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Nunca Mais!

A conta oficial de mortes decorrentes da Covid-19 já entra na casa das dezenas de milhares de pessoas. No entanto, estimativas com base no histórico dos registros cartoriais de óbitos apontam para ainda mais vítimas. Não são só números. Nós da ANESP expressamos profundo pesar às famílias das pessoas cujas vidas foram abreviadas pelo coronavírus.

Mitigar ao máximo os efeitos da pandemia não tem sido diretriz do governo federal. Na verdade, a insistência em políticas de austeridade e a falta de liderança do governo federal, questionando o distanciamento social, antagonizando governadores, e fazendo constantes trocas de equipes nos ministérios acabam por ter um impacto letal no contexto atual, permitindo que ocorram mais mortes e que a população sofra mais.  

Países da América Latina que não puniram os graves crimes contra os direitos humanos perpetrados em seus períodos ditatoriais tendem a ter maior tolerância à violência, e a agentes do Estado que a praticam, ao menos é o que indica a pesquisadora Kathryn Sikkink, em seu livro “The Justice Cascade”.

O livro “Brasil: Nunca Mais” deu publicidade aos registros oficiais do regime de 1964 de tortura realizada nos seus porões. Livro de nome semelhante foi publicado pelos alunos sobreviventes do tiroteio ocorrido em fevereiro de 2018, em Parkland, Flórida. Inspirado pela resistência às ditaduras latino-americanas do século XX, o livro “Never Again” reivindica que o Estado tenha como prioridade proteger a vida dos seus cidadãos.

Nunca Mais é também a ideia motriz da Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada em resposta aos horrores do holocausto e da 2ª guerra mundial. A declaração traz, em sua essência, a ideia de que a vida humana deve ser protegida e sua dignidade, garantida – sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O preâmbulo da Constituição Federal traz o objetivo de “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”, valores irreconciliáveis com qualquer noção de que há vidas descartáveis que não valem o dinheiro a ser gasto para protegê-las.

Vivemos hoje sob um governo que ascendeu pelas regras democráticas e que deveria agir conforme os princípios de uma Constituição que jurou respeitar. Mas suas políticas são desenhadas e implementadas sem que as consequências sejam avaliadas, em nome de uma retórica que prioriza a morte.

Não faltam evidências a respeito dos princípios que norteiam este governo. O próprio Presidente já deu inúmeras declarações sobre suas prioridades e sua relação com a população, sem jamais ter se solidarizado com o sofrimento daqueles afetados por essa pandemia. A retórica nazista é utilizada de maneira recorrente, o que, em si, já seria suficientemente preocupante se quem o fizesse fossem atores distantes da liderança do governo.

Nós, servidores públicos, temos compromisso com a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político, assim como com os demais princípios fundamentais previstos no artigo primeiro da Constituição Federal. Quando ideias diferentes se tornam ameaçadoras e as instituições democráticas são declaradas inimigas do Presidente e dos seus apoiadores, a ameaça de repetirmos erros e atrocidades do passado torna-se real.

E se há algo que nos une é a convicção de que o autoritarismo não pode ter espaço no Brasil. Nunca mais.