Nota Técnica da CGU atenta contra liberdade de expressão de servidores
A ANESP se soma às vozes de entidades de representação de servidores públicos federais e repudia veementemente as conclusões da Nota Técnica da Controladoria-Geral da União (CGU) acerca de manifestações críticas por parte de servidores. A NT 1556/2020 da CGU é uma tentativa inconstitucional de controle do indivíduo.
As implicações e decorrências do documento são nocivas à Administração Pública Federal, ao Estado Democrático de Direito e ao pleno exercício da função pública dos servidores, devendo seus efeitos serem compreendidos pelo conjunto da sociedade. Ao cercear críticas, num empenho totalitário, a CGU é quem acaba por ser desleal com o Estado, uma vez que atua contra a transparência e a qualificação das políticas públicas.
A Nota Técnica emitida em 3 de julho expressa diversos entendimentos acerca da conduta de servidores públicos. Entre eles, considera quaisquer “manifestações críticas de servidores ao órgão ao qual pertença” como “conduta passível de apuração disciplinar”, assim como considera “descumprimento do dever de lealdade expresso no art. 116, II, da Lei nº 8.112/90” quaisquer “condutas de servidores que tragam repercussão negativa à imagem e credibilidade de sua instituição”.
Tais entendimentos possuem caráter normativo, posto que foram documentados para que sejam utilizados como referência no âmbito da Administração Pública Federal. A CGU é o órgão central responsável por definir as regras que servem de parâmetro para os órgãos de correição em cada ministério, responsáveis pela instauração de processos administrativos disciplinares (PADS).
É evidente que os pontos descritos atentam contra o direito fundamental de liberdade de expressão, garantido por meio de diversos dispositivos da Constituição, como se legítimo fosse que um cidadão, por ser servidor público, pudesse ser despido de quaisquer de seus direitos fundamentais.
Os efeitos práticos da NT vão muito além do grave tolhimento de direitos. Ao afirmar que servidores são passíveis de sanções por críticas ou qualquer ato que possa ter “repercussão negativa sobre a imagem” de seu órgão, a CGU atenta contra a sua própria responsabilidade de promover a transparência da Administração Pública, enfraquecendo sua resiliência frente a comandos inadequados, lesivos aos seus objetivos ou ao interesse público. Atenta, ainda, contra o controle social, fundamental em uma sociedade democrática de direito; e adota régua que permite a agentes públicos a prática de perseguição política.
Pela NT, pode ser alvo de procedimento disciplinar, por exemplo, qualquer servidor do SUS que denuncie problemas na forma como vem sendo conduzido o enfrentamento da pandemia; qualquer profissional do IBAMA que denuncie problemas na forma como vem sendo executada a política ambiental; ou qualquer agente carcerário que denuncie tortura no âmbito de estabelecimento prisional.
Para uma referência concreta, podemos citar atitudes como a de técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que recentemente denunciaram a existência daquilo que qualificaram como uma estrutura paralela dentro da instituição – atitude que, pela NT, poderia ensejar processo disciplinar. Lembremos ainda do caso de uma geógrafa da Superintendência do Incra de Marabá, que foi alvo de processo administrativo determinado pelo Secretário Nacional de Regularização Fundiária do Ministério da Agricultura, simplesmente por tê-lo questionado durante uma audiência pública. Segundo a NT, ela deveria ter sido punida.
A CGU argumentou que a punição nestes casos seria de baixa severidade. Consideramos o argumento como uma comprovação da limitada compreensão do órgão corregedor sobre a gravidade de impor censura prévia aos servidores. Já há previsão, na legislação vigente, de punição para casos de violação de sigilo profissional, difamação, dentre outras previsões..
Felizmente, a sociedade tem reagido ao conteúdo abusivo da normativa, com manifestações de repúdio por meio de representações de servidores públicos, organizações da sociedade civil, e também com reações efetivas no âmbito do Legislativo, inclusive com o Projeto de Decreto Legislativo de Sustação de Atos Normativos do Poder Executivo – PDL nº 352/2020, que se destina a suspender a aplicação da NT. Impor limites a tentativas autoritárias é dever coletivo neste momento, não permitindo que prosperem entendimentos que remontam a uma época sombria da nossa história que precisamos, de uma vez por todas, deixar pra trás. Mais uma vez: nunca mais!
Por todo o exposto, reiteramos que a ANESP entende que a Nota Técnica da Controladoria-Geral da União fere gravemente garantias fundamentais inerentes à dignidade humana e previstas na Constituição Federal de 1988 - a Constituição cidadã -, e excede a autoridade conferida àquele órgão e avalia as medidas mais adequadas a serem tomadas para proteger os direitos dos servidores públicos, em especial dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental.