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O STF realmente tirou o Governo Federal das ações de combate à covid-19?

Por Mariana Resende*

O presidente Jair Bolsonaro, em entrevista ao programa Brasil Urgente, na Band, no último dia 15, afirmou que o Supremo Tribunal Federal (STF) o tirou das ações de combate à covid-19. 

A declaração do presidente refere-se à decisão do STF, tomada em 15 de abril de 2020, segundo a qual os governos estaduais e municipais têm poder para determinar regras de isolamento, quarentena, restrição de transporte e trânsito em rodovias em razão da epidemia do novo coronavírus. 

Na ocasião, havia sido publicada a Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020, com o objetivo de definir que caberia ao Presidente da República dispor sobre os serviços públicos e atividades essenciais que deveriam ter o exercício resguardado durante a pandemia.

Cabe lembrar a divergência de entendimento entre o presidente e diversos governadores sobre as ações de distanciamento social. Essa discordância ocorria, inclusive, dentro do próprio governo federal, repercutindo na demissão do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril de 2020. O ministro se alinhava às orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), pela adoção de um isolamento social mais forte, enquanto o presidente defendia a abertura do comércio como forma de evitar impactos na economia. 

Mas a decisão do STF retira, de fato, a responsabilidade da União em relação ao enfrentamento da pandemia de covid-19, e em especial em relação à vacinação? 

Não. O STF não alterou o entendimento sobre o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

A Constituição Federal define que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com a diretriz, dentre outras, de descentralização federativa, com direção única em cada esfera de governo. Ademais, a lei nº 8.080/1990, a lei orgânica do SUS, regulamenta que, no âmbito da União, a direção é exercida pelo Ministério da Saúde. 

Partindo dessa premissa, é importante entender a importância do Programa Nacional de Imunizações (PNI), formulado em 1973, por determinação do Ministério da Saúde. A formulação do PNI objetivou coordenar as ações de imunização que se caracterizavam, até então, pela descontinuidade, pelo caráter episódico e pela reduzida área de cobertura. 

Dentre as atribuições do PNI está a de definir as vacinas que compõem o calendário nacional, as estratégias e as normatizações técnicas sobre sua utilização. Também, compete ao ministério da Saúde o provimento dos imunobiológicos definidos pelo PNI, conforme preconiza a Portaria de Consolidação nº 4/2017, a qual reúne as normas sobre os sistemas e os subsistemas do Sistema Único de Saúde. 

Mais recentemente, a Política Nacional da Vigilância em Saúde, aprovada por meio da Resolução n° 588/2018 do Conselho Nacional de Saúde, define que compete à União coordenar, em âmbito nacional, as ações de vigilância em saúde, com ênfase naquelas que exigem simultaneidade nacional ou regional.

A vacinação é um claro exemplo de uma ação com essa característica. A coordenação pelo Programa Nacional contribui efetivamente para a redução das desigualdades regionais e sociais. A vacina é um promotor da igualdade, ao garantir acesso a todos os brasileiros, independente da classe social. Além disso, caso não houvesse esta coordenação, haveria desigualdade na disponibilidade das vacinas nas diferentes regiões do país.

Portanto, resta claro que, de acordo com a legislação vigente, compete à União a coordenação das ações de vacinação, incluindo a atribuição relacionada à definição das vacinas a comporem o calendário e o provimento de imunobiológicos para os demais entes federados.

Por este motivo, inclusive, o Ministério da Saúde vem adquirindo, ao longo desses mais de 40 anos do Programa Nacional de Imunização, os imunobiológicos no quantitativo necessário para a execução das ações de vacinação em todo o país, fornecidos especialmente pelos laboratórios farmacêuticos oficiais

Esses laboratórios têm o papel de garantir a auto-suficiência do país na produção de imunobiológicos. Essa é uma missão tão importante que o Ministério da Saúde, a partir da década de 1980, passou a fazer investimentos nos laboratórios produtores oficiais. Atualmente essa política de parcerias e de incentivo à modernização tecnológica do parque produtor nacional se mantém, visando oferecer produtos modernos, seguros e eficazes.

Para a execução do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a covid-19 é preciso que o Ministério da Saúde garanta o quantitativo necessário do imunobiológico para as ações de vacinação em todo o território nacional. Segundo o plano, seria necessária “a vacinação de 70% ou mais da população (a depender da efetividade da vacina em prevenir a transmissibilidade) para eliminação da doença”.

No momento atual, em que vários países disputam os quantitativos de vacinas disponíveis no mercado internacional, a importância do papel do Ministério da Saúde torna-se ainda maior.

Apenas com a garantia da compra pelo Ministério, os laboratórios farmacêuticos oficiais, como Bio-Manguinhos/Fiocruz e o Instituto Butantan, podem se organizar para fornecer, por meio de acordos com os laboratórios produtores, o quantitativo necessário para as ações de vacinação em todo o país.

Deste modo, não há qualquer exclusão ou diminuição do papel do governo federal no enfrentamento da pandemia à luz da decisão do STF. Pelo contrário, há um ímpeto por maior protagonismo do Ministério da Saúde na coordenação das ações de enfrentamento da pandemia. 

Mariana Resende é especialista em políticas públicas e gestão governamental. Atuou no Ministério da Saúde de 2009 a 2019, com aquisições de insumos para a saúde e com processos de pactuação tripartite, no âmbito da vigilância em saúde.


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