ANESP

View Original

Especial Mulheres: Regina Luna e o peer review da OCDE sobre Gestão de Pessoas da República Dominicana

Regina Luna é Diretora do Departamento de Modelos Organizacionais e Força de Trabalho dos Setores de Infraestrutura e de Articulação Governamental do Ministério do Planejamento. Foto: Filipe Calmon / ANESP

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou recentemente trabalho de revisão por pares sobre a Gestão de Recursos Humanos para Inovação no Serviço Público da República Dominicana. Entre especialistas locais, do Canadá, Chile, Colombia, França e Irlanda se destaca a participação da brasileira Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) e ex-presidente da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP) Regina Luna Santos de Souza.

Experimentada neste tipo de trabalho e com enorme vivência na área, Regina Luna foi convidada pela OCDE para ser uma das revisoras neste trabalho concluído em 2014 e publicado no início deste ano. Em entrevista à ANESP, ela conta como recebeu o convite da OCDE e como enfrentou os relevantes desafios inerentes ao projeto. Além disso, não se esquiva de tecer comentários sobre a experiência dominicana comparando-a com a realidade brasileira. A EPPGG ressalta a importância da troca de experiência com especialistas de outros países e se posiciona sobre o futuro da Gestão de Recursos Humanos, a qual prefere chamar de Gestão de Pessoas.

A Gestão de Recursos Humanos é encarada pela OCDE como estratégica para maior qualidade, responsividade e eficiência na prestação de serviços públicos. Esta área é uma das atingidas pela reforma administrativa pela qual a República Dominicana vem passando nos últimos anos, o que justifica a cooperação da OCDE, e de seus países membros, revelada neste trabalho.

A carioca Regina Luna, da 2ª Turma de EPPGG, é Doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB), Mestre em Ciência Política e graduada em Relações Internacionais e Ciência Política. Antes de ingressar na Carreira de EPPGG, atuou no CNPq, no IPEA, na SAE e foi professora substituta na UnB. Entre 1996 e 2003, já como EPPGG, serviu na ENAP e no MEC. Até 2005, trabalhou no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) como diretora de força de trabalho. Em seguida, atuou no Ministério de Minas e Energia (MME). Em 2008, retornou ao MP. Primeiro, atuou como assessora na Secretaria Executiva, trabalhou ainda na SEGES/SEGEP e, recentemente, na Assessoria ao Secretário de Gestão, cuidando da área Parlamentar. Desde o último mês de junho, Regina Luna atende como Diretora do Departamento de Modelos Organizacionais e Força de Trabalho dos Setores de Infraestrutura e de Articulação Governamental.

Clique aqui e acesse (em inglês) o trabalho OECD Public Governante Reviews: Dominican Republic - Human Resource Management for Innovation in Government

Confira abaixo a entrevista

ANESP - Antes de iniciarmos as perguntas sobre a experiência da República Dominicana em Gestão de Pessoas, gostaríamos de entender melhor o que é peer review e quando esse tipo de trabalho é realizado.

Regina Luna - Peer Review, ou Revisão por Pares, é um tipo de estudo em que são convidados especialistas em uma determinada área de conhecimento para se analisar um caso. No caso da OCDE, os peer reviews são estudos aprofundados de áreas de políticas públicas, examinadas de igual pra igual por especialistas de países participantes da Organização.

Geralmente, o peer review é realizado quando um país sente necessidade de melhorar sua atuação em uma determinada área, começando pela avaliação do setor, passando pelo diagnóstico e chegando à prescrição de propostas de políticas e programas para a área.

Regina Luna passou por períodos de imersão para estudar e avaliar a política de gestão de pessoas da República Dominicana. Foto: Arquivo pessoal

Um país que procura reduzir o desemprego, por exemplo, pode aprender muito da experiência dos seus pares sobre o que funcionou ou não. Isso pode economizar tempo ou experimentação custosa no desenho ou na execução de políticas públicas. As recomendações resultantes desse estudo também podem ajudar os governos a ganhar apoio interno para sustentar medidas difíceis. E, talvez, o mais importante seja o processo em si, uma vez que todos passam pelo mesmo exercício de se colocar no papel do outro, nenhum país se sente isolado. Todos os revisores já se sentaram ou se sentarão na cadeira, em algum momento. 

Os peer reviews vêm sendo usados na OCDE desde que a organização foi criada, há mais de 50 anos. Desenvolveu-se no tempo para dar conta dos novos desenvolvimentos, incluindo o envolvimento da Sociedade Civil, do Mercado e do Trabalho.  Uma medida do sucesso dos peer reviews realizados pela OCDE é que outras organizações internacionais adotaram a metodologia e também pediram ajuda da OCDE na realização dos estudos. 

