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Divisão artificial de famílias é fruto do mau desenho do Auxílio Brasil, aponta EPPGG

No cadastro do Auxílio Brasil, famílias com um 1 ou 2 integrantes registraram crescimento vertiginoso de 2021 para cá. Por exemplo, de novembro do ano passado a setembro deste ano, famílias de 1 pessoa subiram de 15,2% do total de beneficiadas para 25,8%. São 3,1 milhões de famílias a mais, totalizando 5,3 milhões, de acordo com os dados do Ministério da Cidadania. Já as famílias com 3 e 4 integrantes vêm registrando queda constante nos últimos meses.

Ainda que os dados indiquem uma proliferação de pequenos núcleos familiares no Brasil, essa não parece ser a realidade: trata-se, antes, de uma “divisão artificial”. Isso porque o Auxílio Brasil permite que pessoas que moram em um mesmo endereço, mas que estão inscritas no Cadastro Único como se vivessem sozinhas, recebam o benefício de forma individual. Dessa forma, a regra do programa estimula o cadastro separado de integrantes de um mesmo núcleo familiar.

A socióloga e EPPGG Letícia Bartholo, ex-secretária nacional adjunta de Renda de Cidadania (2012-2016), foi ouvida pelo Valor Econômico para explicar o fenômeno. A especialista já fez diversas críticas ao desenho do programa que substituiu o Bolsa Família.

Segundo Bartholo, a divisão das famílias pode, sim, ser uma estratégia de pessoas em situação de pobreza para elevar a renda familiar; contudo, ela tem o cuidado de não responsabilizar apenas as famílias, e sim o mau desenho do Auxílio Brasil e a inconstância nas políticas governamentais nos últimos anos: “Em dois anos, passamos por diversas transformações na transferência de renda. Ainda que a gente considere que famílias estão adotando esse comportamento estratégico, a responsabilidade primeira é do governo federal e do mau desenho da política, e não das famílias”, avalia.

Juliana Damasceno, economista da Tendências Consultoria, foi outra especialista escutada pela reportagem do Valor Econômico. Ela afirma que a alta no número de famílias unipessoais é superior a 100%, “sem nada em dados demográficos, seja na taxa de fecundidade, seja na de mortalidade, que explique essa expansão numa velocidade tão alta”. Ela também vê no desenho equivocado do Auxílio Brasil o problema: “Definir que uma família de cinco filhos receba o mesmo que uma com um filho só é completamente fora da realidade, uma distorção da focalização”, critica.

CadÚnico deturpado

Como resultado da alteração artificial dos dados familiares, está a deturpação do CadÚnico, que é a base de dados para uma série de programas sociais federais, estaduais e municipais – e não apenas do Auxílio Brasil. O problema, portanto, é mais profundo, e prejudica a eficiência e a avaliação dos resultados das políticas de distribuição de renda no País de maneira ampla.

Por isso, avalia Bartholo, a prioridade do próximo governo deverá ser estabelecer um desenho de programa que pague valores considerando a composição familiar: “Vai precisar atualizar milhões de cadastros em uma articulação profunda com Estados e municípios, organizando e comunicando adequadamente as famílias. Talvez tenhamos de pensar em algum tipo de estímulo para que esses adultos busquem corrigir seus cadastros. Não precisa fazer parte do programa de transferência de renda e, inclusive, pode ser temporário”, considera.

Leia as reportagens publicadas no Valor Econômico aqui e aqui.


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