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Berço dos líderes globais

As instituições que formam os futuros líderes globais

O sonho deles não é virar gerente-geral de uma construtora nem sócio majoritário de um escritório. Mas diretores de organismos internacionais, embaixadores, ministros e - por que não? - presidentes da República são cargos que fazem brilhar os olhos desses jovens ainda inexperientes e com muito chão pela frente, mas que possuem uma certeza: querem servir ao Estado.
 
Não há limites para os futuros líderes públicos formados nas grandes escolas de pós-graduação ao redor do globo. Como nem sempre encontram nos países de origem os cursos específicos para esse objetivo, eles com freqüência recorrem a pólos acadêmicos internacionais, tradicionalmente situados nos Estados Unidos, mas que atualmente se revelam cada vez mais descentralizados.

Considerada modelo no gênero, a Universidade de Harvard não é mais destino obrigatório para os que sonham com um alto cargo no seio do governo ou de organizações internacionais. Na Europa, as instituições de ensino aperfeiçoam o vasto leque de opções de cursos voltados à administração pública, como os cursos da École Nationale d'Administration (ENA) e o Institut d'Études Politiques (Sciences Po), na França, e a London School of Economics and Politics Sciences (LSE). A Ásia não fica para trás, e abriu há apenas quatro anos seu próprio curso de Políticas Públicas, em Cingapura, para onde vão estudantes chineses, indianos, japoneses e de outros países da região.

Em comum, essas escolas se globalizaram e abrem um espaço considerável para a entrada de alunos estrangeiros. O próprio ensino considera fatos politicamente relevantes do mundo inteiro. Para o concurso de admissão no ENA, por exemplo, o entrevistador pode perguntar ao candidato o que ele pensa sobre a gestão da crise no governo na Turquia, ou como ele administraria o impasse na administração Evo Morales na Bolívia. A internacionalização do ensino, que pega exemplos de governança dos cinco continentes, é a base para que os futuros administradores públicos tenham um maior conhecimento na hora de se depararem com os impasses reais de seus próprios países.

A longa tradição de apego dos franceses ao Estado funciona como um verdadeiro pára-raio para os estudantes que optam pela Europa. A ENA, instituição criada logo após o final da Segunda Guerra Mundial, cruza os caminhos de dois ex-presidentes da República (Valéry Giscard d'Estaing e Jacques Chirac), sete ex-primeiros-ministros (entre eles o último, Dominique de Villepin) e incontáveis ex e atuais ministros. Atraí­dos pela fama de efi­ciência da administração pública aliada à importância histórica que o Estado francês teve na formação da Nação, estudantes do mundo inteiro vão a Strasbourg - onde fica a principal sede da ENA - para seguir os passos dos famosos líderes políticos.

"A França desde sempre cultivou esse interesse na qualidade do governo e da administração pública, e esses valores pas­sam de pai para filho. Os estudantes estrangeiros vêm conhecer de perto as nossas bases de um Estado muito bem estruturado, sólido, democrático e com um corpo de funcionários extremamente com­petente, bem formado, honesto e ligado a fundo aos valores da República: a liberdade, a igualdade e a fraternidade", explica o diretor da escola, Bernard Boucault.

Na sala de aula, os alunos aprendem não apenas a gerir problemas práticos de administração pública - o curso é todo voltado para estudos de caso - como têm aulas de ética e civismo. O objetivo é formar os funcionários públicos, os mais bem capacitados para que a máquina estatal ande sempre para a frente. Desafios práticos postos à solução diante dos futuros ministros ou conselheiros de Estado são os exercícios preferidos em aula. "Cada país tem a sua cultura e tradição e é difícil, para mim, avaliar por que escolas como a nossa não têm tanto prestígio em determinados países. Mas, no meu entender, um treinamento adequado é fundamental para que o Estado disponha de um corpo de funcionários públicos eficiente. A competência do servidor público não se forma por mágica, só porque ele foi aprovado no concurso", avalia Boucault.

Desde a entrada no curso, após a conclusão de pelo menos uma graduação e a aprovação em uma série de exames e entrevistas, os alunos são vistos como futuros funcionários públicos e realizam estágios remunerados em um dos diversos parceiros da escola, instituições européias e internacionais reconhecidas e em órgãos governamentais como o Conselho de Estado. A bolsa de estudos pode chegar a ? 2,5 mil (R$ 6,5 mil) por mês.

A ENA segue como a preferida; no entanto, aos poucos o seu reinado até então absoluto começa a ser ameaçado pela principal concorrente, a Sciences Po. Criada em 1872 e uma das mais importantes faculdades de Ciência Política, Economia e Administração no país, a instituição abriu em 2005 um mestrado (Master of Public Affairs) que sem modéstia almeja não apenas bater a ENA, mas ser a grande adversária de Harvard fora dos Estados Unidos.

Para isso, a Sciences Po aposta pesado na internacionalização tanto do ensino quanto dos corpos docente e discente. No currículo do mestrado em Assuntos Públicos, as noções de gerenciamento do privado se mesclam com os velhos conhecimentos de administração do público, no que seria a administração pública do futuro.
 
