Covid 19 e Violência Doméstica: pandemia dupla para as mulheres
Autoras: Carolina Pereira Tokarski e Iara Alves, EPPGGs
A experiência de outros países tem mostrado que em tempos de isolamento social, os casos de violência doméstica têm aumentado. Assim, para além dos riscos advindos da Covid-19, o Estado brasileiro precisa estar preparado para mais este desafio que coloca em risco a vida das mulheres.
Segundo a ONU Mulheres[1] o aumento dos riscos da violência doméstica, em contextos como o atual, acontece devido ao aumento das tensões dentro de casa, já que mulheres em relacionamentos abusivos e violentos em isolamento social ficam expostas ao seu abusador por longos períodos de tempo, o que dificulta ligações telefônicas para disque-denúncias ou para a polícia, uma vez que o abusador está sempre por perto.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, em 26% dos casos em que as mulheres sofreram agressão física, o agressor era o cônjuge ou ex-cônjuge (em outros 11% dos casos era um parente e em mais 32%, uma pessoa conhecida). Olhando especificamente para os casos de violência doméstica, a Pesquisa Data-Senado de 2017 mostra que 74% das mulheres que sofreram algum tipo de violência doméstica foram agredidas por homens com quem tem ou tiveram um relacionamento[2].
Em tempos de restrição de mobilidade, as sobreviventes da violência também podem enfrentar dificuldades em se afastar do agressor devido ao estado de insegurança financeiro agravado com a pandemia. Vizinhos e parentes podem ajudar a contatar a polícia caso suspeitem que a violência está ocorrendo.
Alguns países já registraram aumento da violência contra as mulheres. Na China[3], o primeiro país a adotar o isolamento para prevenção da Covid 19, o número de denúncias de violência doméstica dobrou durante o confinamento de janeiro a março - comparado com o mesmo período de 2019. Na França[4], em uma semana de restrições, abusos domésticos reportados à polícia subiram 36% em Paris e 32% no resto do país, incluindo dois casos de feminicídio.
Todos os Estados devem direcionar esforços para conter a ameaça da Covid-19, mas não se deve esquecer as mulheres e crianças vítimas de violência doméstica. A fim de proteger o direito a uma vida livre de violência, os governos devem encontrar soluções de políticas públicas para apoiar mulheres e crianças nesse momento de extraordinária tensão social.
Elencamos abaixo exemplos de políticas públicas adotadas por diferentes países:
França
O Estado vai pagar hotel para vítimas de violência
O Estado vai abrir centros de aconselhamento em mercados e farmácias para que as mulheres possam denunciar a violência ao sair para fazer compra
O Estado anunciou a liberação de $ 1,1 milhão de Euros para organizações da sociedade civil que trabalham no enfrentamento de abusos domésticos para responder ao aumento da demanda por serviços.
O serviço de atendimento para denúncias de violências pela internet manteve a equipe trabalhando, com atendimento 24 horas. O site permite que a vítima fale por chat com policiais para pedir ajuda, e tem um botão de emergência que fecha a página e apaga as mensagens anteriores caso a pessoa sinta-se em perigo pela chegada do agressor, por exemplo.
Apesar dos tribunais estarem fechados pela pandemia, a ministra da Justiça francesa, Nicole Belloubet, assegurou que os casos de violência doméstica serão tratados como prioridade pelos juízes em teletrabalho, para que possam conceder medidas protetivas neste período.
Suíça
A Secretaria de Promoção da Igualdade de Gênero e de Prevenção de Violências Domésticas de Genebra está realizando campanhas intensas com os números de telefone para denúncia. Além disso, a campanha faz um apelo à vigilância solidária para que os vizinhos chamem a polícia e denunciem caso ouçam brigas violentas ao seu redor.
Espanha
O Ministério da Igualdade espanhol publicou um guia de recomendações para as vítimas de violência de gênero e reforçou os meios de atenção.
O governo declarou como essenciais os serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência, garantindo assim a manutenção do trabalho nos centros especializados e abrigos para acolher mulheres que precisem deixar suas casas durante esse período de epidemia.
Uma nova ferramenta de denúncia por mensagem com geolocalização, como o WhatsApp, será disponibilizada no país. Com ela, as vítimas poderão enviar um pedido de socorro por escrito para a polícia, que usará a geolocalização para enviar ajudar.
O governo espanhol divulgou um serviço de apoio psicológico rápido pela internet e por WhatsApp para vítimas de lares violentos que preferirem ficar em casa.
O governo da Ilha das Canárias anunciou que as mulheres em risco de violência podem ir na Farmácia mais próxima e pedir a máscara 19 como codinome para alertar que está em perigo.
Chile
O Ministério da Mulher do Chile publicou um plano de contingência para resguardar as mulheres expostas a violência durante a quarentena.
Pontos de destaque: continuidade dos serviços de atenção nos Centros da Mulher e dos abrigos de acolhimento; Reforço e ampliação de turnos na linha de atendimento telefônico 24h/7.
Colômbia, Uruguai e Argentina
Os governos reforçaram e ampliaram o horário de atendimento dos telefones emergenciais e lançaram linhas de atendimento por Whatsapp para assessoria e proteção da mulher 24 horas por dia e 7 dias por semana.
Como o Brasil vai lidar com o problema?