ANESP - Não é a primeira vez que você faz parte de um trabalho como esse. Como foi essa experiência anterior?

RL - Foi muito interessante. Em 2008 e 2009, participei do Peer Review em Políticas de Recursos Humanos do Governo Federal Brasileiro. Fornecemos as informações para a avaliação dos especialistas, pesquisamos diversas fontes, conversamos com diversos gestores e estudiosos do tema. Tivemos, depois, que ler e revisar o texto final do Relatório. Todo esse processo de reflexão é muito intenso e, durante a imersão, aproveitamos para avaliar nossa própria experiência.

ANESP - A experiência adquirida nesse trabalho concluído em 2009 pode ser aproveitada para o trabalho com a República Dominicana?

RL - Sim. Uma vez que já havíamos passado pelo processo de avaliação, de forma intensa, não apenas minha experiência e conhecimento na área foram importantes, como também a busca pelas fontes de informação e o tipo de informação necessária para o estudo.

Regina Luna prefere Gestão de Pessoas a Gestão de Recursos Humanos. Foto: Arquivo pessoal

ANESP - Como o convite da OCDE chegou até você dessa vez? Foi novamente desafiador? Qual a sua relação dentro da OCDE? 

RL - O convite veio para o Ministério do Planejamento, que o direcionou a mim. Eu sou membro do Comitê de Gestão Pública (Governança). Ao iniciar o projeto com a República Dominicana, houve interesse na experiência brasileira. E eu era a única pessoa da equipe de 2009 que ainda estava trabalhando no Ministério do Planejamento, órgão responsável pelo primeiro estudo. Foi um desafio em diversas áreas: conhecimento da língua (espanhol, inglês, francês), conhecimento da área, conhecimento metodológico, entre outros.

ANESP - Você já tinha algum conhecimento sobre a Gestão de Recursos Humanos da República Dominicana? 

RL - Em momentos anteriores, participei de estudos realizados no âmbito do CLAD sobre Gestão de Recursos Humanos e também acompanho, há mais de doze anos, os estudos em Gestão do Setor Público no âmbito da Comissão de Especialistas em Administração Pública da ONU. Nesses estudos, aprendi mais sobre o estado da arte da Administração Pública na América Latina como um todo. Daí para estudar especificamente o caso da República Dominicana não foi difícil. Na verdade, a situação de todos esses países é bem parecida - na tentativa de ter arranjos organizacionais mais eficientes e na construção de relacionamentos mais sólidos com a Sociedade.

ANESP - De forma resumida, o que aponta o estudo? Algo a surpreendeu? 

RL - De um modo geral, os desafios de construção de uma Administração mais profissionalizada, a busca de arranjos mais eficientes, a dificuldade de encontrar um processo de seleção mais eficiente. Fiquei surpresa com a pouca profissionalização da gestão: a maioria dos dirigentes públicos não são servidores de carreira e não há intenção, no médio prazo, de reverter a situação.

ANESP - É possível traçar paralelos com a experiência brasileira? Quais seriam os mais importantes?

Foto: Filipe Calmon / ANESP

RL - Alguns pontos são idênticos: a dificuldade de garantir transparência, a prevalência do sistema do mérito, a resistência à avaliação do desempenho e o delicado equilíbrio entre o corporativismo e as demandas da sociedade em um ambiente democrático.

ANESP - Lições da República Dominicana podem ser adaptadas para resolver questões brasileiras?

RL - Sempre se aprende algo interessante nesses estudos. Particularmente, gostei muito da experiência deles na área de recrutamento e seleção em áreas novas. Basicamente, a seleção de profissionais em novas áreas de conhecimento é realizada de forma temporária, após a realização de uma formação de até seis meses.

ANESP - Você trabalhou em parceria com diversos especialistas de vários lugares do mundo. Houve realmente uma troca durante esse trabalho ou só no produto final? 

RL - Houve intenso debate e troca nas quatro grandes fases do projeto. No kick-off, diversos especialistas foram convidados a escrever sobre a experiência de ter passado por um peer review em seus países de origem. Houve oportunidade de troca entre Brasil, Chile e Colômbia. Na fact-finding mission, houve oportunidade de troca na coleta e avaliação de informação entre especialistas do Brasil, da França, da Irlanda e da própria OCDE. Como essa foi a fase mais intensa, ao mesmo tempo em que as informações foram levantadas, precisávamos discutir sobre elas e compará-las com nossas próprias experiências. Na redação do Relatório, à medida que o texto ia sendo preparado, precisávamos recuperar nossas memórias sobre o que foi analisado e projetar experiências que poderiam ser consideradas como parâmetro de comparação (benchmark). E, finalmente, após a redação de um draft do Relatório, ele foi exposto aos membros do Comitê de Governança e algumas sugestões foram feitas.

