Dia do meio ambiente: retrocessos marcam o Brasil nos últimos anos

Márcia Muchagata, EPPGG e diretora da ANESP

 

Uma das áreas em que as políticas públicas mais acumulam retrocessos desde a posse do Presidente Jair Bolsonaro é a de meio ambiente. Seu ministro, Ricardo Salles, já chegou ao posto com credenciais apropriadas para lutar contra a conservação ambiental, já tendo sido condenado por fraudar um plano de manejo de unidade de conservação, beneficiando empresas de mineração, durante sua gestão à frente da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo.   

Desde então, o governo tem se esforçado para desmantelar as estruturas dos órgãos ambientais. Instituições como o Serviço Florestal Brasileiro e a Agência Nacional de Águas foram transferidas para outros ministérios, secretarias do MMA foram alteradas ou extintas e cargos foram ocupados por pessoas com pouca experiência e militares. Por exemplo, toda a diretoria do ICMBio e a chefia de várias unidades de conservação foram entregues a policiais militares. Em 2020 foi criado um grupo de trabalho para estudar a fusão entre o IBAMA e o ICMBio.  A possível fusão vai promover a descontinuidade das ações desenvolvidas, diminuição da sua eficácia de gestão e provavelmente levaria à paralisação de atividades no curto prazo. Caso a Reforma Administrativa proposta pelo governo fosse aprovada sem alterações, o presidente poderia extinguir IBAMA e ICMBio sem consulta ao Congresso.

Em 2019, um decreto reduziu a composição do Conselho Nacional de Meio Ambiente, órgão deliberativo que estabelece diversas normas ambientais, como o licenciamento de atividades poluidoras, praticamente pondo fim à participação social em matéria ambiental.  Os assentos das ONGs, drasticamente reduzidos, são agora definidos por sorteio e o colegiado passou a atuar, na prática, como órgão de governo, já tendo derrubado resoluções que restringiam desmatamento em manguezais e restingas, entre outras decisões consideradas absurdas por ambientalistas. Outra estrutura colegiada, como o Fundo Nacional do Meio Ambiente, agora não tem mais representantes da sociedade civil.

Mais de 50 atos normativos, tanto do ministério quanto de outros órgãos do governo federal, enfraqueceram a gestão ambiental, como por exemplo as normas que dispensaram de reflorestamento as áreas de preservação permanente que foram desmatadas, mesmo que ilegalmente, ou as que concederam autorizações temporárias de pesca a empresas pesqueiras.

As áreas protegidas estão sob constantes ameaças, uma vez que o próprio Presidente da República fala em alteração de categorização de unidades de conservação, como o caso da Estação Ecológica Tamoios, que ele quer transformar na “Cancun Brasileira” e onde ele foi multado por pesca ilegal.  Na esteira das propostas do governo federal vários Projetos de Lei estão no congresso, propondo a diminuição de várias unidades ou a permissão para ações incompatíveis com a conservação, como a Estrada do Colono, no Parque Nacional do Iguaçu.

Em Rondônia, governo e legisladores locais diminuíram unidades de conservação no estado em mais de 200 mil hectares. O processo de concessões de uso público para a iniciativa privada em parques nacionais, embora previsto na Lei, é visto com desconfiança, já que a capacidade de fiscalização está enfraquecida e os processos de consulta foram bastante limitados. A certeza de que madeireiros, garimpeiros e grileiros contam com apoio do governo federal tem levado a invasões constantes e sérios conflitos. Em Rondônia, nessa semana, brigadistas do ICMBio que trabalham na Estação Ecológica do Maracá foram sequestrados por garimpeiros que invadiram a estação.

Desmatadores têm sido estimulados pela redução da fiscalização e houve queda de 70% na aplicação de multas ambientais entre março e agosto de 2020. O decreto nº 9.760/2019 aumentou a burocratização do processo e na prática representa uma anistia antecipada às infrações ambientais.

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A consequência é recorde de desmatamento na Amazônia. O desmatamento em março foi o maior em 10 anos, com 810 km² de floresta eliminados. Na Mata Atlântica, o desmatamento cresceu, em 2020, quase 30% em relação ao ano anterior. Entre as respostas do governo federal ao desmatamento estão a demissão do presidente do Inpe por divulgar os dados, a censura às instituições e a diminuição da transparência das informações. 

A situação tende a piorar, uma vez que o Ministério do Meio Ambiente tem, em 2021, o pior orçamento em mais de uma década, com diminuição em praticamente todas as áreas, inclusive de recursos para fiscalização e para combates a incêndios florestais. E os recursos existentes são mal aplicados. Em 2020 as Forças Armadas receberam um orçamento 10 vezes maior que o do Ibama para atuação no combate ao desmatamento na Amazônia, com resultados questionáveis.

“Simplificar” o licenciamento ambiental tem sido uma das prioridades do governo federal e em 2021 a Câmara aprovou novas regras, dispensando de licenciamento vários tipos de obras, inclusive de atividades militares, e permitindo, em alguns casos, que empreendedores praticar o “auto-licenciamento”. O projeto segue agora para o Senado.

O Brasil, que já foi vanguarda e liderança nas negociações climáticas, hoje é um país visto com desconfiança e baixa credibilidade. Na negociação de metas em 2020 o Brasil retirou das metas acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia. Na Cúpula de Líderes de 2021, a revisão da Metas Nacionalmente Determinadas (NDC) foram consideradas defensivas, por não acrescentarem nada ao que foi assumido.

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O fim do programa Bolsa Verde, que apoiava extrativistas e agricultores na conservação da floresta ocorreu ainda no governo Temer. Durante o governo Bolsonaro nada foi colocado no lugar. Ao contrário, extrativistas e agricultores familiares tiveram perdas de mercados, inclusive dos mercados institucionais durante a pandemia, como por exemplo, diminuição de compras do Programa Nacional de Alimentação Escolar.  

No momento, o Ministro do Meio Ambiente e o presidente do Ibama estão sob investigação, acusados de estarem envolvidos na exportação ilegal de madeira. Ou seja, o atual governo não apenas não protege o Meio Ambiente, como é uma das principais forças que contribuem para a devastação ambiental.