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“O serviço público é feito por pessoas” entrevista Pedro Pontual

Entrevista com o presidente da ANESP, Pedro Pontual, realizada pelo “O serviço público é feito por pessoas” , publicada originalmente no site da Campanha e transcrita na íntegra a seguir.


Um olhar de dentro: “As políticas públicas exigem um amadurecimento no trato com elas, porque há uma complexidade em torno da implementação e execução”

 

Pedro, pode começar explicando o que faz um Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG)?

Contribuímos para a formulação de políticas públicas e acompanhamento do serviço de implementação. O especialista fica à disposição para fazer um planejamento que garanta o resultado, a partir do desejo político de quem chefia o órgão público.

Pensamos pela ótica da política pública: da estimativa orçamentária até a lei que precisa ser criada ou adaptada. Quantificamos os profissionais necessários e o trâmite da política, envolvendo ministérios distintos e as demais esferas estaduais e municipais.

Exemplo: O Programa Bolsa Família surgiu de uma vontade política. Mas para ser executado precisou de um estudo que apresentasse sua viabilidade. O programa usou, então, a rede de serviços e equipamentos do SUAS [Sistema Único de Assistência Social], definiu ações e processos, e dividiu responsabilidades com os governos estaduais e municipais. 

Qual a importância concreta para a população?

A gente vê qual o interesse do país, que decisões são importantes para o desenvolvimento do país e quais trarão mais benefícios à população. Qual o impacto de uma decisão governamental para a vida das pessoas; como tal decisão beneficia concretamente a vida da população. Esta é a importância da função que exerço.

Em 16 anos de serviço público, você vivenciou as gestões de cinco presidentes do Brasil (Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro). É difícil para o servidor público lidar com as mudanças administrativas por causa das mudanças de governo?

As mudanças maiores trazem uma nova agenda de prioridades e isso afeta o andamento do serviço. Mas, às vezes, uma alteração dentro do próprio governo causa mais impacto no dia a dia do servidor; como a alteração de um ministro que mexe em toda a rede de comando, trocando todas as chefias ou a maioria delas. Isso pode mudar o trabalho que está em andamento e ser mais impactante para o servidor público.

As políticas públicas exigem um amadurecimento no trato com elas, porque há uma complexidade em torno da implementação e execução. Para a população não interessa se é o ministério A ou B quem executa a política. O que importa é se o serviço chega, se o Estado brasileiro chega.

E às vezes, entra alguém que não consegue ver nada de bom em seu antecessor, e quer decidir tudo, a partir do seu ponto de vista, desmerecendo o que já existe. Assim, não se tem mais identidade com o trabalho.

Você sofreu isso?

Aconteceu menos comigo. Trabalhei muito tempo na Secretaria Especial de Direitos Humanos, começamos a trabalhar os indicadores de Direitos Humanos. Na época, foi aberto um espaço para se pensar uma análise quantitativa que contribuísse com as avaliações qualitativas. Havia espaço para o debate com os movimentos sociais. Foi um período de muito aprendizado. Eu tive sorte de participar das conferências públicas que traziam as demandas para a construção de políticas públicas.

A Secretaria tinha uma transversalidade de atuação muito interessante, ela intermediava vários ministérios para tratar de temas como os direitos raciais, de LGBTQIAPN+, de idosos, de crianças e adolescentes, de mulheres…

Pode explicar melhor…

É preciso ter um trânsito com os demais órgãos do governo para poder trabalhar as políticas públicas com eles.

Um exemplo: a gente, na Secretaria Especial de Direitos Humanos, trabalhou com políticas de alfabetização de adultos e foi necessário um link com o SUS [Sistema Único de Saúde], porque muitos adultos tinham o famoso problema de vista cansada, e não tinham óculos. Então, isso dificultava o aprendizado deles. Daí a política de Direitos Humanos, em parceria com as políticas de saúde, incluiu o atendimento médico e a distribuição de óculos.

O que ficou do legado da Secretaria Especial de Direitos Humanos, para o atual Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos?

Hoje, sua atuação é muito insuficiente. A Secretaria sempre funcionou em diálogo com a sociedade, através dos conselhos cujos integrantes assessoram o Estado. Esta estratégia tem suas dificuldades, mas é um processo muito rico, porque é cheio de insumos, de informações. A própria população que acessa o serviço daquela política pública é ouvida. Mas, se não foram extintos, foram precarizados.

O governo parou de escutar as pessoas que o Estado deveria atender. Em um país de enormes desigualdades, é claro que o órgão demora a mitigar a estrutura social. Mas há avanços possíveis com as políticas públicas. Hoje, a percepção é de que a Secretaria está em franco retrocesso, perverteu a lógica, a razão de existir. É muito triste.

Como assim?

No âmbito das políticas para crianças e adolescentes, por exemplo, a ação do Estado é, às vezes, contrária ao ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente]; à Constituição. A pauta do adolescente em conflito com a lei foi abandonada. Não há intenção de trazê-lo de volta, de prover formas de retomar um curso de vida que lhe traga um futuro mais digno.

Outra pauta, a do turismo sexual, está fora. Antes, nas ações, a gente engajava o setor do Turismo, as redes de hotéis, restaurantes, a rede de táxis… O fato de não ser sequer uma bandeira deste governo, de não trazer uma política estruturada, acaba tornando o governo omisso.

E qual a consequência quando o governo é omisso?

