Estudo do BID vê melhora no serviço público brasileiro

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) lançou um novo relatório em que disseca o serviço público brasileiro: características de contratação, suas lógicas de funcionamento, eficiência, sistemas de avaliação, entre outros temas, são debatidos pelo autor Felipe Drumond no estudo “Diagnóstico institucional do serviço público na América Latina: Brasil (2024)”.

A boa notícia é que, na comparação com os dados anteriores, de 2014, o Brasil melhorou seu desempenho em quatro de cinco categorias avaliadas; e em nenhuma houve piora. A única categoria em que houve manutenção da avaliação de dez anos atrás foi a de “mérito”, que mede o nível em que o sistema de gestão de pessoas incorpora garantias de uso de critérios de profissionalismo que aumentam a competitividade e a transparência para selecionar o candidato mais adequado para o cargo. Esta é, contudo, a categoria com nota mais alta desde o primeiro levantamento do BID, de 2004.

Além de “mérito”, os índices de qualidade do serviço público avaliados foram: “eficiência”; “consistência estrutural”; “capacidade funcional”; e “capacidade integradora”. A média destes índices gerou o índice de desenvolvimento do serviço público, que mede o desenvolvimento global da gestão de pessoas na administração pública: “Em linhas gerais, no contexto regional, o país [Brasil] continua se destacando pela base de seu serviço público profissional, composta por quadros permanentes e selecionados pelo mérito. Essa característica foi essencial para percepção de qualidades do sistema de gestão de pessoas fundamentais para os avanços obtidos, como: (I) capacidade de aprendizado; (II) estratégia de contorno de limitações legais; e (III) criação de redes de suporte para implementação em larga escala”, afirma Drumond.

Desigualdades persistem

Entre os diagnósticos, algumas desigualdades presentes historicamente no serviço público nacional vieram à tona outra vez – a desigualdade salarial em termos de gênero e de raça, por exemplo. O estudo mostra que, em 2000, homens brancos contavam com uma remuneração 50,4% maior do que a de mulheres negras. Em 2020, esse percentual era de 50,9% – ou seja, ainda maior.

Segundo o estudo, a desigualdade gênero/raça se expressa também na ocupação de cargos de chefia: “Um estudo publicado no Observatório de Pessoal apresenta que, em fevereiro de 2023, as mulheres representavam 45% da força de trabalho total do serviço público e, deste percentual, 37,7% ocupavam os cargos de média direção (referência DAS-1 a DAS-4) e 31,5% dos cargos de alta direção (DAS-5, DAS-6 e NES). As pessoas negras, 38,5% de todos os funcionários, são 32,7% dos profissionais de média e 29,2% dos de alta direção”. O destaque negativo é em relação às mulheres negras, que compõem menos de 10% dos cargos mais elevados.

Mas uma ressalva é feita pelo autor: “De 2019 para 2023, o percentual de homens e mulheres em cargos de média liderança se manteve o mesmo. Por outro lado, identificou-se aumento de 26% para 33% de mulheres em cargos de alta liderança em 2023”.

Sistema de avaliação e PGD

O Programa de Gestão e Desempenho (PGD), cujo projeto de implementação é coordenado pelo EPPGG Roberto Pojo, ganhou destaque entre os sistemas de avaliação comentados no relatório: “Embora tenha se somado às distintas avaliações em curso, o PGD gerou ganhos até então não existentes. O seu modelo baseado na pactuação de entregas entre chefias e suas equipes trouxe fatores de mensuração possíveis. Assim, gestores obtiveram insumos para avaliar suas equipes, podendo realizar feedbacks e encaminhamento a programas de desenvolvimento. A não associação a incentivos financeiros ou ao desligamento (caso da avaliação de servidores em estágio probatório), também contribui para menores distorções do instrumento. Destaca-se ainda que a padronização da solução tecnológica permitiu a melhor gestão pelo órgão e o acompanhamento pela unidade central”, afirma Drumond.

Combate ao assédio

O relatório indica uma melhora em relação à forma com que casos de assédio estão sendo tratados dentro da máquina pública. Isso porque, em 2023, a Lei nº 14.540/2023 tornou obrigatório que toda administração pública, direta ou indireta, crie programas de prevenção e enfrentamento ao assédio sexual e demais crimes contra a dignidade sexual. Atualmente, o tema é objeto de Grupo de Trabalho Interministerial, ou seja, passou a ser tratado de maneira interdisciplinar.

Comentando sobre tal melhora, Drumond recorda que antes, em 2019, “a Controladoria-Geral da União observou a ausência de padrão no enquadramento das condutas de assédio moral. Nos 270 processos administrativos disciplinares selecionados, para estudo temático, identificou-se, pelo menos, 18 enquadramentos legais distintos. Além da lacuna legislativa, no âmbito administrativo, notou-se a ausência de instrumentos desenhados para receber, apurar e apresentar soluções adequadas às denúncias de assédio, como mecanismos de proteção ao servidor denunciante, inclusive contra atos de retaliação, e canais de denúncias específicos”.

Média salarial e comparação com o mercado privado

O estudo também apresenta a evolução da média salarial dos servidores públicos brasileiros. A comparação proposta com o mercado privado ajuda a desconstruir acusações de que os servidores ganham desproporcionalmente bem – o cenário, na verdade, é o contrário. Por exemplo, uma pessoa ocupando um cargo de direção ganha em média 78% mais no mercado privado do que no serviço público; lógica que se repete em cargos mais baixos (um chefe de divisão ganha o dobro no mercado privado, aponta o estudo).

Recomendações do BID

Por fim, o estudo do BID faz recomendações a fim de melhorar os fatores ainda mal avaliados no serviço público brasileiro. Entre elas, a flexibilização da gestão do quadro de pessoal, tomando como base o controle do orçamento; a reorganização do sistema de carreiras com base em avaliações e critérios técnicos; e a instituição de uma política de seleção e gestão de cargos de direção.

“A excelência dos serviços públicos é um dos fatores cruciais que explicam a capacidade do Estado em fornecer bens e serviços de melhor qualidade, contribuindo para o crescimento econômico, redução da pobreza e o fortalecimento da confiança na gestão governamental. Este cenário pressupõe que um dos desafios mais significativos no âmbito público é a aplicação de uma gestão estratégica, alinhando as atividades dos servidores públicos com a estratégia institucional e as prioridades do governo, de maneira integral. Isso envolve a combinação de políticas abrangentes, incluindo planejamento, recrutamento, gestão de desempenho, desenvolvimento profissional e incentivos, entre outros, para fortalecer o serviço público”, escreve Drumond.

Leia a íntegra do relatório.