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Aviação civil sofre impactos da pandemia; quais políticas amparam o setor?

Autores: Ricardo Sampaio da Silva Fonseca[1], Karla Andrea Rodrigues dos Santos[2] e Carlos Eduardo Resende Prado[3]

A propagação do coronavírus SARS-CoV-2, causador da enfermidade Covid-19, provocou impactos variados e significativos em toda a sociedade. De fato, com a disseminação exponencial desse coronavírus e a subsequente declaração de estado de pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), inúmeras medidas restritivas foram adotadas pelos governos locais ou nacionais como forma de controlar o número de pessoas contaminadas, como a imposição do distanciamento social, o fechamento de espaços aéreos e fronteiras, e a restrição da entrada de estrangeiros em seus territórios. Naturalmente, diversas atividades econômicas foram afetadas, mas o impacto no setor aéreo mostrou-se particularmente expressivo, tanto em virtude da limitação das viagens internacionais e do receio de contaminação como pela queda da atividade econômica.

Como resultado, houve uma queda abrupta na demanda de voos e na movimentação de passageiros nos aeroportos, em escala mundial, impondo às empresas aéreas a adoção de medidas de ajustes ao novo cenário, como o cancelamento de voos e, a decorrente, paralisação de aeronaves. No Brasil não foi diferente, e observou-se uma forte redução da demanda por voos domésticos e internacionais.

Diante dessa situação, diversas iniciativas de suporte ao setor foram implementadas ou apoiadas pela Secretaria Nacional de Aviação Civil (SAC), tanto na seara econômica, no sentido de prover liquidez às empresas, quanto no âmbito operacional.

Entre as medidas operacionais, em 27 de março de 2020, seguindo as diretrizes adotadas pela Comissão Nacional das Autoridades Aeroportuárias (Conaero), a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), negociou com as três principais companhias que operam no Brasil para o estabelecimento de uma malha mínima, a fim de que nenhum estado ficasse sem ao menos uma ligação aérea. Conforme dados da Agência, em março, com a malha mínima, o número de voos domésticos semanais passou de 14.781 para 1.241. Ou seja, a malha emergencial é 91,61% menor do que a originalmente prevista pelas empresas aéreas para esse período. Tomando como base a programação da Gol, Azul e Latam, isso representa uma queda de 56,06% das localidades atendidas, passando de 106 para 46. O cenário mostra-se ainda mais dramático quando considerado os voos internacionais, com quedas de aproximadamente 95% nos passageiros pagos transportados pelas empresas aéreas.

Face à redução do número de voos, sucedeu-se a necessidade de grande número de posições de estacionamento para a permanência das aeronaves em solo, por período ainda indefinido, compreendendo seus respectivos serviços de hangaragem. Diante disso, em 2 de abril de 2020, foi publicado o Decreto nº 10.308, que dispõe sobre requisição de bens e serviços prestados por empresas públicas vinculadas ao Ministério da Infraestrutura durante o período que perdurar o estado de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19. A medida visa possibilitar ao Ministério da Infraestrutura requisitar bens e serviços das empresas públicas vinculadas, no caso do modal aéreo, posições de estacionamento de aeronaves nos aeroportos administrados pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero).

Em relação à carga aérea, o que se observa é o aumento na demanda por voos dedicados, especialmente, para o transporte de suprimentos médicos, equipamentos de proteção individual, testes para detecção do coronavírus, e outros itens relacionados à emergência de saúde pública, destacando-se como origem os aeroportos localizados na China.

Tendo em vista que grande parte da carga aérea era transportada no espaço disponível nos porões das aeronaves dedicadas ao transporte de passageiros, com a redução destas operações, observou-se que somente as aeronaves cargueiras não poderiam suprir a demanda mundial por este tipo de operação. Isso se reflete de maneira semelhante no cenário doméstico.

A partir disso, a ANAC promoveu alterações em sua regulamentação e publicou a Decisão nº 71, de 15 de abril de 2020, na qual aprova diretrizes para permitir em caráter excepcional o transporte de carga nos compartimentos de passageiros durante a pandemia e a Portaria nº 880, de 27 de março de 2020, na qual autoriza o transporte de carga por empresas de táxi-aéreo, em caráter emergencial.

