Diálogos Públicos: o fim das políticas para as mulheres?

Na coluna Diálogos Públicos, parceria entre ANESP e UOL, a EPPGG Carolina Tokarski reflete sobre o futuro das políticas públicas para mulheres no Brasil. Segundo ela, ações isoladas da gestão federal podem ser identificadas desde os anos 1980, mas somente a partir dos anos 2000 que elas se avolumam e é possível falar de uma política nacional para mulheres. Contudo, em 2015 há um congelamento das ações e, de 2019 para cá, apenas ações de desmonte: “Desde 2019, [as políticas para mulheres] vêm sendo progressivamente desmontadas no âmbito do Governo Federal. Será que estamos caminhando em direção ao fim das políticas para as mulheres no Brasil enquanto um arranjo coordenado de iniciativas multisetoriais?”, questiona Tokarski.

Também assinam o texto Luana Pinheiro, doutora em sociologia pela UnB, e Ranna Mirthes Sousa Correa, doutoranda em antropologia pela UFRGS. Leia a íntegra.

“Se olharmos para essas ações a partir do executivo federal e da literatura internacional que têm se detido a estudar o desmonte de políticas públicas, a resposta parece ser um triste sim”, continuam as autoras. Ao longo do texto, elas buscam entender, então, como o desmonte tem se dado. É com este fim que analisam dois momentos distintos: um ciclo de estagnação e de retração do orçamento liquidado e das políticas executadas pela Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM), entre 2015 e 2018; e, a partir de 2019, um ciclo que nomeiam “Desmonte das políticas para as mulheres no Brasil”. Neste período, além da manutenção do rebaixamento hierárquico da pasta, que já teve status de ministério e hoje é apenas mais uma dentre as oito secretarias que integram o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), a SNPM retrocedeu a patamares orçamentários semelhantes aos anos de sua criação, no início dos anos 2000, e importantes políticas têm sido descontinuadas.

As autoras apontam que instrumentos relevantes de gestão das políticas públicas para as mulheres foram destruídos, em especial: o desmonte da capacidade de transversalização da equidade de gênero e da articulação das políticas para as mulheres junto a outros órgãos da Administração Pública Federal e entes subnacionais; a diminuição dos recursos humanos envolvidos na execução da política; e o esvaziamento de princípios indispensáveis para a construção da política para as mulheres no Brasil, como a interseccionalidade com a questão racial, a busca pela equidade de gênero e a incorporação da participação social em todas as etapas da política.

“Mesmo direitos e conquistas mais consolidados e 'protegidos' até mesmo em termos normativos também têm sido ameaçados e questionados”, denunciam. Elas exemplificam esta situação com o entendimento contido em cartilha publicada pelo Ministério da Saúde para profissionais e serviços de saúde que sugere a investigação criminal das mulheres que interromperem a gravidez mesmo nas hipóteses legais de risco à morte materna e decorrente de estupro – previstas em lei desde 1940 – e na gestação de feto anencéfalo, autorizada pelo STF desde 2012.

“A lição que se tira da experiência dos últimos anos é que é sempre possível retroceder quando se trata de políticas para a igualdade de gênero”, concluem. “Não importa o quanto se tenha caminhado, o quanto as políticas reflitam demandas dos movimentos de mulheres e expressem conquistas de toda a sociedade, essa é uma agenda sujeita a chuvas e trovoadas”. Para as autoras, a reconstrução de uma política para as mulheres precisa caminhar junto a um entendimento da sociedade e dos governos de que os direitos das mulheres são “inalienáveis e constituem parte integral e indivisíveis dos direitos humanos universais”.


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