”, afirma Nilson.

A íntegra do estudo, publicada em inglês, pode ser conferida aqui.

Leia reportagem d’O Joio e O Trigo sobre o estudo.


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