Premissas para acelerar o investimento público

Em artigo publicado no Valor Econômico, o EPPGG Afonso Almeida, secretário de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento, defende que é preciso mudanças para que cada um possa exercer suas competências.

São 190 milhões de brasileiros vivendo, em sua grande maioria, em seu próprio país, um território de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Temos aproximadamente 5.300 municípios com menos de 100 mil habitantes, a grande maioria com baixo capital humano e institucional e onde se acumulam déficits importantes nas áreas de educação, saúde, trabalho e infraestrutura. Nossas regiões metropolitanas atraem migrantes de todo o país, mas não conseguem ofertar adequadamente serviços vinculados à mobilidade, à segurança, à habitação e ao saneamento básico.

É papel do Estado planejar a oferta de bens e serviços vinculados a esses desafios, mudando paradigmas: os planos e suas prioridades devem ser executados (o da União deve ser referência para os regionais e estaduais); o orçamento deve perseguir a eficiência e a oportunidade (uma obra deve ser concluída antes de se iniciar outra, os eixos de desenvolvimento escolhidos devem ser priorizados e adensados antes do início de outros; o recurso para restaurar a condição do pavimento rodoviário tem que chegar logo depois da chuva, da defesa civil, antes ou logo depois do desastre, e da defesa animal, antes e preventivamente); o pagamento tem que ser garantido depois das medições; o gasto operacionalizado de acordo com indicadores adequados e regionalizados e os municípios pobres teriam os procedimentos de transferência simplificados.

Neste artigo quero explorar a tese de que são desafios inalcançáveis se não conseguirmos mudar outros paradigmas tão importantes quanto aqueles com os quais também trabalhamos na administração pública: a elaboração dos projetos, o licenciamento ambiental e o controle.

Precisamos elevar significativamente os recursos para projetos (o PAC deu início ao enfrentamento dessa dificuldade, com a dotação anual de R$ 1 bilhão somente em projetos de rodovias e ferrovias) e criar um órgão ou empresa pública ou outra instituição possível no limiar administrativo com a responsabilidade de estudar a viabilidade dos projetos, construir termos de referência adequados, analisar e aprovar projetos e, em alguns casos, quando inegável o conflito de interesse, fazê-los diretamente.

No futuro, a União teria uma carteira de projetos. Qualquer governante eleito poderia dispor dela. Ocorre que, da mesma forma que para os municípios mais pobres, também essa solução sofreria com os atuais mecanismos de controle da administração pública. Cada projeto teria um momento para se concretizar. Os fenômenos da natureza, porém, tornam inadequados os projetos mais antigos em carteira e os fenômenos tecnológicos tornam obsoletas as soluções previstas. Se houvesse flexibilidade na execução, se as planilhas com milhares de itens de insumo não determinassem a implementação do projeto, se se permitisse à empresa executora buscar os meios mais eficientes para entregar o objeto, então ter uma carteira de projetos poderia ser uma solução perfeita (em nosso modelo, quanto mais caminhão de areia ou abraçadeiras entregar, mais ganha a empresa, um modelo absolutamente antieconômico).

Outro paradigma é o ambiental. Temos uma legislação ambiental complexa. Sua regulamentação, via de regra, dá-se em nível do ministério setorial, do Ibama ou do Conama.

Creio que no caso ambiental falta um decreto, que permitiria ao presidente interpretar multissetorialmente os fenômenos ambientais, estabelecer regras de licenciamento (o licenciador não pode determinar as regras e licenciar) e a construção de acordos ambientais regionais. O bioma amazônico, por exemplo, é entrave para o licenciamento ambiental da BR-319. No Plano Nacional de Viação (PNV) há inúmeras outras BRs que serão pavimentadas no futuro no mesmo bioma. Por que não negociamos desde já, com os gestores de obras rodoviárias e os agentes ambientais, e propomos a exclusão dessas outras BRs do PNV?

Por fim, o controle. Se não mudarmos os paradigmas nessa função do Estado, esqueçamo-nos dos desafios crescentes e conjunturais do país. Esqueçamo-nos do país do futuro. É impossível construir 10 mil quilômetros de ferrovias precificando e contando caminhão de brita. A unidade adequada para preço, verificação física e o controle social é o quilômetro de ferrovia, não os insumos. Um projeto ferroviário demora anos para ser executado. Talvez devamos distribuir riscos com o setor privado (se ele aporta tecnologia, ganha; se as quantidades forem outras, perde). Uma abraçadeira para eletroduto 3/4 de polegada em uma planilha do controle tem 11 colunas no processo de identificação de um sobrepreço de R$ 0,02 em 20 delas (caso real). É possível compatibilizar isso com os desafios do país?

Há uma grande questão nesse debate: como acomodar o papel de fornecedor ao mercado de produtos das empresas e das sociedades de economia mista com a rigidez da Lei nº 8.666/93? Se um contrato pode ficar anos sob debate com os órgãos de controle, como compatibilizar essa situação com a necessidade de ampliar a capacidade de aeroportos e portos, por exemplo, com as demandas de mercado? Não há dúvidas de que as especificidades impõem que cada empresa deva ter um estatuto próprio para contratação.

Infrutífero também é debater se o controle deve atuar antes, concomitante ou depois dos fatos a serem auditados. Não é um bom caminho. Há prerrogativas do Executivo e do Controle Externo que devem ser exercidas sem conflito em todas as fases da contratação pública. A ausência de regulamentação em algumas leis, como o Decreto-Lei 200, leis ambientais, Lei nº 8.666/93, pode ter propiciado aos órgãos de controle hiato para acórdãos e determinações, que deve ser revista. É para cada um poder exercer suas competências, como ensinava Montesquieu.

Fonte
Valor Econômico – 21 de janeiro de 2010