ANESP - Qual a relevância desse múltiplo olhar sobre um mesmo tema? 

RL - Dessa forma o tema é esquadrinhado e diversas possibilidades são consideradas para sua avaliação e para a sugestão de práticas.

ANESP - De que forma o seu olhar brasileiro chegou a outros países oportunizado pela execução desse trabalho?

RL - De uma forma geral, a experiência brasileira com avaliação de desempenho, profissionalização da gestão, seleção e recrutamento, regimes diferenciados de contratação de servidores públicos, previdência do servidor e capacitação continuada sempre são levadas em consideração.

ANESP - Quais suas impressões gerais sobre o tema recursos humanos e políticas públicas? Digo, quais os desafios que se apresentam e como encontrar soluções para eles?

RL - O grande desafio é construir organizações públicas transparentes e responsivas, que tenham um bom desempenho, que apresentem resultados para a Sociedade e, ao mesmo tempo, sejam mais humanas com seus servidores. A visão de "Recursos Humanos" ainda impera e é preciso construir a visão de "Gestão de Pessoas", em que os servidores sejam tratados como parceiros e não como um "recurso". É um equilíbrio delicado, ainda mais em um contexto como o nosso, pois o corporativismo pode vencer, fazendo com que as organizações sejam autorreferenciadas. Nesses casos, a Sociedade perde.

ANESP - O que o Governo Brasileiro tem feito sobre o tema? 

RL - Acredito que a experiência da última década com a Mesa de Negociação nos ajudou a entender muito sobre quão delicado é o equilíbrio entre corporativismo e responsividade e qual o grande risco para a capacidade de entrega de resultados para o Governo. Precisaríamos avançar mais na questão da pactuação de resultados e na avaliação de desempenho, mas essa tem sido a grande resistência, até mesmo ideológica, das últimas gestões.

ANESP - Mudar esse entendimento tem feito parte do seu trabalho.

RL - Sou uma das pessoas que defende a implantação do sistema do mérito, da profissionalização da gestão, da lógica da avaliação de desempenho institucional acima da individual, da pactuação de resultados e do planejamento estratégico de gestão de recursos nas organizações. Em alguns momentos, é possível emplacar uma ação importante.

Foto: Arquivo pessoal

ANESP - Existe uma direção clara, um destino proposto para a política pública de recursos humanos do Brasil? 

RL - É difícil dizer. Acredito que o maior desafio é conseguir levantar o olhar do dia-a-dia e projetá-lo para o futuro. Acredito que o caminho se faz ao caminhar. Temos estado muito sujeitos aos humores de curto prazo, das emergências e urgências do dia-a-dia, o que tem drenado energia importante. Com o foco no curto prazo, o planejamento da administração para o futuro tem sido prejudicado.

Acho que precisamos explorar mais as possibilidades de cooperação com organismos internacionais e na cooperação técnica internacional. Apesar de tudo, ainda temos certa resistência em olhar para fora e trazer experiências interessantes para buscar soluções diferenciadas para nossos problemas.

ANESP - Você acredita que sua formação e experiência como EPPGG a ajudaram a atuar nesse nível? 

RL - Sim, com certeza. Desde o curso de formação não me afastei dessas temáticas, tendo atuado na área por quase vinte anos. Sempre se aprende e sempre se ensina ao longo desse tempo. Nos últimos quatro anos, ainda tive a chance de realizar missões de cooperação técnica na área, o que amplia os horizontes consideravelmente.

ANESP - Quais as características de EPPGG que podem ser ressaltadas neste caso?

RL - A capacidade de dialogar com diversas áreas do conhecimento, seu caráter generalista, com ênfase na gestão da máquina pública. Temos duas áreas grandes de atuação: na política pública e na gestão. Sem passar pelo meat grinder, que é a área da gestão pública, não temos condição de propor políticas que sejam implementáveis e bem-sucedidas. Como minha experiência tem sido muito mais focada nos meios para se implementar as políticas, isso me dá um olhar diferenciado na proposição de soluções.

ANESP - Você ocupou a presidência da ANESP, conte-nos brevemente sobre isso.

RL - Sou associada desde 1996. Fiz parte da Direção da Anesp entre 1998 e 2003, momento meio conturbado da Carreira: discussão sobre a Reforma do Estado, dificuldade de relacionamento com os órgãos gestores da Carreira, entre outros. Aprendizado rápido e intenso sobre as questões da Carreira; sou muito agradecida pela experiência, que me trouxe ganhos no campo pessoal e de conhecimento.