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Posicionamento ANESP - Coronavírus: quem deve pagar essa conta?

A calamidade pública provocada pela pandemia do coronavírus aumentou de maneira considerável os gastos públicos para dar conta das demandas na saúde e medidas para resguardar a economia. Em vários momentos nesse debate surgem propostas relacionadas aos servidores públicos, que não levam em conta o contexto mais amplo do financiamento do Estado brasileiro nem as contribuições já realizadas pelos servidores. Nesse contexto, a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP) posiciona-se da seguinte forma:

  1. O momento é de calamidade, e o Estado deve realizar os investimentos necessários para que todos os brasileiros e brasileiras tenham um atendimento de saúde adequado, bem como para preservar a renda e o emprego.

  2. No curtíssimo-prazo, a solução para a realização desses investimentos é o endividamento; no entanto, com vistas à preservação do equilíbrio fiscal no médio prazo, a sociedade será chamada a contribuir. Nossa proposta é que esse esforço seja distribuído de forma justa.

  3. A ANESP entende que cada cidadão e cada cidadã deve contribuir na medida proporcional da sua capacidade econômica, de modo que os mais ricos contribuam mais, independente de sua atuação ser na iniciativa privada ou no serviço público - princípio que deveria permear nosso sistema tributário.

  4. Dessa forma, concordamos com propostas progressivas baseadas na tributação de renda e riqueza.

  5. Em linha com o argumento que ora apresentamos, a articulação Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (FENAFISCO) e o Instituto de Justiça Fiscal (IJF) publicaram recentemente a proposta conjunta "Tributar os ricos para enfrentar a crise" (https://bit.ly/2Uz0xN4) em que propõem medidas que, somadas, poderiam ser responsáveis pela arrecadação adicional de R$ 272 bilhões/ano.

           5.1. Criação da Contribuição Social sobre Altas Rendas das Pessoas Físicas (CSPF), incidente sobre rendas mensais superiores a R$ 80 mil: R$ 72 bilhões/ano

5.2. Alíquotas adicionais temporárias da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL):

5.2.1. Incidência de 30% sobre instituições financeiras: impacto estimado de R$ 36 bilhões/ano

5.2.2. Incidência sobre o setor extrativo mineral

5.3. Alterações no Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF)

5.3.1. Revogação da isenção de IRPF sobre lucros e dividendos distribuídos internamente ou remetidos ao exterior

5.3.2. Alteração da tabela progressiva:

5.3.2.1. Inclusão das faixas de 35% e 40% para rendimentos, respectivamente, superiores a 60 e 80 salários mínimos por mês; e alíquota marginal temporária de 60% sobre rendimentos superiores a 300 salários mínimos mensais (0,09% dos contribuintes): +R$ 120 bilhões/ano

5.3.2.2. Elevação do limite de isenção para a faixa de R$ 4 mil/mês

5.3.2.3. Tributação de lucros e dividendos remetidos ao exterior em 25%, passando a 50% se o destino for um paraíso fiscal: +R$ 28 bilhões/ano

5.3.2.4. Criação de teto para dedutibilidade de pagamentos a título pró-labore para evitar elisão fiscal

5.4. Revogação da dedução de juros sobre o capital próprio na apuração do lucro tributável da PJ - o tratamento aplicado aos beneficiários dos juros será equivalente ao aplicado aos lucros e dividendos distribuídos

5.5. IRPJ e CSLL de Pessoas Jurídicas com receitas de exportação superiores a 80% da receita bruta não poderão ser inferiores à tributação aplicável pela regra de lucro presumido (mitigação da evasão tributária por manipulação de preços internacionais)

5.6. Heranças: elevação do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) para 30%, com maior autonomia para UFs aplicarem tributação progressiva

5.7. Criação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF): alíquotas de 1%, 2% e 3% sobre patrimônios que excederem, respectivamente, R$ 20 milhões, R$ 50 milhões e R$ 100 milhões, com possibilidade de dedução do IPTU e ITR pagos: +R$ 40 bilhões

6. A ANESP entende que essas são medidas necessárias para reforçar o financiamento do Estado brasileiro para que ele dê conta das obrigações contidas na constituição.

7. Propostas que envolvem a redução de salários de servidores, com redução ou não de jornada, como é o caso do PL 1144/2020 e da PEC 186/2019, além de terem impacto fiscal inferior às propostas aqui apresentadas, trazem riscos à prestação dos serviços públicos e ignoram o princípio da equidade segundo o qual quem tem mais deve contribuir com mais.

8. Ademais, as medidas provocariam uma retirada de renda disponível dos servidores em todo o país, implicando em redução da capacidade de consumo de uma parcela importante de nossa sociedade. O efeito é claramente recessivo e contracionista, quando um amplo consenso aponta para a necessidade de aumento de gastos públicos, com o intuito de promover a retomada da atividade econômica de forma ampla e generalizada.

9. Por fim, sob um critério econômico, também faz mais sentido enfrentar a crise utilizando recursos provenientes de aumento do endividamento - isto é, diluindo os custos desse enfrentamento ao longo de anos por vir - e a partir da tributação de rendas extremamente elevadas (com baixa propensão ao consumo e, consequentemente, com menos impacto econômico via efeito multiplicador) e riquezas como herança e grandes fortunas (a poupança da sociedade), porque dessa forma minimizamos os efeitos econômicos presentes em relação a opções que cortam salários.

10. A ANESP sempre esteve aberta ao debate sobre o Estado brasileiro, que deve ser feito na profundidade necessária à sua melhoria de fato, seja na entrega de mais e melhores serviços, seja apresentando resultados mais eficientes e efetivos.