O Estado tem uma capacidade gigantesca de reagir e apoiar a população. Quando ele não assume esse papel, deixa à população à deriva. No senso comum, há uma visão preconceituosa sobre o Estado, em que não se espera muito dele. Mas, quando ele deixa de fazer, há um prejuízo muito grande para as pessoas. É o que vem acontecendo com a pandemia. A omissão tem um peso muito grande.

Quando eu estava na Casa Civil, em 2015, no governo Dilma, aconteceu no Brasil a epidemia pelo Zica Vírus, uma doença transmitida por mosquito. Já nos primeiros casos, quando percebemos a dimensão do problema, através dos dados de monitoramento produzidos pelo SUS, o Ministério da Saúde fez a correlação da doença em grávidas com o nascimento de crianças com microcefalia. Montamos um centro operacional bem estruturado, um centro de controle interministerial; fazíamos reuniões com os estados e os municípios. Mobilizamos as Forças Armadas para irem, de porta em porta, ver depósitos de água que poderiam conter as larvas do mosquito.

Em um ano, conseguimos conter a epidemia do Zica, tanto que a OMS [Organização Mundial da Saúde], que havia sinalizado orientar as pessoas a não irem ao Brasil naquele período, voltou atrás e reconheceu o resultado positivo do controle da epidemia pelo Brasil.

Quando você saiu da Secretaria de Direitos Humanos?

Fiquei na Secretaria de Direitos Humanos até 2011 [final do Governo Lula]. Quando estava próximo de sair, já trabalhava com os projetos ligados ao desaparecimento de presos políticos no período da ditadura militar numa Comissão criada em 1995 [início do Governo FHC]. Era a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, que visava à reparação estatal dos crimes cometidos no período da ditadura militar. Essa comissão era uma pauta de Estado, uma política que perpassou os anos. Envolveu FHC, Lula e Dilma.

Muitos não compreenderam o significado daquela ação, de tratar as feridas abertas no período militar e ainda não cicatrizadas. Participei do projeto de lei que criou a Comissão da Verdade… Esta experiência me acompanhará até o final dos meus dias. Participar da criação de Lei de Acesso à Informação, quebrar a ideia de sigilo eterno… Então, era uma ação transversal que ia além da Casa Civil ou das Forças Armadas.

E o que você pensa diante das declarações de Bolsonaro em defesa da ditadura militar?

É difícil não achar que seja ofensivo. Por sinal, é até projetado para ser! As pessoas aceitam o que foi feito como normal: o Estado entrar em guerra contra os seus próprios cidadãos, através das Forças Armadas. Hoje, é perigoso ver as Formas Armadas se envolvendo politicamente.

Isso acontece, primeiro por causa da compreensão de um papel político para as Forças Armadas, um desvio de sua razão de existir, que é esse envolvimento político. Segundo, compreende que é legítimo o Estado torturar e matar seus cidadãos quando ele deveria cuidar e proteger. Quando assume o papel de torturador não tem saída para o cidadão. Está implícita a compreensão de que o Estado pode matar os seus.

Pessoas fazem questão de ignorar o dever do Estado e isso repercute na política. Por exemplo, a cultura institucional da polícia nunca foi revista. O policial coloca sua vida em risco todo dia, é fato, e há uma dificuldade nisso, inclusive emocional. Então, é dever do Estado cuidar desse profissional. Mas, não é dando carta branca para a letalidade na polícia.

Bolsonaro usa o argumento de que está cuidando do policial…

As irregularidades do Sistema de Segurança Pública transformaram em corriqueiro o matar. A chamada resistência seguida de morte é na verdade homicídio por legítima defesa. No caso, precisa investigar! Cada situação precisa ser investigada para saber se foi realmente legítima defesa ou não. Mas, não há vontade política para isso.

Perseguir e executar um adolescente dentro da casa de uma família, numa comunidade, faz o policial se tornar uma ameaça a sociedade. Não podemos aceitar esse paradigma. Mas, não discutimos de forma madura. Começa já nos trotes violentos com os novatos na Polícia, que tentam desumanizá-los.

É preciso ter um compromisso com a pauta de Direitos Humanos envolvendo os policiais, como política pública, e não louvando quem mata.

 PERFIL: Quem é Pedro Pontual

 Ele se define como alguém prático, que gosta “de fazer com que as coisas aconteçam” e acredita que esse perfil “de focar em resultados” contribuiu para os 16 anos como servidor público na carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG). Mas, a paixão pela área não começou com a aprovação no concurso de 2005/2006.

“Meu primeiro emprego como servidor público foi em cargo comissionado no Ministério da Indústria em 1998. Eu fazia a assistência técnica na definição de critérios para saber quem era ou não elegível ao abono ou desconto de imposto nas importações pela Zona Franca de Manaus. Ali começou minha paixão pelas políticas públicas”.

Nos dois anos seguintes (1999/2000), prestou serviço à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) quando se iniciavam os primeiros estudos sobre qual o melhor padrão de TV digital para o Brasil. “Municiávamos os gestores de Informações que ajudariam a definir o padrão a ser adotado pelo país. Quais as vantagens e desvantagens de cada um dos sistemas”, recorda.

Naquela época, se a graduação em Engenharia Elétrica contribuiu para a função no serviço público, logo, logo foi trocada pelas especializações e mestrados em políticas públicas, gestão governamental e administração pública. E a meta passou a ser a de se tornar um servidor concursado.

“Briguei para estar nesta carreira. É o investimento de uma vida”. Hoje, aos 47 anos, sem filhos, Pedro Pontual tenta conciliar o trabalho com atenção à família, especialmente à mãe, que ainda reclama de suas ausências, e ao companheiro com quem divide a vida também há 16 anos.


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