Dentre as medidas de cunho econômico, ressalta-se, inicialmente, a Medida Provisória nº 925, de 18 de março de 2020, que dispôs sobre “medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia da covid-19”. Sinteticamente, a medida trouxe duas alterações legais.

A primeira estabeleceu que o pagamento das contribuições fixas e as variáveis dos aeroportos concedidos (via de regra, a principal despesa financeira dessas Sociedades de Propósito Específico) com vencimento no ano de 2020 poderiam ser pagas até o dia 18 de dezembro de 2020. Já a segunda alteração buscou impactar o caixa das empresas de transporte aéreo, dilatando o prazo para reembolso de passagens aéreas de 7 dias para 12 meses, estabelecendo, porém que os consumidores que optassem por manter seus créditos nas companhias não estariam sujeitos a qualquer penalidade contratual.

De fato, as companhias começavam a experimentar um fluxo de receitas diário negativo, ou seja, além de não receber qualquer compra de novas passagens, tinham que devolver parte do dinheiro das passagens adquiridas nos meses anteriores, cenário que, sem nenhuma alteração, iria levar à quebra das empresas e, em última análise, a não realização de qualquer voo. Por outro lado, essa medida veio acompanhada de uma isenção, para os consumidores, das penalidades usualmente dispostas nos contratos de transporte aéreo para aqueles que aceitassem a conversão dos valores despendidos em créditos para utilização futura. Tal medida trouxe uma desejável flexibilidade aos consumidores em face da incerteza sobre o tempo de propagação do vírus e a retomada da economia, com a correspondente retomada das atividades laborais e de lazer.

Também como forma de impactar positivamente as saídas de caixa dos proprietários ou exploradores de aeronaves, deve-se ressaltar a edição do Decreto nº 10.284, de 20 de março de 2020, que dispõe sobre a dilatação do prazo de vencimento das tarifas de navegação aérea durante o período de enfrentamento da pandemia da Covid-19. Segundo disciplinado pelo Decreto nº 10.284/2020 e pela Portaria DIRENS nº 402/GC3, de 24 de março de 2020, as tarifas com prazo de vencimento nos meses de março, abril, maio e junho de 2020, passaram a poder ser pagas nos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2020, respectivamente.

Ainda na seara financeira, deve-se ressaltar as tratativas da SAC com outros órgãos do Governo Brasileiro - notadamente o Ministério da Economia e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) -, com o intuito de desenvolver novos produtos financeiros e linhas de crédito que sirvam para assegurar às empresas do setor de aviação civil o capital necessário para o cumprimento de suas obrigações de curto prazo. Cabe notar, porém, que o setor é composto por empresas dos mais variados portes, e as linha de financiamento da folha de pagamento de empresas com faturamento de até R$ 10 milhões de reais recentemente anunciadas pelo Governo Federal já abarcaram parte das firmas ligadas ao modal aéreo.

Todo esse conjunto de medidas tem o propósito de dar meios ao setor para responder às dificuldades operacionais e econômicas advindas da pandemia e, assim, mitigar a risco de insolvência de companhias aéreas e aeroportos no mercado nacional.

[1] Ricardo Fonseca, EPPGG da 16ª Turma, é economista, com MBA em Finanças e Mestrado em Economia.  Atualmente é Diretor de Políticas Regulatórias da Secretaria Nacional de Aviação Civil, responsável pela estruturação do programa de concessões aeroportuárias e pelo acompanhamento e adoção de medidas para a melhoria do ambiente de negócios da aviação doméstica e internacional.

 [2] Karla Santos, EPPGG da 9ª Turma, é Engenheira Civil, com MBA em Comércio Internacional. Atualmente, é Coordenadora-Geral de Segurança e Carga, na Secretaria Nacional de Aviação Civil, responsável pela coordenação e implementação de diretrizes para o transporte aéreo de carga e segurança da aviação civil contra atos de interferência ilícita.

 [3] Carlos Prado, EPPGG da 13ª Turma, é advogado e químico, com doutorado em Físico-química e mestrando em direto. Atualmente é Chefe de Gabinete da Secretaria Nacional de Aviação Civil, atuando na articulação das políticas públicas desenvolvidas para o setor aéreo.