Em entrevista, Carolina Sanchez defende que as pessoas com deficiência sejam operadores de direito

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No Brasil, quase um quarto da população é formada de pessoas com deficiência (PCDs), segundo último censo do IBGE. São 45 milhões de cidadãs e cidadãos que, diariamente, desafiam a sociedade a se preparar para garantir a elas o direito à equidade de condições e a oferecer ferramentas de inclusão nos mais variados ambientes e dimensões das relações sociais.

Promulgada em 2009, no Brasil, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi determinante para o país avançar neste tema. Seis anos mais tarde, em 2015, foi sancionada a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

O dia 3 de dezembro celebra a criação do Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência e é a data instituída pela ONU como Dia Internacional da Pessoa com Deficiência.

Nesta data, a ANESP convida a EPPGG Carolina Sanchez Gomes para uma entrevista sobre os desafios do Brasil para utilizar a inclusão como ferramenta de transformação social. Pedagoga de formação, ela cursou, na Universidade de Salamanca, na Espanha, o Máster en Integracion de Personas con Discapacidad. Atualmente ocupa o cargo de Secretária Executiva da Secretaria Extraordinária da Pessoa com Deficiência do Governo do Distrito Federal, a quem está cedida.

ANESP: Como pessoa com deficiência, como foi sua trajetória de vida para chegar até o momento atual?

CAROLINA SANCHEZ: Tenho uma doença rara neurológica e progressiva. A chamada Ataxia de Friedreich, que acomete principalmente a coordenação motora e o equilíbrio, resultou na minha deficiência. Os primeiros sintomas apareceram por volta dos 11 anos, mas só fui diagnosticada aos 18. Nessa época minhas dificuldades eram bastante leves. Conforme os obstáculos iam aparecendo, eu passei a sentir várias dificuldades. No ano 2000 tomei posse como EPPGG da 5ª Turma. Além de mim, faziam parte outras duas pessoas com deficiência – Erico e Izabel Maior –, de quem tive os ensinamentos e o incentivo para trabalhar, estudar e me dedicar à temática da pessoa com deficiência. Foi ali que entendi o quanto eu seria importante nesse trabalho. Desde então, durante esses quase 21 anos como EPPGG, trabalhei e continuo trabalhando com políticas públicas voltadas às pessoas com deficiência.

ANESP: De acordo com a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o termo “deficiência” é resultado da interação entre pessoas com impedimentos e as barreiras que impedem a plena participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades. Você concorda com esse conceito? Na sua opinião, quais as principais deficiências da sociedade hoje, frente aos desafios apresentados por pessoas com impedimentos diversos que buscam o pleno direito de uma vida digna?

CAROLINA SANCHEZ: Concordo sim. Até porque fui uma das representantes do Brasil nas discussões e elaboração da Convenção. Sempre foi uma luta do movimento das pessoas com deficiência do Brasil e do mundo inteiro de que a deficiência passasse a ser vista sob essa nova ótica de que a deficiência é o resultado da interação entre o(s) impedimento(s) do indivíduo e os obstáculos à sua participação social. Os desafios são muitos. Porém, eu resumiria todos eles com uma só palavra: inclusão. Incluir é aceitar e, sobretudo, respeitar a diferenças de cada indivíduo, proporcionando a ele a plena e incondicional participação efetiva na sociedade.

ANESP: Na sua opinião, como estava o Brasil naquele momento da Convenção e como está hoje, no que se refere aos desafios da inclusão da pessoa com deficiência?

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CAROL SANCHEZ: São quase 12 anos desde então e, na minha opinião, acho que a política avançou bastante, pois a Convenção foi traduzida na Legislação Brasileira, por meio da Lei Brasileira de Inclusão, sancionada em 2015. Ela fez toda diferença, porque incorporou na legislação nacional os ditames da Convenção. Ela foi fundamental também, pois trouxe algumas alterações na nossa legislação, para melhor. Como o que ocorreu na Política Nacional de Integração da Pessoa com Deficiência, que foi alterada em razão da Convenção e da Lei Brasileira de Inclusão, o que, na minha opinião, ficou muito melhor. Um exemplo disso é o que ocorreu com o Código Civil, que, antes não considerava como cidadão totalmente capaz a pessoa com deficiência intelectual, na época chamada mental. A Lei Brasileira de Inclusão modificou isso. Outro importante avanço está no artigo que trata como ato de improbidade administrativa “deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação vigente”. Enfim, a Lei Brasileira de Inclusão é muito completa. É preciso fazê-la ser colocada em prática. Para isso, todos temos que fiscalizar. Nós temos, hoje, um Ministério Público muito atuante. Cabe a nós, pessoas com deficiência, sermos os operadores de direito.  

ANESP: Como você avalia a efetividade da Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência e sua aplicação hoje no país?

CAROLINA SANCHEZ: Atualmente o Brasil dispõe de várias legislações das mais avançadas do mundo, na área da pessoa com deficiência. No entanto, ainda temos muito a avançar no que diz respeito à efetivação das políticas públicas voltadas às pessoas com deficiência, traduzidas pela promoção da acessibilidade, pela plena participação dos trabalhadores com deficiência no mercado de trabalho e pela garantia do cumprimento dos direitos e deveres desses cidadãos.

ANESP: Qual o caminho para fazer valer, hoje, todas essas leis?

CAROLINA SANCHEZ: O ponto principal para que a inclusão da pessoa com deficiência seja realmente incluída na nossa sociedade é fazer com que todo mundo conheça os direitos destas pessoas e as leis que regem esse princípio. Quando eu falo em todo mundo, eu estou me referindo a nós, pessoas com deficiência. Nós temos que falar para todo mundo e todo mundo tem que querer nos ouvir e querer ter um olhar mais amplo para todos nós. Um bom exemplo é esta entrevista. Muitos que não conhecem o que foi tratado aqui, a partir de agora passam a saber um pouco sobre esse assunto. E por isso, nós, pessoas com deficiência, passamos poder contar com mais pessoas a observar e a fazer com que os outros conheçam.

ANESP: Como EPPGG, na sua opinião, quais os principais desafios da gestão pública frente às demandas das pessoas com deficiência – atualmente quase um quarto da população brasileira?

CAROLINA SANCHEZ: O grande desafio atual é a implementação das leis e políticas públicas existentes, o que deve acontecer simultaneamente em todas as Unidades da Federação e em todos municípios. Os gestores, sejam federais, estaduais, municipais ou do Distrito Federal, ao desenhar uma política pública, devem considerar que elas são para todos. E que as pessoas com deficiência fazem parte desse “todos”.