Karim Amellal, diretor do curso, não poupa críticas à queridinha dos franceses e aposta na queda da ENA nos próximos dez anos. "O acesso elitista e o ensino arcaico da ENA fazem as pessoas procurarem por outras opções mais modernas e democráticas. A gestão pública converge à gestão privada, e eles parecem não ter percebido essa mudança nos tempos. Se 80% dos aprovados na ENA são nossos ex-alunos, não vejo por que não poderemos ocupar o lugar deles em dez anos", diz.

 

Benjamin Lanot e Nabil Ait Akkche: sonho com carreira no governo

Independentemente da guerra de qualidade entre as duas grandes escolas, a estabilidade do emprego no funcionalismo ainda é ponto-chave para atrair jovens estudantes para as instituições de formação para a administração pública. O parisiense Benjamin Lanot, 23 anos, ainda não definiu em que área deseja seguir, mas tem a certeza de que são os cargos públicos os que mais bem podem lhe oferecer o pacote de um bom salário, estabilidade e satisfação profissional. "Muitas áreas me interessam, desde finanças até a diplomacia. É bem verdade que será um grande prazer ser útil à população do meu país e servir ao Estado fará com que eu me sinta importante para ajudar as coisas melhorarem. Mas não nego que a segurança do emprego ainda tem um peso importante na hora de tomar a decisão entre o público e o privado", diz o estudante da Sciences Po.

Benjamin e o colega Nabil Ait Akkche se preparam para enfrentar em setembro o concurso de admissão à ENA, ao mesmo tempo em que terminam o mestrado em Assuntos Políticos na concorrente. Os dois têm funcionários públicos na família - o pai de Nabil é ex-diretor de escritório do primeiro-ministro da Argélia, onde mora sua família - e dividem um mesmo sonho: ser um dos que tomam as grandes decisões pelo desenvolvimento do país. "Minha ambição é ser conselheiro de Estado ou ministro. (...) O.k., admito: não descarto a presidência da República. Confesso que penso nisso, sim, mas sei que cada passo é longo e que a entrada no ENA é apenas a primeira das etapas", revela Nabil, 23 anos, que desde os 17 anos já sabia que seu destino estaria nas mãos do governo francês.

O que as instituições oferecem

 

Estados Unidos
Harvard Kennedy School
A faculdade é uma das nove que for­mam o complexo da prestigiosa Harvard, perto de Boston, em Massachusetts. Considerada o berço da elite política e há quatro séculos formando líderes, a Harvard Kennedy School recebe com freqüência palestras de personalidades mundialmente destacadas, como os presidentes Bush (pai e filho) e o ex-secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan. Neste ano, 140 alunos de 41 países estão matriculados no Master in Public Administration - International Development. Apenas 25% deles são norte-americanos. O ensino daquele que é considerado o mais difícil dos mestrados da universidade tem uma didática baseada em estudos de casos - do mundo inteiro, evidentemente.

 

França
Sciences Po
O curso de Master of Public Affairs do tradicional Institut d'Études Politiques de Paris - mais conhecido como Sciences Po -, é recente: nasceu em 2005. Disposta a ser nada menos do que a grande rival de Harvard na Europa, o curso aposta na internacionalização das idéias e do corpo docente para atrair para suas salas de aula jovens diretores de empresas do mundo inteiro. Nenhuma nacionalidade é predominante entre os 60 alunos, embora a maioria seja da Ásia. No segundo e último ano de estudos os alunos são incentivados a realizar intercâmbio em uma das quatro universidades membros da Rede Mundial de Política Pública, situadas em Londres, Berlim, Cingapura e nos Estados Unidos.

École Nationale d'Administration (ENA)
Entre seus ex-alunos estrangeiros, 2,7 mil viraram embaixadores ou ministros em seus países de origem. Atualmente, além dos 79 alunos franceses, a ENA possui 40 estrangeiros. Os cursos são ministrados em francês e os alunos têm a chance de estagiar em um cargo de responsabilidade em algum dos setores da administração francesa, reflexo da política da instituição de oferecer o aprendizado baseado na prática.

Inglaterra
London School of Economics and Political Sciences
Uma das primeiras universidades do mundo a oferecer os cursos de Economia e Ciências Sociais, a LSE é a universidade mais internacional do mundo, com 70% de alunos estrangeiros, representando mais de
130 países. Entre seus alunos célebres está o ex-presidente americano John F. Kennedy, além de 14 prêmios Nobel e 38 chefes de Estado ou
de governo.

 

Cingapura
Lee Kuan Yew School of Public Policy
A faculdade de Políticas Públicas de Cingapura representa a entrada das universidades asiáticas no hall das grandes instituições de ensino com padrão internacional de qualidade. Com este objetivo, o presidente da Lee Kuan Yew University, Kishore Mahbubani, criou há quatro anos um campus específico para os três cursos de administração pública. Atualmente, 250 alunos ocupam as salas de aula da faculdade, 80% deles de origem asiática.

Fonte: Lúcia Jardim / Revista Ensino Superior