População negra está mais exposta e morre mais pela Covid-19
A crise gerada pela pandemia de coronavírus apenas escancara a desigualdade racial. O Brasil completa 132 anos de uma abolição que permanece inconclusa. A população negra, maioria no país, segue sofrendo com as consequências de um racismo com profundas raízes na sociedade e que se desvelam com alto impacto no contexto atual.
As recomendações de distanciamento social, único método até o momento assegurado para reduzir a contaminação do vírus, é de difícil implementação pelos mais pobres e vulneráveis, e consequentemente pela população negra, que é a maioria nas favelas. Nesses locais, muitas vezes não há condições básicas de higiene e tampouco espaço físico para praticar o isolamento.
Dados do boletim epidemiológico da Prefeitura de São Paulo do dia 30 de abril publicados pelo portal UOL indicam que as taxas de mortalidade associadas ao diagnóstico da Covid-19 na capital paulista apresentam uma distribuição racial desigual na população. O risco de morte de negros por esse diagnóstico é 62% maior que o de brancos. No caso dos pardos, esse risco é 23% maior.
No período de 11 a 26 de abril, mortes de pacientes negros confirmadas pelo Governo Federal foram de pouco mais de 180 para mais de 930, apontam dados levantados pela Agência Pública. Além disso, a quantidade de brasileiros negros hospitalizados por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) causada por coronavírus aumentou 5,5 vezes.
“Bairros majoritariamente negros têm maior chance de transmissão, por causa das condições subnormais de moradia, mas também são os menos atendidos por serviços públicos de saúde. Seus moradores têm acesso dificultado aos locais com esses serviços, porque os transportes também são precários. Mas os números da Covid-19 não são reflexo apenas disso, pois mesmo negros hospitalizados morrem mais. Ou seja, mesmo quando chegam a ser atendidos, morrem mais. Isso é resultado da carga diferenciada de comorbidades? Sim, mas também é reflexo da forma como pessoas negras são tratadas em ambientes hospitalizados”, afirma Marcelo Gonçalves, EPPGG da 11ª turma.
Ele ainda cita um estudo da Fiocruz que mostra que, em condições similares, mulheres negras recebem tratamento de pior qualidade durante sua gestação tendo, por exemplo, acesso deliberadamente restringido a anestesias. “Não há razões para crer que esse estado de coisas tenha mudado. Ao contrário, é bastante provável esse tipo de distorção, cujo nome correto é racismo institucional, esteja ocorrendo em outros contextos, como o da Covid-19”, diz.
Os negros compõem a maioria dos trabalhadores informais, afetados drasticamente pela atual crise econômica, e dos que estão nos presídios, expostos a riscos altíssimos de contaminação, sem condições mínimas de assistência.
“A desigualdade social faz com que a maior parte dos trabalhadores ocupados em trabalhos precários ou informais seja formada por homens e mulheres negras. Com opções reduzidas de praticar o distanciamento social, essas pessoas se expõem a maiores riscos. As condições estruturais fazem com que essas pessoas sejam frequentemente portadoras de doenças crônicas, como hipertensão e outras doenças cardiovasculares, que aumentam a vulnerabilidade ao coronavírus”, completa.
Como questiona Gonçalves, quando um grupo facilmente identificável por suas características étnico-raciais concentra múltiplos fatores de vulnerabilidade, isso não é coincidência. As condições para a mortalidade desproporcional da população negra foram criadas ao longo do tempo com ajuda ou conivência do Estado. A crise atual de pandemia apenas escancara, mais uma vez, esse fato.