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Servidor, o preferido

Funcionalismo desperta a cobiça de bancos e do varejo, que lançam produtos exclusivos e oferecem benefícios como taxas reduzidas e descontos

A renda elevada e a estabilidade no emprego deram ao servidor público o status de consumidor preferencial. Comparado ao cliente comum, quem trabalha para o governo recebe tratamento VIP de bancos e do varejo. São tantas as condições especiais que financiar o carro, tomar empréstimos, comprar a casa própria ou até mesmo cursar uma faculdade ganharam ares de pechincha. Ao lado das famílias da classe C — com renda entre quatro e 10 salários mínimos —, o funcionalismo se transformou no alvo predileto de quem quer vender ou emprestar.

Quintino Rodrigues de Lima, 48 anos, é agente administrativo no Ministério da Justiça e sentiu na pele a confortante sensação de ser disputado. Há dois anos, quando precisou de dinheiro para fechar a compra de um imóvel, chegou a pensar que pagaria caro pelo empréstimo, mas não. “Procurei bastante quem tinha os juros e os prazos melhores. Fui a quase todos os bancos. A cada hora me ofereciam uma coisa diferente”, lembra. No fim, depois de analisar todas as propostas, acabou optando pelo crédito consignado da agência onde já recebe o salário do mês. “Deram até isenção na taxa de manutenção da minha conta. Posso dizer que, nessa hora, valeu a pena ser servidor”, brinca.

Nos últimos anos, a concorrência bancária aumentou e, ao que tudo indica, ainda não atingiu seu pico. A face mais visível desse fenômeno está no crediário. Há pacotes completos que vão desde financiamentos personalizados — se o tomador for correntista do banco —, até prazos a perder de vista para quitar o empréstimo. Vantagens que o assalariado da iniciativa privada não tem. “É um bom negócio tanto para quem empresta como para quem toma o empréstimo”, diz Alcides Leite, professor de Economia da Trevisan Escola de Negócios. Segundo ele, as instituições financeiras estão descobrindo como cativar algumas de suas melhores faixas de clientes, entre as quais o servidor público. “Os bancos aderiram à política do pague um, leve dois”, completa.

As iscas para atrair o funcionalismo estão por toda parte. Os bancos públicos, responsáveis pelo pagamento dos salários de quase todo o pessoal da União, estão na dianteira e abocanharam a maior fatia do bolo(1). A Caixa Econômica Federal, por exemplo, oferece descontos na tarifa da cesta de serviços, primeira anuidade do cartão de crédito grátis, cheque especial com juros entre 6,75% e 1,15%, crédito consignado a custo reduzido, financiamento habitacional com juros de 8,2% ou 9,5% ao ano, além de planos de previdência exclusivos. Já o Banco do Brasil facilita a compra de imóveis e chega a abrir mão de taxas embutidas na contratação de outras modalidades de financiamento.

Os grandes do setor privado, como Itaú-Unibanco, Bradesco, Santander e HSBC, também têm em seus menus produtos personalizados para os servidores. Seguros, empréstimos consignados e financiamentos imobiliários a taxas reduzidas são os mais ofertados. As redes bancárias particulares apostam na migração de clientes insatisfeitos e traçam planos para conquistar a preferência dos servidores que todos os meses ingressam na máquina. O sucesso do avanço dessas instituições, no entanto, está ligado a trâmites burocráticos como a expansão da rede em cidades onde há muitos servidores públicos e ao aumento do número de convênios com órgãos da administração federal.

Casa e diploma

A concorrência entre os bancos é tão agressiva que analistas advertem que, mais cedo ou mais tarde, o setor financeiro terá de fazer algum tipo de depuração. Para alguns, o mercado está saturado. “O elástico esticou demais. Já virou um leilão”, avalia Ricardo Coelho, consultor em varejo bancário. Segundo ele, mais do que “laçar” o cliente a qualquer custo as redes precisam agregar serviços. “Do banco, as pessoas querem as coisas óbvias, o simples e o barato. Está faltando criatividade, está faltando abrasileirar a coisa”, justifica.

Informação é a melhor arma para quem quer tirar proveito da situação. Saber qual o melhor tipo de financiamento ou onde contratá-lo exige pouco esforço do servidor. As ofertas estão por toda parte e são tantas que uma simples pesquisa dá a ideia exata do que virá pela frente. E a regra não se restringe apenas aos bancos. Em estados como Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, construtoras anunciam descontos, prazos e planos de pagamentos diferenciados para quem é servidor.

Já é possível financiar até 100% do valor do imóvel novo ou usado e pagar juros pós-fixados que variam de 8,4% a 11,5% ao ano. Descontos para pagamentos à vista e liberação de crédito sem a apresentação de tantos documentos também são práticas recém-chegadas às prateleiras. As empresas do setor habitacional, apoiadas por convênios ou incentivos fiscais do governo, querem mais. “O servidor faz parte de um público importante para qualquer segmento, ainda mais em financiamentos de longo prazo. A inadimplência é quase nula. Além disso, esse profissional compra um imóvel agora e outro daqui a pouco. Ele fica fidelizado”, resume um gerente de construtora com atuação em Belo Horizonte e Brasília.

No Rio de Janeiro, uma universidade particular inovou. Na esteira das promoções lançadas por empresas e bancos, a instituição decidiu mobilizar os departamentos de marketing e financeiro, e lançou um programa especial de bolsas para servidores públicos federais, estaduais e municipais — ativos ou aposentados. A iniciativa deu certo. O aluno recebe 10% de desconto no semestre da matrícula e, se pagar as mensalidades até o dia 10 de cada mês, ainda receberá um bônus extra de 5% no semestre seguinte, até o limite de 20% por semestre.

Estados na frente

De desconto em hotéis na Bahia a apólices de seguro para veículos com franquias reduzidas no Piauí, servidores estaduais de Norte a Sul do país contam com pacotes de vantagens bem mais diversificados e atraentes do que os oferecidos pelo governo federal ao funcionalismo. A ampla rede de benefícios é fruto do esforço dos gestores em modificar ou propor leis, mas também da disposição dos empresários em investir na clientela diferenciada.

Impulsionadas pelo crescimento do consumo lastreado no crédito, as administrações nos estados correram para fechar convênios com o setor privado. Bancos e construtoras chegaram primeiro na maioria das vezes. Em seguida, vieram o varejo e os serviços. Onde o setor público emprega muito e paga bem, os reflexos na economia regional foram e continuam sendo imediatos.

Tem sido assim em praças como São Paulo, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e em quase todo o Nordeste. Parcerias de sucesso fizeram até com que muitas das ideias implantadas em um lugar ultrapassassem fronteiras e fossem copiadas pelo estado vizinho. O Distrito Federal, por exemplo, importou modelos que concedem descontos na compra do primeiro imóvel, na tomada de financiamentos de longo prazo e na melhoria da qualificação profissional por meio de cursos profissionalizantes ou de graduação.

Os estados são mais ágeis do que a União na estruturação de planos de vantagens para servidores, primeiro porque têm maior controle sobre a mão de obra que emprega e, segundo, porque conseguiram limpar boa parte da burocracia que emperra o fechamento de convênios e dificulta a fiscalização. Em nível federal, além do volume estrondoso de funcionários, há impedimentos legais que dificultam a concessão de benefícios aos trabalhadores. (LP)

Fonte
Correio Braziliense – 28 de fevereiro de 2010