O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos[5] anunciou que houve um aumento de 9% no número de ligações no Disque 180 na primeira quinzena de março. O número de denúncias, porém, pode estar abaixo dos casos reais de violência, uma vez que a presença do agressor em casa pode constranger a mulher a realizar uma ligação telefônica para o 180.
O governo brasileiro começa a se preparar somente agora para o enfrentamento do crescimento da violência doméstica, que já está acontecendo. A Ministra Damares anunciou[6] no dia 02.04.2020 o lançamento de novos canais de atendimento onde as denúncias de violência doméstica, e também de outras violações de direitos humanos podem ser realizadas, o novo aplicativo foi intitulado Direitos Humanos BR e já está disponível segundo o site do Ministério, para os sistemas Android e IOS. O Ministério ainda recomendou que os Organismos de Políticas para as Mulheres não paralisem os atendimentos. Infelizmente este atraso na criação das medidas para a proteção contra a violência doméstica pode custar a vida de muitas mulheres.
O OFÍCIO-CIRCULAR Nº 1/2020/DEV/SNPM/MMFDH[7] enviado a todas os Organismos Governamentais de Políticas para Mulheres no dia 26 de março de 2020 recomenda, dentre outras medidas, a implementação de comitês de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres no contexto da COVID-19 e a realização de campanhas sobre a importância da denúncia nos casos de violência doméstica.
A recomendação por meio de ofício pode ter pouco efeito frente ao desafio que se coloca. Nos países vizinhos – Uruguai, Chile, Colômbia Argentina, o governo nacional decretou o serviço de atendimento à mulher como serviço essencial para que não ocorresse paralisação ou redução dos serviços. Além disso, foi realizado investimento público para reforço de pessoal e ampliação do horário de atendimento dos telefones emergenciais. Foram lançadas linhas de atendimento por Whatsapp para assessoria e proteção da mulher 24 horas por dia e sete dias por semana. Na Espanha, o atendimento por WhatsApp funciona inclusive com geolocalização das mulheres em risco ou situação de violência.
Os governos locais têm agido antecipadamente às recomendações do governo federal no caso brasileiro. A imprensa tem noticiado iniciativas importantes dos Organismos de Políticas para as Mulheres estaduais e municipais, e também de Polícias, Tribunais de Justiça, Defensorias e Ministério Público para o enfrentamento do aumento de violência doméstica durante a pandemia do Corona vírus.
A Secretaria da Mulher do Distrito Federal lançou no final de março a campanha “Mulher, você não está só”[8]. Durante a quarentena os casos que já vinham sendo atendidos de agressão continuarão a ser acompanhados por meio de teleatendimentos, foram disponibilizados números de telefone para denúncias e atendimentos, e para os casos mais graves, continuará havendo atendimento presencial nos Centros Especializados de Atendimento às Mulheres, mas em horário reduzido.
Segundo site da Secretaria de Segurança Pública do DF, a PM/DF[9] segue com o serviço de atendimento às demandas de mulheres vítimas de violência doméstica por meio do Policiamento de Prevenção Orientada à Violência Doméstica Familiar (Provid). Foram adotadas algumas alterações para prevenir o contágio do coronavírus, agora os policiais são orientados a fazer um contato telefônico inicial e, caso o atendimento presencial seja necessário, é realizado, preferencialmente, na parte de fora das residências.
Na Bahia, o Tribunal de Justiça criou a campanha “Quarentena Sim! Violência Não” informando sobre a violência contra as mulheres e os canais de atendimento disponíveis O Ministério Público de Pernambuco, por meio do Núcleo de Apoio à Mulher lançou a ação “Mulher, você não está sozinha”[10] que atua na veiculação de peças nas redes sociais e na imprensa informando sobre os canais de denúncia.
Já em São Paulo, a Secretaria de Segurança Pública ampliou o serviço online[11] por conta da pandemia e passou a registrar por meio eletrônico casos de violência doméstica.
Em Recife, a prefeitura lançou a campanha “Mulher, ficar em casa não quer dizer ficar calada”[12] que também divulga os canais de recebimento de denúncias nos casos de violência doméstica e os serviços de apoio às vítimas seguem funcionando normalmente.
O paulatino desmonte institucional e corte orçamentário que o órgão federal responsável pela articulação das políticas para as mulheres vem sofrendo desde 2015[13] dificulta as respostas necessárias para enfrentar a agudização dos casos de violência contra as mulheres no Brasil no contexto da pandemia de Covid-19.
Espera-se que diante um cenário de duplo risco à vida das mulheres, o Governo Federal lidere os esforços de enfrentamento à violência contra as mulheres e apresente não somente ações efetivas e de rápida implementação para o momento como também um plano de abordagem integral com ações de prevenção, previstas da Lei Maria da Penha.
Notas:
[1] http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2020/03/ONU-MULHERES-COVID19_LAC.pdf
[2] Pesquisa Data Senado Junho de 2017. https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/aumenta-numero-de-mulheres-que-declaram-ter-sofrido-violencia
[3] https://www.sixthtone.com/news/1005253/domestic-violence-cases-surge-during-covid-19-epidemic
[7] https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2020-2/marco/SEI_MDH1136114.pdf
[13] IPEA, Políticas Sociais: acompanhamento e análise. Igualdade de Gênero. n. 25. 2018